17
Olhinhos de rato, olhinhos de morcego, olhinhos de gato vigiam as três sombras que tagarelam cercadas pelo entulho.
A lua subitamente seduz esses olhinhos assanhados.
Andando, andando, alguém ordena.
Alguém mais experiente. Alguém mais velho. Alguém que já não se encanta mais com a lua.
Garrinhas sujas, encurvadas e trincadas arranham as lascas de concreto enquanto os olhinhos curiosos vigiam as sombras tagarelas que, bêbadas e ignorantes, tagarelam, tagarelam, tagarelam.
18
Com gestos de prestidigitador o visitante sacou do bolso do paletó um lenço branco. Enquanto todos esperavam que daí fosse surgir um coelho ou um pombo, ele, de maneira teatral, apenas limpou os lábios.
O que nós sabemos até agora de concreto é o mesmo que os senhores sabem, ou seja, muito pouco, ele enfim disse guardando o lenço.
Pelo amor de Deus, não nos julgue tão-só uma dupla de parvos, de bestalhões, de panacas babando pra lua.
Acreditem em mim. Não estou mentindo. De fato tudo começou aqui. Ninguém sabe por quê, ninguém sabe exatamente quando. Mas tudo começou aqui mesmo.
Tornou a sacar o lenço e a limpar os lábios.
Quando o senhor, seu Frederico, é, quando o senhor nos telefonou há dois anos, a fim de obter mais informações a respeito de um estoque de livros aparentemente clandestino surgido no hall da sua biblioteca, esse comunicado não foi exatamente uma grande surpresa pra nós.
Do que é que você está falando afinal?
É isso mesmo. Hoje já podemos afirmar que bem antes do seu comunicado, pra ser mais preciso há mais ou menos dois anos e meio, o primeiro estoque de livros clandestinos apareceu numa das salas do pavilhão 12 do bloco central. Veja bem, isso aconteceu seis meses antes do seu telefonema. Mas os funcionários que encontraram esse primeiro estoque julgaram que o problema tinha sido provocado por mero desleixo da equipe de bibliotecários de plantão. Então, sem que ninguém soubesse, eles remanejaram todos os livros para as outras salas.
Espera aí, essa informação eu não recebi.
Ninguém recebeu. Nós mesmos só ficamos a par disso recentemente. Tudo começou aqui, numa das salas do pavilhão principal. Essa é a única certeza que nós temos. Então, sem quê nem por quê, a coisa começou a se espalhar por todo o país com uma velocidade incrível, e agora há funcionários de bibliotecas estrangeiras — francesas principalmente — reclamando do estranho aparecimento de livros — livros novos! — nas suas prateleiras. Conseguem compreender uma coisa dessas? Não se trata apenas de obras há muito desaparecidas ou banidas dos catálogos, mas de novas edições, de milhares e milhares de volumes recém-impressos. E na França!
Se não me engano, lá a lei que proíbe a publicação de toda nova obra faz parte justamente do Tratado de Montparnasse, assinado em Paris, Rodrigo murmurou antes de sorver do seu copo.
Exatamente.
Mikhaylovka e Yulin Xin Xian também participaram, não?
Não. A Rússia e a China ficaram de fora. O Tratado foi assinado pelo primeiro-ministro da Inglaterra e do Japão.
Peter de Leicester e Kazuki Tokamashi.
Sim. Bert Shipman, dos Estados Unidos, e Leonardo di Felice, da Itália, também estavam presentes.
Parece que as coisas também estão indo de mal a pior em Houston e em Florença.
É o que nossos diplomatas estão afirmando à boca pequena.
O bibliotecário parou de beber.
Olhando de frente o visitante ele resmungou, não me importo com o que está acontecendo na Europa, na lua ou no inferno. Não me importo mesmo. Vocês não conseguem cuidar do próprio rabo, que dirá do rabo alheio. Quero apenas que parem com essas novas construções, pelo menos no meu quintal. Isto aqui em breve será transformado num depósito de proporções fabulosas, e pra quê? Só pra abrigar esses malditos livros. Queimem tudo, joguem no mar, enterrem, façam o que quiserem, mas, porra, parem de destruir as praças só para construir novas bibliotecas.
