A bibliografia sobre jornalismo brasileiro, muitas vezes, deixa de privilegiar o próprio desenvolvimento para louvar talentos e experiências de fora. Tome-se o caso da crônica, freqüentemente lembrada apenas como um gênero menor, inclusive nos cursos de jornalismo que, por sua vez, preferem adotar como objeto de culto e de desejo o chamado new journalism, cujos expoentes são sempre os americanos e alguns europeus. Enquanto isso, as estantes das bibliotecas nacionais permanecem intactas com os alfarrábios de autores do quilate de João do Rio, que, a propósito, é tema da coletânea Vida vertiginosa, preparada pelo jornalista e pesquisador João Carlos Rodrigues.
É ele quem situa o leitor desavisado acerca da importância de Paulo Barreto, ou simplesmente João do Rio, seu pseudônimo favorito. Rodrigues assina um belíssimo ensaio que prefacia a obra, pontuando a importância de cada texto selecionado, como também indicando pistas para que o leitor possa compreender um pouco mais acerca do estilo do cronista do Rio de Janeiro da belle époque. E aqui cabe tratar um pouco mais da crônica, visto que foi o gênero jornalístico favorito de João do Rio. Alguns dicionários assim como os cursos de comunicação preferem a definição deste gênero como algo relacionado a um meio termo entre o jornalismo e a literatura. Não se trata de um conceito errado, mas o que João do Rio fazia naquela época era absolutamente distinto e distante do que hoje produzem os cronistas brasileiros. O motivo é simples: enquanto Luis Fernando Verissimo e/ou Carlos Heitor Cony podem assinar um texto para ser publicado na grande imprensa brasileira sem sequer sair do conforto de suas casas, João do Rio encarava o dia-a-dia da rua, como se fosse um repórter à cata de notícias, muito embora essas não estivessem ligadas tanto ao factual como se entende hoje. Desse modo, suas crônicas eram eivadas de relatos captados na conversa brejeira e assinalados, como sempre, com humor mordaz e cortante.
Num Rio de Janeiro ainda sob o reflexo da mudança de regime político, João do Rio escreve sobre a sensação de deslumbramento que a população tinha pelas grandes inovações, como o automóvel: “[…] senhor da era, criador de uma nova vida, ginete encantado da transformação urbana, cavalo de Ulisses posto em movimento por Satanás, gênio inconsciente da nossa metamorfose”. Em outra parte, analisa o comportamento de algumas pessoas diante dos estrangeiros. Neste texto, aliás, entra em cena, além do cronista, o repórter, pois ele escreve sobre um comportamento que não somente é analisado à distância, mas do qual ele próprio participa. E o relato se torna mais precioso quando o autor ressalta esse tom de relato, de quem ouviu porque estava logo ao lado. É o jornalista antes do cronista.
É provável que João do Rio esteja colocado em segundo lugar nas letras nacionais porque não pertenceu ao modernismo tampouco publicou um romance. Se a sua obra for lida com cuidado, contudo, esses argumentos ficam em segundo plano.