Nunca indiferente à literatura

Entrevista com Enrique Vila-Matas
Enrique Vila-Matas, autor de “Paris não tem fim”
01/04/2008

Por José Castello e Rogério Pereira 

O espanhol Enrique Vila-Matas ama a literatura. Basta folhear qualquer uma de suas obras para confirmar a importância dos livros em sua vida. A literatura é o seu principal personagem. Tinha tudo para ser um autor lido por poucos. Muitos o consideram “um escritor para escritores”. Bobagem. Seu nome espalha-se pelo mundo com grande rapidez. Já está traduzido em 27 idiomas. Em Barcelona, cidade onde vive, a crítica o definiu recentemente como “clássico do século 20”. Não é exagero. Aos 60 anos, estreou na literatura em 1973 com A assassina ilustrada. Desde então, publicou contos, romances e ensaios. No Brasil, a CosacNaify lançou A viagem vertical, Bartleby e companhia, O mal de Montano e, agora, Paris não tem fim. O próximo lançamento será Suicídios exemplares.

Nesta entrevista por e-mail, Vila-Matas falou de sua paixão pela literatura, de autores fundamentais, da ironia, da vida, da morte, enfim, de um mundo “vilamatiano”.

• A ironia está no centro de Paris não tem fim. Uma auto-ironia, se poderia dizer. Por que a ironia lhe atrai e que tipo mais lhe encanta?
Nunca havia pensado na ironia até que me convidaram para fazer uma conferência sobre esse tema. Comecei a preparar minha conferência sobre Teoria da Ironia durante o verão, quando estava de férias em Paris com minha mulher. Não saía nada. Notei que era incapaz de teorizar sobre a ironia e que, no entanto, sabia praticá-la porque não parava de ironizar com minha mulher sobre os dois anos de juventude que passara em Paris nos anos 70. Então, enfoquei narrativamente a conferência e, assim, acabou saindo um livro inteiro. Em um primeiro momento ia chamar-se A ironia em Paris. Logo acabou recebendo esse título irônico de Paris não tem fim, e digo irônico porque é óbvio que tudo se acaba e, portanto, Paris se acabará algum dia.

• Chama a atenção em Paris não tem fim o suposto manual que Marguerite Duras entregou ao narrador do romance com dicas para tornar-se um bom escritor. Que tipo de conselho o senhor daria a um jovem autor? Parecem-lhe eficientes para a escrita criativa as oficinas para este fim?
Gostaria de ser um jovem autor para que alguém me desse agora um conselho. Mas, enfim, eu o darei. Ler muito e ter talento inato para a escrita são duas condições indispensáveis. Nas oficinas literárias, não acredito que se possa aprender a escrever, mas elas ajudam a aprender a ler.

• A falta de linearidade é uma marca muito forte de Paris não tem fim. Por que o romance está construído desta maneira? E como se desenvolveu a idéia para escrevê-lo?
Quis imitar o funcionamento não retilíneo de minha memória daqueles dias. Conforme chegavam as recordações, ia ocupando-me de uma ou de outra. Finalizei o livro quando já não me restava nenhuma recordação. Não teria sentido inventar algo que não me aconteceu. Controlei, isso sim, a freqüência de aparição dos sete temas, personagens ou motivos principais do livro. Portanto, controlei a estrutura através da freqüência com que entravam e saíam determinadas questões principais. Isso, talvez, não é muito visível, mas é como a aparição muito medida, quase cabalística, do número 7 ao longo de Debaixo do vulcão, o romance de Malcolm Lowry.

• O senhor é um autor que joga o tempo todo com o leitor. Diria que sua literatura é um permanente jogo com o leitor, no qual todos saem vencedores. De que maneira gostaria que seus leitores reagissem ao fim da leitura de um romance ou conto seus?
Até você me perguntar, nunca havia pensado nisso. Creio que não seria capaz de espiar alguém que está terminando um livro meu porque minha timidez me impediria. Vi, isso sim, pessoas sair ultimamente muito impressionadas depois de ouvir Perder teorias, que é a conferência que faço pela Espanha e que no fim deste ano transformarei em um pequeno livro. Vê-los impressionados me agrada porque me permite imaginar que algum deles já me vê como um ser lendário. Tenho certeza de que, se não fosse tão tímido, não pensaria coisas assim.