Por um minuto fez-se o mais pavoroso silêncio.
O silêncio dentro do qual podia-se ouvir o leve ondular dos intestinos de um camundongo que corria do outro lado do entulho.
Botar fogo. Jogar no mar. Enterrar.
O visitante tornou a acertar a gravata. Sua expressão agora era extremamente fria e formal.
Muito cuidado com o que o senhor diz em público, senhor Frederico. O senhor pode vir a ser preso e executado por isso.
19
De repente Renata lembrou que estava grávida.
No fundo da banheira, lembrou.
Grávida?
Exatamente. Apesar da pouca barriga — três meses apenas — algo flutuava dentro dela. Algo se expandia e se contraía em algum lugar dentro dela, dentro da sua banheira interior formada pela bolsa e pelo líquido amniótico.
Algo que por enquanto não era nada mas um dia iria chorar e sorrir e correr e gritar e morder e beijar.
Sim, algo que um dia também iria pronunciar essa palavra terrível, devastadora, desprezível:
Ma-mãe.
Algo quente e pulsante, às vezes agressivo, às vezes carinhoso, que um dia sem dúvida alguma iria dizer, ma-mãe, isso mesmo, como uma dessas bonecas de borracha, loiras e risonhas, que ao menor esbarrão repetem, ma-mãe. Sempre ma-mãe.
Por que não ma-mão? Ou ma-multe? Ou ma-carrão?
Ninguém sabe.
Sempre ma-mãe. Sempre.
De repente, confortavelmente instalada no fundo do seu útero particular, Renata finalmente percebeu, oh Deus, sim, ela finalmente se deu conta de que um dia iria se debulhar em lágrimas — lágrimas! — induzida pela mais sincera e profunda felicidade, ao ouvir pela primeira vez essa palavra mágica, arrebatadora, cruel:
Ma-mãe.
À leve aproximação desse pensamento tão incomum seus olhos se comoveram, aumentando abruptamente, mas de maneira pouco significativa, o volume do líquido na banheira.
20
Olhinhos de rato, olhinhos de morcego, olhinhos de gato ainda estão de olho nas três sombras que tagarelam cercadas pelo entulho.
Qual é o problema? Por que paramos?, alguém vindo do final da fila pergunta. Sua voz é áspera e aguda.
Alguém mais velho e experiente do que ele aponta o telescópio ao luar. O telescópio a poucos metros da laje de concreto. O telescópio a poucos metros da laje de concreto que esconde a escotilha.
E daí, ãh, e daí? É só a merda de um telescópio.
Alguém mais velho e experiente do que ele aponta para as três sombras tagarelas que, bêbadas e ignorantes, tagarelam, tagarelam, tagarelam.
21
Que diabos.
Ao se virar na beirada da laje para coçar o calcanhar esquerdo o bibliotecário deparou-se com o telescópio meio esquecido, meio escondido no centro de uma pequena clareira que, de qualquer forma, não era mais o centro de coisa alguma, tendo se convertido agora, isso sim, num canto qualquer, sem importância, esquecido.
Que diabos, repetiu ele descendo da laje.
Mas Rodrigo e o visitante não estavam interessados nessa descoberta. Aos dois pouco importavam o telescópio e a clareira onde o dito-cujo dormia.
Rodrigo e o visitante estavam muito longe daí, num estádio deserto.
Travavam, os dois, um duelo pitoresco. Um atacando, o outro se defendendo.
Na capital fala-se muito a respeito de certas reformas na legislação com o propósito de restringir drasticamente o raio de ação tanto das gráficas e das editoras legalizadas quanto das clandestinas.
O visitante mexeu-se de repente, quem disse isso?
O governador em pessoa. A mim e a uma dúzia de jornalistas durante um pronunciamento à imprensa. De fato foi o próprio Joca Trancoso quem deixou escapar qualquer coisa a esse respeito. Disso eu me recordo bem.
Do que é que vocês estão falando?, atalhou o bibliotecário, um olho aberto, o outro fechado, a objetiva firmemente apontada para a lua.
Você está certo. As reformas de base defendidas pelo Pedro Alvarenga são um conjunto de medidas político-administrativas em torno do qual mobiliza-se boa parte do Congresso. Mas não acredito que venham a sair do papel. Não mesmo.
