Meu pai me pede que eu o acompanhe em uma ida ao Ministério do Trabalho, no centro do Rio, onde precisa levar um documento. Anda adoentado e lento e, por ordem médica, não pode ir sozinho nem à padaria da esquina. Insiste que o documento é importante. Meu dever, de que não posso fugir, é acompanhá-lo.
Dirige seu velho Aero Willys verde com solenidade, mas indisfarçável temor. Não tem mais condições de enfrentar o trânsito do Rio. Antes de sair de casa, ainda sugeri que chamássemos um táxi. Recusou meu conselho, afirma que está bem e que é um homem capaz. Como não sei dirigir — e, até hoje, não sei —, sou obrigado a aceitar que pegue no volante.
A viagem de Copacabana ao Centro é aflitiva, com freadas fortes e curvas estranhas. Enfim, meu pai estaciona o carro diante do Ministério. Amparo-o na subida da velha e autoritária escadaria, ao estilo do Estado Novo. Ele começa a suar. Na fila do elevador, percebo que está apreensivo. Pergunto o que se passa. “Acho que é no sexto andar”, ele diz. “Não, não é no sexto, parece que é no sétimo.” Trata-se, na verdade, não da sala 613, mas da sala 713, afirma.
Descemos do elevador no sétimo andar. Reclama, então, que cumprimentou o ascensorista, mas ele não retribuiu. “O Esteves trabalha há muitos anos no ministério”, diz. “Não pode ter se esquecido de mim.” Dá meia volta, como se fosse reagir a um golpe, observa a porta do elevador já fechada, agora parece procurar alguma coisa. “Não, ele não se chama Esteves, ele se chama Ernesto”, se corrige.
Começamos a procurar pela sala 713. “Só quero ver se dona Isolda, a secretária, também se esqueceu de mim.” A sala 713 está trancada. Batemos na porta, ninguém abre. Meu pai, Ribamar, parece, mais uma vez, decepcionado. A realidade não corresponde às suas lembranças. Memória e fatos estão em luta. “São todos uns traidores”, ele resmunga. “Talvez seja mesmo no 613”, eu digo, para acalmá-lo.
De volta ao elevador, mais uma vez, o ascensorista Esteves, ou Ernesto, ignora seu cumprimento. Agora meu pai protesta: “Você já não se lembra de mim?”. Esteves, ou Ernesto, o encara. A porta se abre no sexto andar, mas o ascensorista continua mudo. Até que pergunta: “O senhor é o Almeida do almoxarifado, não é? Sinto muito, senhor Almeida, minha memória anda péssima”.
Constato, com um calafrio, que o tempo é um deus devastador. Também os cabelos brancos do ascensorista desordenaram sua mente. Desapontado, e mais que isso, enraivecido, meu pai nada responde. Quando saímos do elevador, ele diz: “Um cretino”. Não consigo concordar, nem discordar. Avançamos, em silêncio, rumo à sala 613.
Para meu alívio, a sala 613 está aberta. Logo à entrada, atendendo às minhas esperanças, há uma mesa atrás da qual se esparrama, em uma cadeira negra, uma mulher dentuça. Parece que agora estamos no caminho certo. “A dona Isolda não trabalha mais aqui?” — meu pai pergunta. A mulher se espanta: “Chamo-me Maira. Sou a secretária do setor há mais de vinte anos. Nunca houve uma Isolda na repartição”.
Mesmo frustrado, meu pai não desiste. Abre sua pasta, tira um envelope que coloca sobre a mesa e diz: “Aí está o documento que falta. O documento que vocês pediram”. Com lentidão e nojo, a mulher dentuça abre o envelope, retira o documento, lê e pergunta: “Senhor Ribamar, do que exatamente se trata?”. Meu pai explica que é o último comprovante que falta para seu processo de aposentadoria.
“O senhor terá que ir ao terceiro andar. Sala 306, ou 307, não estou bem certa.” Diante da notícia, sinto que José Ribamar, meu pai, começa a fraquejar. Sai da sala se arrastando, como se tivesse levado um murro. E levou. “É tudo muito confuso, meu filho. Por que o mundo ficou assim?” Percebo que está branco. Peço que se acalme, porque as mudanças de salas são comuns nos grandes ministérios, é só isso. “Antes, vamos tomar um café”, eu decido. Somos dois prisioneiros à deriva.
Pegamos, mais uma vez, o elevador. Dessa vez, meu pai não cumprimenta o ascensorista. Em vez disso, fecha a cara, é um homem ofendido em sua dignidade. A sala 306 se conecta com a sala 307, o que é, em princípio, um alívio. Contudo, uma placa logo à entrada avisa que ali funciona um refeitório, e não uma repartição. “Podemos aproveitar e tomar nosso café.” Meu pai se recusa. Ainda rodamos por todo o terceiro andar em busca da sala verdadeira. Um cheiro repugnante de feijão satura o ar.
Impreciso como um fantasma, surge diante de nós um sujeito fardado e posudo, com ares de falsa nobreza. Animado, meu pai lhe pergunta em que andar, afinal, se tratam das aposentadorias. “Melhor ir ao térreo e perguntar na portaria.” É o que fazemos. O porteiro chefe é um homem calado, que parece ouvir uma prédica religiosa inexistente. Só depois de consultar um catálogo, ele comunica: “Sala 713, sétimo andar”. E se vira para atender a uma senhora de peruca azul.
Trata-se, como o leitor deve se lembrar, da primeira sala em que eu e meu pai estivemos. A memória de Ribamar não está tão ruim assim, eu concluo. O que não resolve nada. Tornamo-nos prisioneiros do Ministério. Ainda tento pensar numa solução, quando meu pai decide: “Vamos embora, meu filho”. Pergunto como ficará o processo da aposentadoria. “Que se dane.”
Entramos, de volta, no elevador. Mas, em vez de descer, ele sobe. A palidez de meu pai aumenta. No décimo quarto, ou décimo quinto andar, várias pessoas desembarcam. Resolvo segui-las. Meu pai precisa respirar. “O que estamos fazendo aqui, meu filho?” — ele me pergunta. Só posso dizer a verdade: “Respirando”.
Ocorre que o hall em que descemos é abafado e está muito cheio. “O que essa gente toda faz aqui?” — ele me pergunta, chocado. Empalidece mais ainda. “Pai, não vamos chegar a lugar nenhum”, eu admito. Amparo-o, enquanto esperamos o retorno do elevador. Não terá condições de dirigir de volta a Copacabana.
Enfim, na portaria do ministério, meu pai anuncia: “Assim que chegar no carro, preciso tirar um cochilo”. Dormimos os dois, não sei por quanto tempo, dentro do velho Aero Willys. Quando eu acordo, já anoitece. Um engarrafamento exasperante nos cerca. Somos, mais uma vez, dois prisioneiros.