• Que tipo de leitor lhe interessa? Qual é o leitor ideal para seus livros? E, especialmente no Brasil, como pretende que sua obra seja apreciada?
Interessa-me todo tipo de leitor. Em relação ao Brasil, lhe direi que creio que se continua pensando que as pessoas são distintas por serem do Brasil ou da Espanha ou do Japão. Mas com meus livros mais traduzidos e com as cartas que chegam de diversos países, pude comprovar algo completamente certo: que todo mundo reage de maneira muito semelhante a meus livros. Com Bartleby e companhia, por exemplo, todas as cartas recebidas (foram da Coréia do Sul, Paraguai, Estados Unidos…) tinham ou têm a mesma estrutura mental: em primeiro lugar, quem me escrevia se apresentava como um Bartleby, alguém com problemas com a escrita; em segundo, para dissimular que houvera falado dele mesmo, me citava algum escritor Bartleby de seu país que não aparecia no meu livro.

• Em O mal de Montano, o narrador fala sobre os “inimigos do literário”. Em sua opinião, quem são os maiores inimigos do literário na literatura contemporânea?
Os diretores das editoras que já não são leitores de literatura e programam livros como se fossem camisas ou qualquer outro produto que se possa vender. Os escritores que, atentos a atender uma clientela imediata, buscam fórmulas prontas para seus livros e, além disso, renunciam a ser exigentes consigo mesmos. Os leitores — com estes ninguém se mete, como se fossem santos — que compram livros-lixo sobre o Santo Graal e outros romances de qualidade ínfima e, ainda assim, crêem que lêem.

• Em A assassina ilustrada, seu primeiro livro, escrito em 1973, em Paris, o senhor segue uma idéia de Miguel de Unamuno, que imaginou um livro que causaria a morte de quem o lesse. Marguerite Duras, com quem o senhor morava enquanto escrevia a novela, comentou que seu projeto era “irrealizável”. Em que sentidos metafóricos a literatura pode “matar” seu leitor? O que ela pode nele destruir? E destruir o leitor, exterminá-lo, não é também destruir a literatura?
Na infância, vi Miles Davis, em Barcelona, tocar trompete no Palácio da Música Catalã, templo provinciano do jazz. Com sua atuação se produziu um grande escândalo. Aquele músico — disse a maioria dos aficionados por jazz em Barcelona — dava as costas ao público, mostrava-lhe a bunda e tocava como se quisesse se esconder. Naqueles tempos, eu preferi pensar que na realidade Davis não havia mostrado a bunda a ninguém e simplesmente havia ficado de costas ao público para poder ficar sozinho consigo mesmo e assim tocar melhor, mais livre; Davis havia seguramente descoberto a extraordinária qualidade do som que se dava naquela sala e suspeitava que, tocando em direção ao fundo e ao mais fundo do cenário, podia concentrar-se melhor em sua música. Eu acredito que tive muito presente aquelas imagens de Miles Davis, do artista concentrado em sua música, quando comecei a escrever A assassina ilustrada. Com o tempo, aprendi a ter em conta o leitor, mas isso não chegou até que, havendo tocado previamente para mim mesmo, não soubesse qual era minha música.

• Em Bartleby e companhia, o senhor se lembra de um companheiro de escola, Luis Felipe Pineda, e de seu “arquivo de poemas abandonados”. Como é o seu “arquivo de narrativas abandonadas”? São muitas? Tratam de quê? E o que o levou a abandoná-las?
É um arquivo invisível inclusive para mim, porque tudo foi para a lixeira.

• Em Paris não tem fim, o senhor recorda sua paixão pela figura de Hemingway e os esforços que fez para se parecer com ele. Mais que isso: a convicção de que, de fato, se pareciam. Por certo, chegou depois o momento em que o senhor teve que “matar” Hemingway — assim como os psicanalistas dizem que “matamos” o pai — para ser quem é. Qual foi esse momento? Como o viveu? O que Hemingway, passado tanto tempo, significa hoje em sua vida de escritor?
Eu queria viver a vida que, em Paris é uma festa, Hemingway contava ter vivido na juventude em Paris. É meu livro preferido deste escritor. Também me parecem muito bons seus contos. Creio que exagerou em suas aventuras físicas e que estas não o ajudaram a escrever melhor. Sempre me fazem lembrar de Flaubert: “Ah! Os homens de ação! Os ativos! Há que ver como eles se cansam e nos cansam aos demais por não fazer nada”.