Mas comenta-se muito que.
Não dê ouvidos a tudo o que dizem, meu amigo. Boatos é o que não falta nos corredores do Palácio Bandeirantes.
Sei. Mas você não pode negar que o Alvarenga está, mesmo que na surdina, procurando organizar o povo em sindicatos e organizações de classe a fim de consolidar vários grupos que façam frente aos setores direitistas do Congresso.
Nossos congressistas estão dispersos. O presidente perdeu todo o seu poder. Depois de tudo o que aconteceu creio que ninguém mais dará ouvidos ao velho.
Não estou tão certo disso.
Do que é que vocês estão falando afinal?, grunhiu o bibliotecário.
Boatos.
Comenta-se em toda parte que o Alvarenga está planejando um golpe.
Não diga bobagem. O pobre-coitado mal se agüenta em pé, que dirá de um golpe?
Mas você há de concordar comigo que todo esse bochincho já começou a seduzir alguns setores importantes do empresariado nacional. Parece que tem gente muito graúda bastante interessada no desenrolar dessa história.
Que história, porra?!, uivou o bibliotecário ainda de olho na lua.
Reformas, meu caro. Drásticas reformas.
Ficções.
Não são, não. Alguma coisa está pra acontecer, e não vai demorar.
O bibliotecário não estava mais ao lado do telescópio.
Estava de volta à laje, que tipo de reformas?
O visitante passou a mão no cabelo e explicou didaticamente, fala-se aqui e ali em se conter de maneira firme e definitiva a onda dos livros clandestinos. Como? Através de algumas medidas aparentemente anticonstitucionais. Essas medidas fariam parte de um projeto inicial do governo, elas são a condição primordial pra se chegar a reformas mais profundas, reformas necessárias ao equilíbrio da estrutura socioeconômica do país.
Quem foi que disse isso?
Comenta-se aqui e ali.
Rodrigo arrotou baixinho e completou, o próprio Trancoso deixou escapar alguma coisa a respeito. Durante uma coletiva. Eu estava lá.
Sei, grunhiu o bibliotecário.
22
Estela continuava sussurrando pipipi popopó mas tudo o que dizia não passava de um assovio muito, muito longínquo. Ao menos para quem estava dentro d’água.
Pena que não consigo respirar, Renata pensou ainda no fundo.
Até mesmo as figuras e os arabescos da cortina pareciam bastante interessantes vistos desse ângulo, atrás do espelho translúcido e ondulante posicionado exatamente entre a quarta e a quinta dimensão.
Estela falava, falava e sua fala não conseguia atravessar a inquebrável barreira líquida.
Por causa de muita dor nos ouvidos, nos olhos, nas pernas, Renata decidiu sair do estado paradisíaco em que se encontrava. Tirou da água a cabeça, primeiro, depois o restante do corpo. Enrolou-se na toalha que sua mãe lhe estendia e se enxugou tomando todo o cuidado para não molhar os livros empilhados atrás da porta.
Mas, em vez de se vestir imediatamente, passou a andar pelada pelo quarto, indiferente ao frio.
Andava, bocejava e comentava, esse senhor Pedro, pois é, de qualquer maneira ele é um homem bem-apessoado e, parece, muito bem-educado.
Oh, sim. Disso não tenho a menor dúvida.
Ele não parece ser do tipo que troca talheres à mesa ou que fala mal de quem quer que seja pelas costas.
Renata abriu a porta única do único armário existente no quarto e, de cima da mixórdia que havia dentro da única e exígua gaveta aí existente, retirou uma calcinha limpa.
Vestiu também uma camiseta e entrou sob os cobertores acolchoados.
Entrou sem se dar conta de que um pouco do recheio de algodão estava escapando por um rasguinho na costura.
O peso dos cobertores sufocou-a, impedindo quase que totalmente seus movimentos. Por isso procurou não se mexer muito.
Detestava o inverno e o abraço dos cobertores.
Também não gostava de roupas muito agarradas. Nunca gostara.
Apaga a luz antes de sair. Estou morta.
Está bem.
Estela deslizou resignadamente para fora do quarto.
Deslizou deixando uma boa fresta atrás de si.
