Notícias do mundo
Águas muezin no vale das sombras
África agoniza
Iraque se debate
Índia se indigna
Impérios definham
Morro em guerra fatricida
Irã se ira
Um terrorista que se aterroriza
Palestinos palestram
Arábia se ouriça
Europa se gripa.
Mentiras, mentiras.
O mundo é um parque de mentiras.
Diplomacia
Na mão de ignorantes
Nada vale, vale nada.
Barbárie é o nome
Dessas notícias.
Mundo implodindo
Rumo à extinção
Não atenção ao ser, mas atentados ao ser,
Mundo confluindo
Para uma desaparição
Onde, quem ficar, se der, vai ver.
E, no entanto, eu aqui
à sombra de um pensamento
de um amor que seja um lugar,
um lugar como um pensamento.
Mas isto é ir muito longe:
Isto é acordar.
…
Na colina da capela
Uma cadeira vazia na varanda
Luz acesa de madrugada
Coisas reverberam pela casa
Folhas roçam suas lembranças
Um telefone toca sem resposta
Vozes vindas da mata
Um cartão postal sem palavras
Outra pessoa, invisível, nesta sala,
Espelhos vazios, jornais de agosto passado,
A caneta, seca, dentro de um copo
Um fragmento anotado de sonho
Um homem em seu quarto tarde da noite
O momento congelado do rosto de um amor
A memória recolhendo tantos gestos
O livro bordô fechado na estante, garrafa de vinho,
Uma caixa chinesa, momento dentro de momento,
Milagres que nunca aconteceram mas agora sim
Mandala indecifrado sobre a mesa
Nossos rostos que rimam no poente
Luz que coincide numa noz
Onde o escuro, como uma voz, está.
O mundo o tempo todo ali
E no entanto ele nos escapa:
E a escrita escavando o fugidio
Na mesma cena de outro outono
(Esquilos esquivos pensamentos),
A substância e sintaxe desta noite em letras também fugidias
Num mundo que não se perde, apenas avança.
Tudo são modos de estar, de pertencer ao agora,
Mágica sem nome, simples como um abrir de porta.
…
Quarto fechado (whodunit)
O criminoso era o poeta. Seu corpo, pálida página, jazia sobre a mesa, como quem procura um autor. Os suspeitos de sempre: metáforas, paranomásias, figuras de linguagem. Seu corpo ainda pulsava, delirante, e pulsou ainda mais quando encontrou os olhos de seu autor, misturado à memória de uma multidão de pessoas, neste quarto fechado. “Creio ter ouvido sussurros” (a bic silente, inocente, às 9 da manhã. Ela é seu álibi). Sim, você também é testemunha. O poema, esta única pista e evidência. Ele termina. Tudo se ilumina.
…
O último leitor
Hoje em dia
Detetives lêem livros de poesia.
No meu tempo, imagine,
(quer dizer,
até que houvesse um crime.
Mas os assassinos, sublimes,
sempre eram
os detetives).