• Na História abreviada da literatura portátil, o senhor parte de uma idéia do poeta e crítico francês Paul Valéry, segundo a qual “o universo só existe no papel”. Como é sua vida “fora do papel”? Como é, como pensa, como vive o cidadão Enrique Vila-Matas? Ele é um prolongamento ou, ao contrário, um desmentido do escritor Enrique Vila-Matas?
Dizem que “vivo dentro de minhas narrativas”. Se é assim, não me havia dado conta. Também dizem que me ocorrem sempre “coisas vilamatianas”, e nisso tenho de dar-lhes razão. Ontem, por exemplo, quando ia à agência do Correio de meu bairro, ao parar num semáforo para pedestres que estava vermelho, um senhor da minha idade (que nunca havia visto na vida) me disse de repente, sem se apresentar, nem nada, que não entendia a filosofia e me perguntou se eu podia entendê-la. Falava como um personagem das minhas narrativas. Perguntei-lhe se me perguntava aquilo porque sabia que eu era escritor. E me disse que sim. Expliquei-lhe que a filosofia pode parecer complicada, mas que na realidade é simples, gira sempre em torno do mesmo tema ou pergunta: quem somos. Ocorrem-me, às vezes, coisas raras, desse tipo. Hoje mesmo, por exemplo, um jovem da Argentina se ofereceu, de boa-fé, a continuar minha obra e assim facilitar para que eu possa aposentar-me tranqüilamente. É possível que minha literatura provoque certas cartas (como a do jovem argentino), mas a do pedestre que não entende a filosofia me inquieta um pouco mais.

• O senhor odeia o realismo? Parece-lhe impossível que a literatura abarque a realidade e consiga enriquecê-la; ou a empobrece sempre que a toca?
Gosto da realidade, mas prefiro sempre uma realidade nova, algo assim como uma cidade inventada: um lugar onde alguém pudesse sentir-se plenamente anômalo, forasteiro, distante, mesmo que com casa própria.

• Em A viagem vertical, o protagonista, Mayol, diz uma frase intrigante: “Lembro-me de tudo, mas não entendo nada”. A distinção entre lembrar e entender não é muito apreciada em uma sociedade como a nossa, que em geral se contenta com a quantidade, em geral acredita que basta empanturrar-se de memórias e de informações. A compreensão do mundo é impossível, ou simplesmente está em descrédito?
Não lembro dessa frase, que em todo caso me evoca outra, dois versos dos quais gosto muito do poeta espanhol Jaime Gil de Biedma: “Da vida me lembro./ Mas onde está”. Em relação a compreender o mundo, me parece que é um trabalho árduo que se deve tentar. Eu o compreendo facilmente se analiso somente um fragmento da vida, qualquer. Não sei compreendê-lo, no entanto, se tenho que analisar a totalidade. Prefiro os contos aos romances.

• O narrador de Paris não tem fim diz que “a arte é o único método que temos para dizer certas verdades”. Isso realmente lhe parece possível ou seria uma maneira de dar à arte uma importância que as pessoas em geral não lhe concedem?
É idiota buscar verdades nos políticos e não é tanto buscá-las nos livros de escritores que, como Kafka, por exemplo, a buscaram atrevidamente. A propósito de Kafka, creio que há um capítulo raríssimo e ainda por escrever da história do gênero épico. Esse capítulo incluiria todos aqueles — desde Montaigne e Cervantes até Kafka, Musil, Beckett, Perec — que lutaram com um esforço titânico contra toda forma de fingimento ou de impostura. Uma luta evidentemente paradoxal, pois quem assim combateu foram escritores que viveram afundados até o pescoço no mundo da artificialidade e da ficção. Mas buscavam a verdade. Pelo lado menos suspeito, o da ficção. Mas o fato é que a buscavam. Seja como for, dessa tensão surgiram as mais importantes páginas da literatura contemporânea.

