A atual literatura brasileira está se marcando pela plena liberdade de criação. Embora a predominância seja pelo romance urbano, com requintes de violência e excesso de sexo, esta não tem sido a regra indissolúvel. Ao falar da cultura brasileira, o compositor popular José Marcolino a comparava a “um saco de pedinte, onde tem feijão de todas as cores”. Nossa nova literatura segue no mesmo passo. Há espaço até mesmo para o passado mais remoto. O romance O olmo e a palmeira, um título já em si pedante e antigo, de Jorge Sá Earp, é exemplar neste caminho de volta, pois transita pelas trilhas do realismo, do naturalismo e do romantismo.
Apenas como lembrança das aulas de literatura do segundo grau, o romantismo surge na Europa, principalmente na Alemanha e Inglaterra, no século 18, rompendo com o ideal grego-latino do barroco e do arcadismo, para exaltar o amor, o sentimentalismo, o nacionalismo e a liberdade de expressão. Já o realismo, segundo o crítico Assis Brasil, “preconiza substituir o sentimento pela razão, o individualismo romântico pelo sentido universalizante das obras; queriam, seus adeptos uma visão mais ‘correta’ da realidade, nada daquele escorrer emotivo dos românticos”. O naturalismo, por fim, se desenvolve paralelamente ao romantismo e busca descrever a sociedade da maneira mais real possível, trazendo à tona todas as suas baixezas e vilanias.
Assim, com todos estes elementos, se constrói o romance de Jorge Sá Earp. E isso soa estranho para o leitor que acompanha a carreira do autor. Ele estreou em 1980, no mesmo ano que João Gilberto Noll, mas enquanto o gaúcho lança uma revolução a cada novo texto, Earp envelhece seu texto que um dia também foi transgressor. Seu romance mais conhecido, Ponto de fuga, ganhador do 6º Prêmio Nestlé de Literatura Brasileira, em 1995, como reconheceu Antonio Callado, “é um romance moderno”. Nele o escritor disseca as almas angustiadas e impotentes de quatro moradores de uma Brasília onde o poder corre ao largo.
Em O olmo e a palmeira, ele volta à Bahia do século 18 para contar as vidas do inglês Nathaniel Asper e da brasileira Ana Delasalle-Castro, respectivamente o olmo e a palmeira do título. Romanticamente (estamos falando em teoria literária), o casal é vítima de um arrebatador amor à primeira vista. Mas o pai da moça, um barão do algodão com propriedades em Ilhéus, no sul a Bahia, a tinha prometido para o filho de um amigo. O moço que deveria casar com Ana, no entanto, foge com outra para a corte, o Rio de Janeiro. O pai então decide que ela deve seguir carreira religiosa internando-se num convento. Ela resiste até conseguir casar-se com seu amado Nathaniel, que, por amor, se converte ao catolicismo.
Realisticamente, o casal não será feliz para sempre. Nathaniel bebe demais, sofre de ciúmes, se envolve com negócios que dão prejuízos, perde dinheiro com jogatinas e até engravida a filha de outro potentado de Ilhéus. Ana, mãe de três filhos, é espontânea e humanitária, mas sofre com os desacertos do marido e, embora consiga manter o amor que sente por ele, lamenta não ter seguido a determinação do pai e se tornado freira.
Naturalisticamente, a sociedade que circunda o casal é intensa em mazelas e baixezas. Inicialmente, vivem numa Salvador enlameada, onde os escravos carregam na cabeça tonéis de excrementos, os bares são freqüentados pela escória, pelas ruas passeiam prostitutas libidinosas e as igrejas sobrevivem com fausto e ócio. A cidade de Ilhéus também é pintada com as mesmas tintas. Já os homens e as mulheres em geral são pontuados por preconceitos, traições, falsa moral, autoritarismo e outras coisinhas mais.
Há ainda a questão da linguagem. Jorge Sá Earp busca marcar o tempo cronológico do romance transcrevendo, supostamente de maneira literal, o linguajar de seus personagens. Em alguns momentos Nathaniel fala em inglês e vai aperfeiçoando o português à medida que correm os anos. Ana tem uma linguagem formal de leitora de romance, de moça prendada. Os escravos falam num português tão errado quanto folclórico (no mal sentido do termo). E no geral as noites quase sempre são noutes e as coisas, cousas. A impressão que fica é a pior possível. Tudo isso soa arrogante e falso, além de apontar para uma profunda falta de originalidade.
Com todos estes elemento tão antigos, O olmo e a palmeira segue num ritmo lento e pesado, o que torna sua leitura pouco emotiva. Este ritmo faz-se ainda pior quando o autor quebra o curso natural do enredo para se estender por páginas e páginas pela genealogia dos Delasalle-Castro. Embora fale de guerras, batalhas, fugas, pouco interesse consegue despertar.
Enfim, O olmo e a palmeira é um desacerto na trajetória de Jorge Sá Earp. Não resta dúvida que ele escreve bem, mas perdeu-se ao tentar descrever de maneira tão passadista um mundo tão antigo. O resultado é que tudo chega aos ouvidos modernos como uma sinfonia desafinada.