Uma fresta por onde, com o pé bom já no corredor mal iluminado, introduziu a mão e tocou de leve no interruptor levando finalmente a noite para dentro do quarto.
Boa-noite. Durma bem.
Boa-noite.
23
Olhinhos de rato, olhinhos de morcego, olhinhos de gato ainda estão de olho nas três sombras que tagarelam cercadas pelo entulho.
A lua incendeia o céu.
Vamos por ali, alguém mais velho e experiente aponta a tampa grelhada de um bueiro posicionado a vinte metros de distância.
A fila volta a andar.
Garrinhas sujas, encurvadas e trincadas arranham as lascas de concreto enquanto os olhinhos curiosos, se movendo na escuridão, vigiam as sombras tagarelas que, bêbadas e ignorantes, tagarelam, tagarelam, tagarelam.
24
Livros? Estamos em ano eleitoral. Ninguém está realmente interessado nesse pequeno problema, pelo menos não agora.
O bibliotecário bufou.
O visitante sorveu mais um pouco do copo e continuou, ouçam o que eu digo, ninguém no Palácio acredita numa solução rápida e definitiva pra questão das edições clandestinas. Então pra que se incomodar com isso? Basta criar mais bibliotecas, mais galpões, mais salões onde o excedente possa ser estocado. Temporariamente, compreendem?
Você está delirando, não está?
Absolutamente não. Estamos, sim, em vias de redefinir o diagrama urbano, meus amigos. Projetar, construir, moldar novos galpões e novos silos. É isso que traz votos.
Pelo amor de Deus.
Rodrigo deixou seu copo em cima da laje e retirou do bolso da calça uma caderneta de capa azul. Logo nas primeiras páginas havia um bom número de anotações mais ou menos legíveis à fraca luz do poste.
No começo deste ano nossos parlamentares criaram uma comissão especial pra investigar esse caso, ele disse seguindo as anotações.
O bibliotecário largou um arroto ao léu, dessa vez sem sequer tentar minimizá-lo:
Que tipo de comissão?
Uma comissão secreta, ou até agora quase secreta, com plenos poderes pra interferir em todos os setores da sociedade, sem exceção.
E daí?
Essa comissão por sua vez nomeou — vejam bem, nomeou sem sequer deixar as tribunas de Brasília — vinte e cinco delegados pra atuar como investigadores em cada um dos Estados da federação, junto a seus respectivos governos.
Eu sei disso, respondeu o visitante. Você vai encontrar o nome de todos eles no Diário Oficial da primeira segunda-feira de julho último.
Os nomes estão mesmo lá mas meio camuflados. Pois bem, em seguida cada delegado, sempre de comum acordo com o governador do Estado em que irá atuar, imediatamente nomeou doze subdelegados pra trabalhar dia e noite nas principais bibliotecas reclamantes, a fim de acompanhar de perto a entrada e a saída dos livros e a catalogação dos títulos adquiridos antes da proibição presidencial. Títulos que, por falta de tempo e de pessoal habilitado, ainda não haviam sido registrados.
Mas esse é um trabalho que não terá mais fim, exclamou o bibliotecário exasperado. O número de livros que ainda estão aguardando pra ser catalogados é gigantesco, medonho, quase imoral.
Pra esse serviço cada subdelegado nomeou três assistentes, cuja principal função será a de representá-lo nos pontos mais distantes do Estado, nas bibliotecas mais afastadas da capital e dos grandes centros.
O bibliotecário pegou a caderneta e devorou as anotações, tudo bem, tudo bem, mas cadê? Nas tuas anotações… Cadê? Não há nenhum técnico de estoques nas tuas anotações.
De fato, confirmou Rodrigo. Nenhum técnico de estoques. Era exatamente aí aonde eu queria chegar.
O senhor poderia nos informar então, senhor Penna, qual é a posição que o senhor ocupa nessa hierarquia absurda?
O visitante pigarreou e tossiu.
Então?, repetiu o bibliotecário olhando vivamente nos olhos do visitante.
Eu sou técnico de obras.
Técnico de obras? Pelo amor de Deus, o senhor constrói prédios!