• O mal de Montano é um romance que confere aspectos positivos às doenças. Mais do que os estados saudáveis, elas nos ajudam, muitas vezes, a nos aproximar mais da realidade. “Aqui estou em Faial, diante do Pico, mais doente de literatura do que nunca”, relata seu personagem. Tornar-se escritor é necessariamente adoecer? Em que sentido?
Saber-se doente é mais inteligente que se considerar saudável. No Ocidente, vivemos em um mundo de gente saudável, horrível. Creio que, vendo as coisas desta forma, é de se aplaudir que quando todo mundo, menos Kafka, tenha se tornado kafkiano, apareça no horizonte uma categoria de seres, os doentes, que buscam se distanciar da loucura oficial e ter uma doença própria, defender sua singularidade diante do estridente e vulgar kafkianismo geral. Nesse doentio e distinto grupo, a possessão de um segredo pessoal intransmissível se lê como um sinal de estar na fenda dos afortunados. São o oposto do cidadão kafkiano habitual, indivíduo sem mistério, plano, gravemente saudável.

• Em um breve ensaio sobre Samuel Beckett, La trampa del boulevard, publicado em O vento ligeiro de Parma, o senhor recorda uma idéia do escritor irlandês segundo a qual o livro é “uma mancha no silêncio”. A idéia de mancha remete à de sujeira, de dejeto, de infâmia. Isso desmente a imagem oficial do escritor, sujeito elegante, bem asseado e de frases brilhantes, que se destaca por sua inteligência e estilo. Escrever é lidar com esses aspectos sujos da escrita?
Se alguém viu a mancha, já é possível que a esqueça. Esse é meu caso. Mas não creio que devido a isso, devido ter visto a mancha, não possa buscar a elegância que há em toda busca do genius loci, do Deus do lugar. E toda a minha literatura última — ao menos desde Exploradores del abismo — se orienta em direção à poesia e ao encontro criativo com o espírito do lugar.

• Em Doctor Pasavento, o senhor trabalha com a idéia de que a literatura e os livros lidam, sempre, com algum tipo de “veneno mental”. Voltamos aqui à idéia de literatura como arma letal. E também à idéia de nódoa, de sujeira. A paixão pela literatura inclui, necessariamente, o ódio à literatura?
Se há ódio, há amor, e vice-versa. O que nunca se encontrará em mim é indiferença em relação à literatura.

• Em Exploradores del abismo, o senhor descreve o mundo como uma longa colcha em que histórias e mais histórias se entrecruzam, se permeiam e se misturam. Sua descrição me faz lembrar da internet, ela também um abismo de palavras e de diálogos. Num mundo em abismo, que a tudo traga, sobra algum papel para a literatura e o escritor? Em caso positivo, qual? Em caso negativo, o que lhes resta então?
Estamos na rede infinita de Borges. Só isso. E a verdade é que as coisas do mundo atual passam tão rapidamente que pode nos parecer que não estar atualizado é um problema, mas também é certo que há coisas que não se encaixam com essa velocidade. Por exemplo, pensemos na lentidão da leitura. Numa época em que a circulação do escrito alcançou uma velocidade extraordinária, resulta paradoxal observar que o tempo de leitura não tenha mudado. Lemos igual à época de Aristóteles. Seguimos decifrando signo após signo e isso nos situa em uma atitude similar à que se tinha quando a circulação não era tão rápida. Hudson, por exemplo, conta em Allá lejos y hace tiempo, um livro de 1919, sobre sua vida no Pampa, como os romances chegavam-lhe, e depois de lê-los os emprestava à fazenda vizinha que estava a cinco quilômetros, e depois a outra que ficava mais longe. O romance ia se distanciando, a cavalo… Não sei… Creio que com este raciocínio sobre a lentidão, eu também fui me afastando a cavalo, inclusive fui me afastando de sua pergunta…

• Em Filhos sem filhos, o senhor faz uma peculiar história da Espanha contemporânea. Uma história de personagens solitários e indiferentes, cujo caráter se resume na célebre anotação de Franz Kafka em seu Diário: “Hoje a Alemanha declarou guerra à rua. À tarde, fui nadar”. Em que medida, se há alguma, o senhor pode ser visto como um “escritor espanhol”?
Não acredito nas literaturas nacionais. Ao menos na Europa, essas literaturas parecem pertencer ao século 19. Isso não significa que eu me formei literariamente lendo os poetas espanhóis da geração de 27 (“Eu sou eu e minhas circunstâncias”, dizia Ortega y Gasset), me formei lendo Lorca, Cernuda, Larrea, Salinas, Guillén… Foi ao lê-los que notei que desejava escrever. Mas depois li de tudo, literatura sem fronteiras. Viajando pelo mundo, há gente que me diz que nem pareço espanhol. E isso não sei como entender, se como um elogio ou ao contrário.

