Paciente leitor com aspirações à carreira literária e você ambicioso escritor admitam, sejam sinceros, confessem que o sonho de vocês é ganhar um prêmio na Bolívia. Que tal, hein… hein?
Escritor tupiniquim morra de inveja: está nas livrarias A gula do beija-flor, prêmio nacional de romance em 2003 na terra do algoz da Petrobras.
Enquanto isso, Antonio Dutra, brasileiro, que teve seu livro MataCavalo premiado na Flip em 2004, bolsa de criação literária, no júri formado por Maria Esther Maciel, Manuel da Costa Pinto e Sérgio Sant’Anna, permanece inédito. E eu que cheguei a pensar que a Flip significasse prestígio, certa influência… God save the Evo! Vai pra La Paz, Dutra, envia teu livro de lá.
Juan Claudio Lechín é o autor desse abominável manual do canalha machista, guia do usuário pedófilo e da literatura de botequim. Clichês, aqueles que aproximam a mulher de alguma coisa inferior ao homem, você, infeliz leitor, encontrará na premiada obra.
Se o motivo foi provocar risos, fique atento, talvez isso ocorra em duas ou três das trezentas e poucas páginas, mas sempre de forma grosseira.
Ao paciente e generoso leitor que me honrou com sua leitura no número anterior deste mensário, peço licença para me repetir ao seguir o que Virginia Woolf preconizou. Diz a escritora que até mesmo o mais ridículo dos escritores merece ser comparado com um monstro sagrado. E não é que A gula do beija-flor me estimulou a reler As relações perigosas, de Choderlos de Laclos. E aí “a casa cai”, a boliviana se me faço entender.
A trama de A gula… se passa em La Paz onde acontece um congresso secreto de antigos sedutores. Quem preside o tal encontro é o septuagenário don Juan, de memória falha, físico decadente, mas que ainda conserva um certo objetivo: ganhar um beijo da jovem jornalista que pretende escrever sua história.
Sete ex-sedutores narram suas peripécias sexuais onde o corajoso leitor não só não encontrará o politicamente correto, tampouco lirismo ou beleza artística, mas terá fartamente o grotesco, pelo menos no que diz respeito às relações sexuais entre homens e mulheres. Quando não são homens bem mais velhos oprimindo mulheres bem mais novas é um homem bem mais novo humilhando mulher mais velha. Lamentável, mantenha distância.
Se As relações perigosas baseia-se em cartas e A gula do beija-flor tenta se equilibrar nos relatos dos velhos sedutores, um pequeno detalhe marca a fronteira que os separa sem a menor possibilidade de aproximação: a sutileza. Onde o romance do premiado boliviano consegue apenas ser tosco, As relações perigosas dá uma amostra do quão entristecedora pode ser a condição humana, isso “sem perder a ternura jamais.”
O que torna o livro de Lechín ainda mais deplorável é a precisão com que separa qualquer sentimento mais nobre do sexo. Imagens negativas a serviço de um pragmatismo aviltante. Irritante, talvez seja o outro adjetivo merecido, mas conserve a distância.
Trata-se de uma obra impressionante, a qual você lê e se pergunta: “tá, e daí?”
Mas nem tudo está perdido, paciente e poliglota leitor, que o não poliglota faça como eu, use o dicionário, dirija-se a uma dessas livrarias que importam livros e encomende L’Amor avant que j’oublie, de Lyonel Trouillot. Por pouco mais de 20 euros, você terá um grande livro. A história de um renomado escritor que na idade madura, como os abjetos personagens de Lechín, percebe nunca ter dito “eu te amo”, embora tenha amado várias mulheres. E mais não digo porque ficará constrangedor.
Outra verdade é a seguinte: livros bons pra cá, livros mais ou menos pra lá e os livros ruins naquele canto. E as bobagens? Ali em cima de A gula do beija-flor.