Interrompendo um jejum de 12 anos, o escritor João Carlos Taveira, mineiro de Caratinga radicado em Brasília há mais de três décadas, reúne em Arquitetura do homem sua nova safra poética. Autor que rejeita as ginásticas formais, sem contudo renegar as conquistas do modernismo, Taveira é um poeta clássico, que recepciona em sua engenharia verbal características de vários estilos e tendências.
Contido ou discursivo, o autor celebra a vida e questiona os rumos da humanidade. Em sua confecção literária, há a abertura para um certo hibridismo poético, o que significa não apenas a versatilidade de um processo criativo amadurecido e vigoroso, mas também a necessidade de diálogo com outros autores e escolas.
Este sexto livro de poesia se constitui num conjunto harmônico de poemas de temáticas e construções variadas, impregnado de uma musicalidade e uma semântica muito peculiares, em razão das influências de compositores clássicos na trajetória do poeta, que também é crítico musical. Transitando do lirismo (Soneto de aspiração) à crítica social (Notícia de jornal), variando do soneto ao haicai, do verso metrificado (Arquitetura do homem) à composição livre (Diante do espelho), da poesia elegíaca (Berceuse) aos versos epifânicos (Autoconhecimento), satíricos (Toada gregoriana) ou de homenagem (O argonauta), o autor se coloca a serviço de uma arte que tem como foco o homem, em sua escalada terrena permeada de angústias espirituais, fracassos amorosos e frustrações oníricas.
Não é sem motivo que escolheu para capa da nova obra o mítico quadro de Leonardo da Vinci, O homem vitruviano. É que sua poesia centra-se nesse homem como medida de todas as coisas, antenada com os dilemas existenciais: os insondáveis mistérios do amor, as perdas, a passagem do tempo, as dores, a morte, as mudanças sociais, a veloz permuta de valores num mundo cada vez mais estereotipado e dominado pelas visões imediatistas.
Num tempo em que o sentimento é substituído pelo automatismo das re(l)ações, subjugado aos interesses da competitividade, quando as visões líricas e as utopias perdem espaço para as tecnologia, o conjunto poético de Arquitetura do homem tenta responder a esse velho dilema sem cair na pieguice do sentimentalismo delirante e inútil. Enfrentando o conflito entre a racionalidade exigida pela vida moderna e a legitimidade, valor e função da poesia num tempo caótico, agônico e de catástrofes, Taveira explicita seu inconformismo e questiona o destino da própria humanidade:
Neste mundo de egoísmo/ e tanta desigualdade/ entre o ter o não ter,/ entre máquinas, táticas/ e outras tecnologias,/ em que proliferam/ guerras, desencontros,/ em algum lugar,/ em algum jardim,/ há de vicejar, incólume,/ a rosa que plantamos, / a rosa sobrevivente,/ de um tempo que não morre,/ infensa às asperezas/ que ainda carregamos./ Proclamemos a rosa/ guardiã de nossos sonhos!
Como o russo Maiakovski, que proclamou: “Eu/ à poesia/ só permito uma forma:/ concisão, /precisão das fórmulas/ matemáticas”, João Carlos Taveira, também compreendeu a responsabilidade estética de seu ofício. Ao consolidar a sua capacidade de síntese, equilibrando tema e forma, conteúdo e mensagem, não prescindiu do necessário burilamento e rigoroso ordenamento, que só os verdadeiros estetas buscam e alcançam. Assim, reiterou sua profissão de fé: “amar sobretudo/ a precisão do verbo:/ pedra fundamental/ de tua criação”.
Portanto, estamos diante de um poeta que renunciou aos recursos fáceis de uma poética diluidora e condicionada aos modismos e exigências do mercado, para erguer os alicerces de uma produção consistente. E nos deixa um grande legado: uma poesia apurada e depurada, densa e delicada, inquieta e apaziguadora. Acima de tudo, uma orientação em meio à luta cotidiana do homem e de sua busca por novos caminhos para a própria arte, exercício permanente de reinvenção do eu lírico e do sentido da linguagem, porque resultado de um olhar intenso para dentro de si e para o universo, atitude que possibilita compreender e interpretar o mundo por meio da palavra.