• O senhor concorda que (como disse Harold Bloom) o escritor luta todo o tempo com os autores que o influenciaram a escrita? O senhor luta contra um exército?
Escrever contra uma idéia aceita por muita gente me parece um grande estímulo para começar a escrever um bom livro. É o que, se não me equivoco, fez, por exemplo, Sterne, quando iniciou Tristram Shandy. Começou a trabalhar em um livro contra a idéia de Locke. Isso de escrever contra uma idéia faz o escritor acreditar que o que faz tem um sentido e que quase é necessário que o faça, e isso, creia-me, às vezes o ajuda a seguir. Ainda que pense que, se estou certo, os escritores nunca chegamos a alcançar o verdadeiro sentido. De fato, acredita-se que o autor começa por ter algo sobre o que escrever e, então, escreve sobre aquilo. Eu, na verdade, é que salvo contadas exceções em que escrevi contra uma idéia (por exemplo em Uma casa para sempre, onde escrevi contra a idéia aceita de que um escritor precisa ter uma voz própria), normalmente meu processo de escrever tem sido outro: tem sido o processo de escrever aquilo que me permite descobrir o que queria dizer.

• Neste momento, seus livros vendem muito na Espanha. E também estão traduzidos em várias línguas. O senhor disse várias vezes que aprecia muito mais as pessoas que estão nas sombras, à margem, aquelas que não vivem no mundo de celebridades. Então, como é viver “a glória literária”?
O último episódio aconteceu quarta-feira passada. Pela primeira vez em um artigo publicado em Barcelona, minha cidade, me definiram como “clássico do século 20”. Não havia mais nenhum autor espanhol no artigo e eu estava em companhia de Roberto Bolaño. Tudo uma fantástica honra. E uma boa surpresa. Neste assunto da glória literária — porque não duvide que é um tema a mais que me permite escrever ficção —, a possibilidade de surpresas sempre está muito aberta. Quando estou sozinho, como agora mesmo a responder a esta pergunta, posso ter a alegria de recordar que me chamaram “clássico do século 20” e ao mesmo tempo ter a consciência de que sou um pobre homem escrevendo solitário em um quarto vazio, respondendo com humor a uma pergunta sobre a glória literária.

• Que tipo de literatura não o atrai de nenhuma maneira? Que tipo de livro lhe parece uma grande perda de tempo e de papel?
Todo aquele que não chega a converter-se em memorável ou a surpreender o leitor.

• Ao ler seus livros fica clara sua paixão por muitos escritores. Como começou essa paixão pela literatura? Se tivesse que indicar caminhos para a formação de novos leitores, quais o senhor indicaria?
Já falei da geração de 27. Em seguida vieram as leituras, também decisivas, de Nabokov, Proust, Joyce, Juan Benet, Dalí, Peter Handke, Céline, Beckett, Raymond Roussel, Robert Walser… Este último foi o mais decisivo de todos.

• A “solidão” da literatura é a melhor companhia em tempos em que é tão difícil estar sozinho consigo mesmo?
A melhor companhia é ficar sozinho em um dia de sol, junto à janela de sua casa, como estou agora mesmo, olhar até o horizonte (vejo o mar Mediterrâneo) e pensar, pensar que o mundo, como dizia Pessoa, está aí, a teus pés.

• A morte também tem grande força em sua obra. De que maneira o senhor a encara e o que espera dela?
Aceito a morte, mas não a hora da minha morte.

• A eternidade é uma esperança ou um desespero?
A eternidade é algo somente para quem tem tempo a perder.

LEIA RESENHA DE PARIS NÃO TEM FIM

Rogério Pereira

Nasceu em Galvão (SC), em 1973. Em 2000, fundou o jornal de literatura Rascunho. É criador e coordenador do projeto Paiol Literário. De janeiro de 2011 a abril de 2019, foi diretor da Biblioteca Pública do Paraná. Tem contos publicados no Brasil, na Alemanha, na França e na Finlândia. É autor dos romances Antes do silêncio (2023) e Na escuridão, amanhã (2013, 2ª edição em 2023) — finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, menção honrosa no prêmio Casa de las Américas (Cuba) e traduzido na Colômbia (Babel Libros) — e da coletânea de narrativas breves Toda cicatriz desaparece (2022), organizada por Luiz Ruffato.

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