O romance Anotações sobre um escândalo, de Zoë Heller, poderia ser vendido facilmente devido aos apelos de seu argumento básico: o enredo trata do caso de amor entre uma professora quarentona, Sheba Hart, e Connoly, um aluno adolescente da escola em que ela leciona. O relato desse imbróglio pedófilo-passional é feito por Barbara Covett, também professora e colega de Sheba, mulher que insinua o tempo todo uma paixão homossexual pela amiga.
Mas seria muito simplista aproveitar a “polêmica” dos temas abordados por Heller para torná-los atrativos meramente comerciais ou mesmo literários. No texto da autora, a narrativa sobrepõe-se aos acontecimentos, que servem apenas de pano de fundo para o desenvolvimento de personagens complexos sem chatice, dramáticos sem charlatanismo e divertidíssimos em suas insanidades. A acidez sexagenária dos comentários de Barbara a respeito da pretensa inocência de Sheba; seu sofrimento ao acompanhar a doença da gata Portia; e a relação canhestra que cultiva com a irmã Marjorie, tudo isso coloca a narradora num papel magistralmente bem-situado entre o trágico e o cômico. Sem dúvida, cabe a Barbara e a seus relatos parciais o envolvimento que a história gera em seus leitores.
Percebe-se ainda, no texto de Heller, uma característica essencialmente inglesa: a criação de um imenso conflito interno nos leitores indefesos, algo que nasce do desconforto de rir daquilo que não é engraçado ou de torcer pelo vilão. Nesse aspecto, Anotações… lembra muito Evelyn Waugh em O ente querido: por mais que a situação seja um pouco comovente, ou que a protagonista esteja enrolada nos maus lençóis em que escolheu aninhar-se, há sempre aquele risinho contido no canto dos lábios de quem segura o livro — o suficiente para deixar curioso o seu vizinho de banco no ônibus.
Já que o livro é muito mais relato do que ação, há também um quê de Chuck Palahniuk na escrita de Heller. A narrativa começa em seu fim cronológico, uma velha e deliciosa maneira de não criar no leitor expectativas sobre o final da história; ele já está ali, no começo. O que a autora espera é que você se envolva pelo todo que o livro oferece — linguagem, enredo, personagens. E, no caso deste livro de Zoë Heller, pode-se afirmar com segurança que essa expectativa é satisfeita.
Anotações sobre um escândalo é mais um daqueles livros que parecem ter sido escritos propositadamente para uma adaptação cinematográfica. É impossível não pedalar com Sheba no frio londrino ou sentir-se convidado à sala bagunçada dos Hart, graças à precisão das ambientações criadas pela escritora. A filha mais velha de Sheba, Polly, parece pedir para que o livro se transforme em filme: a caricatura perfeita de uma adolescente dos tempos modernos, cheia de fúria, surtos e lamúrias. Alguém na Fox Films leu o romance de Heller e também acreditou nisso; Anotações… virou um longa-metragem, e sua produção começa em agosto deste ano. Contará com as participações de Cate Blanchett (no papel de Sheba) e Judi Dench (como Barbara). Se depender do elenco escalado, já que o roteiro é garantia de diversão, as tragédias e comédias das duas professoras inglesas serão seguramente bem representadas.