Poemas inéditos de Fernando Mendes Vianna

Leia os poemas "Invocação do corpo", "Exéquias", "Lenda" e "Poemas para o mar"
01/11/2006

Invocação do corpo

Bendito o meu corpo
apesar dos pesares.
Maldito o meu corpo.
bendito e maldito
meu corpo finito
de tantos esgares
e vãos imaginares.
Bendito este mito.
o corpo, meu mito,
meu único mito.
Ó lenda estupenda
do poeta precito
o supremo fito.

Ó corpo, ó corpo!
O corpo e seu sopro,
meu barco, meu porto
no périplo torto,
orporatura
da grande aventura
da vida, da sorte
da morte.

Exéquias

Exit. Fui.
Enfim, fui-me.
Reintegrei-me no flume
de lume — a eternidade.

Enfim o fim da busca
da diferença entre
mentira e verdade.
Tudo agora é eternidade.

Tel quel, enfin, l’eternité
En lui même le change.

Nem humano, nem demônio
nem um sonho de anjo.

Plenitude total,
sem bem, nem mal.
Enfim a plenitude
do homem-animal.

De volta à minha
verdadeira condição
de elemento ígneo
do indígno
signo terráqueo.

Aleluia! Aleluia!
não eterno
de mala e cuia!

Lenda

Minha vida mais parece uma lenda
tão real e irreal, mágica festa.
Mesmo adunca e infesta.
Nem sinto mais meus antigos
desconsolos. nem doem mais
meus terríveis dolos.

Generalizada bruma,
tudo já se esfuma em vagos
vultos. e tudo vai sumindo.
e do meu ego — meu enorme ego —
só resta o desapego
de tudo quanto fui.

Poemas para o mar

Invade-me o mar
e o sangue
faz-se espuma.
O rumor do mar
corrói meus ossos
d lança à praia
puros sobrossos.

O mar invade
as dunas
da ampulheta
e minha tulha
de entulhos
de memórias.

O mar, o mar
invade tudo,
toda a minha seiva.
E faz da palavra
sangue sem eiva.

Fernando Mendes Vianna

Nasceu no Rio de Janeiro, em 1933. Estreou na poesia em 1958 com Marinheiro no tempo e Construção no caos. Seguiram-se A chave e a pedra, Proclamação do barro, entre outros. Faleceu em 10 de setembro, em Brasília.

Rascunho