Um homem tem diversos momentos capitais em sua vida. As cirurgias pelas quais ele passa, necessárias ou de emergência, simples ou complexas, fazem parte destes momentos. Afinal, seja qual for a situação, uma cirurgia é sempre um momento em que o homem está ali à mercê de profissionais que enfiarão um bisturi em sua pele para consertar alguma coisa. E mesmo que seja uma intervenção simples, há sempre a questão de estarmos em um hospital, ambiente insípido que lembra a ausência de saúde.
Por isso, quando fui fazer uma simples correção de desvio de septo, peguei uma das tarefas mensais para este Rascunho, Aprender a (vi)ver, do gaúcho Juremir Machado da Silva. Não conhecia o autor e o título pareceu ser bastante sugestivo para um momento capital.
Cheguei ao hospital onde seria feita a cirurgia às sete da manhã e me colocaram para esperar em um quarto. Enquanto esperava, comecei a ler Aprender a (vi)ver. E em vez de relaxar para enfrentar a operação com calma, fui ficando meio agitado. Pode ser que a vontade de sair logo dali com o nariz consertado fosse maior que a de prestar mais atenção ao livro, mas não era. Naquele instante ali, de pijama azul necessariamente 100% de algodão, “inclusive o elástico”, como bem me alertaram as enfermeiras, tudo o que tinha em mãos para não pensar no bisturi era Aprender a (vi)ver. E prestei muita atenção ao livro.
E à medida que ia lendo, ia ficando mais agitado. Queria que duas coisas acontecessem brevemente. Uma era fazer logo a cirurgia e ir para casa. A outra era acabar de ler o livro. Veja bem, não é que Juremir não escreva bem. Ele escreve muito bem. Ele leu muito — pré-requisito às vezes esquecido por muitos que se lançam à carreira de escritor — e sabe usar suas referências em seu texto. Mas o jeito que ele escreve só fazia aumentar minha vontade de chegar logo ao fim do livro.
Em Aprender a (vi)ver, Juremir pretende sugerir a nós, leitores, maneiras diferentes de ver e viver este mundo. Como ele bem lembra, ver não é o mesmo que olhar, há diferenças. Bem como há muitas maneiras diferentes de se viver, não existe uma fórmula pronta. Mas o que pode ser um tema profundo — e felizmente o autor não é pretensioso a ponto de dar como título a seu livro um imperativo como Aprenda a viver —, em Aprender a (vi)ver revela-se um tanto quanto mal explorado.
Nas 34 crônicas do livro, Juremir não mostra ação, mas reflexão. O autor tenta nos convencer a sentir este mundo de outra maneira com argumentos às vezes pueris, às vezes óbvios demais, como se saídos de redações de vestibular, aqueles bonitos libelos da língua portuguesa concluídos com um nobilíssimo “Temos que ter consciência de que…”. Veja o trecho:
Por que será que nos vem, de repente, numa tarde de verão, quando o temporal desaba como uma sinfonia gratuita da natureza, essa vontade de tomar banho de chuva? Será apenas a saudade da infância? Ou, estranhamente, uma nostalgia do presente que não estamos conseguindo aproveitar. Complicamos a vida. Sempre queremos ir ao outro lado do mundo em busca do paraíso. Muitas vezes, chegamos a realizar esse sonho. […] Conhecemos, então, pessoas que sonham em vir ao outro lado do mundo — esse outro lado onde moramos nós — para também visitar um pedaço do paraíso.
Ou, em outras palavras, a grama do vizinho é sempre mais verde.
Argumentos assim permeiam as 34 crônicas, ora nos mostrando como poderíamos ver, ora nos mostrando o que poderíamos fazer de diferente. Os temas variam. São todos eles contemporâneos: moral, família, mídia, felicidade, o novo homem, a nova mulher e o mistério da existência. Mas em quase todos os casos o que se vê é a prosa de um adultescente, alguém que acha que já viu quase tudo mas tem o senso crítico de ter certeza de não ter visto tudo e que, conseqüentemente, não dá lições, embora tente.
Juremir tem as ferramentas para passar dos conselhos inocentes e adolescentes para uma crônica mais reflexiva, uma que convidasse a rever visões e vivências, dispensando o tom professoral teórico deste livro. No entanto, em Aprender a (vi)ver, ele acabou errando o tom e deixando mais um panfleto libertário dos milhares produzidos a cada segundo pelos contestadores de plantão. Pelo menos este está bem escrito.