Não, de maneira nenhuma. Eu apenas autorizo ou não as construções deixadas sob minha tutela. Mas estou aqui não exatamente nesta função. Há dois meses eu fui nomeado o primeiro-imediato do doutor Oréstes Fontela. Olha, não é pra me gabar, não, mas foi ele em pessoa quem me convidou pra este cargo.
Oréstes o quê?
Fontela. O doutor Oréstes é assistente do subsecretário Joaquim Nabuco, de São Paulo. Saibam que pra mim é uma grande honra trabalhar sob sua supervisão.
Primeiro-imediato? Assistente do assistente!, debochou o bibliotecário.
Pedro Penna enrubesceu de raiva. Mas não retrucou, não se aprumou, não esboçou o menor gesto de defesa.
Dê-se por muito satisfeito, disse por fim o visitante se recompondo. Ao governo estadual é dado pouquíssimo tempo pra olhar pra esta região considerada de baixa densidade eleitoral pelos senhores do Palácio.
Técnico de obras. O homem ergue prédios para o governo!
Fred sentia uma onda cancerígena corroer suas entranhas, talvez sua próstata, ou parte do fígado. Uma onda que queimava e torturava.
Gemeu baixinho. Quase um ganido.
Estava fora de si.
O que todas as estrelas estariam fazendo tão longe da abóbada celeste e tão perto dos olhos do visitante, a ponto de alterar a coloração de suas íris e até de suas pupilas?
Pela primeira vez nessa noite o bibliotecário sentiu frio.
Fazia frio fora de casa.
A superfície áspera do concreto absorvia todo o calor da sua bunda, do vinho que gota após gota havia se assentado na sua bunda e na extremidade dos dedos dos pés.
Millésime, Cabernet Sauvignon, safra 1991, produzido com uvas extraídas dos vinhedos do sul e envelhecido por dois anos em barris de carvalho.
Ventava, e o vento espalhava muita poeira por toda parte, misturando-a com algumas folhas secas e vários pedaços de papel rasgado.
No centro desse torvelinho, os grãos de poeira se chocavam uns com os outros produzindo uma série de explosões ruidosas, fazendo tremer a terra, sacudindo o entulho.
Estou bêbado, pensou por fim, erguendo-se da placa de concreto.
É tarde.
Rodrigo ajudou o sogro a se equilibrar, esticou a coluna, recolheu os copos e as garrafas.
O visitante, visivelmente contrariado, ergueu a pilha de livros encimada pelo volumoso caderno do prédio dos arquivos e seguiu atrás dos dois.
O bibliotecário, ao passar pelo prédio do escritório, percebeu que o batalhão de faxineiras já havia deixado o local e os livros, antes espalhados pelo corredor, estavam agora dispostos em pequenas pilhas ao lado da porta de entrada.
Porém ninguém, nenhuma das faxineiras, se arriscara a entrar no escritório. A luz continuava acesa e a janela, aberta.
Resmungou qualquer coisa a respeito da luz, mas deixou que ficasse assim mesmo. Na manhã seguinte daria um jeito nessa bagunça.
Vejo vocês amanhã de manhã, acenou o visitante após encostar junto das demais a pilha de livros que trazia. Na mão direita sobrou somente o cadernão do prédio dos arquivos.
Apenas Rodrigo se animou a devolver o aceno.
Até amanhã.
Vindo agora no sentido contrário o mesmo grupo de ciclistas entrou novamente no corredor, é, o mesmo grupo que havia anteriormente passado por aí.
O mesmo grupo entrou mais uma vez levantando poeira e palavrões, aos gritos, retinindo as campainhas, trim, trim, triiiiiim.
Um deles chegou a passar tão rente ao bibliotecário que este foi obrigado a se jogar contra a parede para não levar um esbarrão.
Próximos capítulos
O bibliotecário está encurralado: quem são essas figuras circenses que desafiam sua sanidade? Os palhaços, a mulher barbada, o mágico, o domador de feras, o engolidor de facas e o trapezista, afinal o que essa gente quer com ele? “Você precisa me ajudar a sair daqui”, implora o palhaço mais esquálido e maltrapilho de todos. Que pântano é esse no qual naufragam o circo e todos os seus bizarros ocupantes? É o mesmo pântano de merda pelo qual o bibliotecário fatalmente será tragado, caso não decifre todos esses enigmas.