Cada coisa tem seu lugar

Resenha do livro "Gramíneas", de Caio Porfírio Carneiro
Caio Porfírio Carneiro, autor de “Gramíneas”
01/12/2006

Cada texto tem um lugar apropriado. Textos escritos meio que de supetão, quase que ao improviso, têm seu lugar na internet. Os blogs na maior parte do tempo são isso, uma coletânea de textos escritos rapidamente e que raramente merecem alguma revisão. Outros textos que um dia foram escritos e colocados na gaveta provavelmente lá deveriam ficar. Se não passaram na primeira censura, por que haveriam de passar a uma segunda?

Os comentários são necessários para falarmos de Gramíneas, última obra de Caio Porfírio Carneiro. O livro reúne dois momentos de trabalho distintos do autor, e separados não apenas pelo tempo como também pelo método e, principalmente, pela qualidade.

O autor esclarece que o livro é dividido em dois tempos, escritos de maneira completamente diferentes. Enquanto o primeiro tempo, chamado de Diário ficcionado, é uma coletânea de textos escritos durante as férias do escritor em Fortaleza em 2004, ao ritmo de um por dia, o segundo tempo é uma coletânea de textos escritos anteriormente aos do primeiro tempo e que estavam engavetados havia um tempo.

Na prática, são dois livros muito diferentes entre si. Enquanto o Diário ficcionado tem um ritmo interessante de curtas e curtíssimas histórias, todas inspiradas no mundo real, o Segundo tempo traz principalmente poesias, mas não só, sendo duas em homenagem às duas cidades do escritor, São Paulo e Fortaleza. No entanto, esta não é a diferença principal.

O Diário ficcionado é na média bom. Como toda produção a que não se dá um tempo de reflexão, ela traz pontos altos e baixos. Há momentos líricos, surpreendentes, em que o inusitado aparece como um corte profundo no cotidiano, revelando a loucura e o insano que nos acompanham à espera do momento de aparecerem. São particularmente bons os textos de abertura e encerramento de todo o período, que se unem para dar uma noção maior de conjunto ao segmento. Também merecem destaque A passageira, Na paz de Deus, O espetáculo, A calça e A carta. Todos refletem um instante, um momento breve de extrema realidade e insanidade.

Já o Segundo tempo mais parece uma tentativa adolescente de ser escritor (o que talvez seja louvável, visto que Carneiro tem já seus 78 anos). As poesias são pueris, as outras tentativas do escritor — de um diálogo teatral, um plano de romance, um conto curto, uma história juvenil e uma entrevista — são também ingênuas. Enfim, em nada acrescentam ao que poderia ser um livro bacana. Mas o próprio autor nos alerta disso, ao escrever na introdução da segunda parte, “que entra aqui (ali) como arremate para não arrematar nada”. Ele também nos alerta: “Por que vêm a público? Deu-me na veneta”. Pois é, na maior parte dos casos, quando a gente não pensa duas vezes, comete erros, faz besteira. Pelo menos metade destas Gramíneas deveria ter ficado na gaveta.

Gramíneas
Caio Porfírio Carneiro
Scortecci
100 págs.
Adriano Koehler

É jornalista. Vive em Curitiba (PR).

Rascunho