Meditações em trânsito

O tempo, com sua fúria, ignora a pasmaceira e avança enlouquecido, mesmo que nada mude
Ilustração: Carne Levare
01/01/2024

Os carros não se movem. O jovem motorista está fora de si. Bufa, sua, buzina. Balbucia sons inaudíveis, parece xingar alguém. Trato de conservar a calma, sei que não é comigo. Até que, virando-se, ele me pergunta: “O senhor não acha que o tempo está acelerado demais?”.

Deve estar brincando comigo. Debochando do velho que é obrigado a transportar pelas ruas de Curitiba. Ainda assim, resolvo levar a sério sua pergunta. Achei que reclamaria da imobilidade, mas reclama, ao contrário, da velocidade. “Parece que a expansão do universo é, cada vez, maior”, arrisco-me a dizer. “As galáxias se afastam em uma velocidade descontrolada.”

O rapaz se vira e me olha espantado. “O senhor é cientista?” Não é preciso ser um cientista para perceber que o tempo se acelera, que está desordenado, que a realidade despenca no vazio. “Sou só um velho”, respondo. “Nem assim me acostumo com a passagem do tempo.”

Suspira, não sei se de alívio, ou de ódio. “Queria viver no campo, entre vacas e pinheiros, onde o tempo não passasse”, ele me diz. Paramos de novo, agora bloqueados por uma linha férrea. Preciso dizer alguma coisa — o rapaz espera que eu diga alguma coisa. “Parece que você sonha com a eternidade”, eu arrisco. “Tem desejo de morrer?”

“Já estou quase morto”, dramatiza. Diz que gosta de viver, mas que sua vida não é vida. Passa os dias dentro do carro, que nem é seu, e o carro está sempre atolado no trânsito. Nada se move. Só o tempo, com sua fúria, ignora a pasmaceira e avança enlouquecido. Avança, mas nada muda.

Chegamos a um impasse. Acelerado demais, o tempo entra em estado de estagnação. Tudo se move, mas nada se movimenta. A aceleração desmedida só leva à repetição. “Que embrulhada”, o rapaz comenta, com uma gargalhada de alívio. “Já não se consegue nem mais pensar direito.” De fato, a realidade anda incompreensível. Se é que anda — parece mais despencar.

Um garoto se aproxima. Vende chicletes. Posta-se diante da janela, exibe sua caixa de trabalho, está pálido. E a palidez não o deixa dizer nada, a palidez o dissolve em um borrão de luz negra. De fato, o sol está bem forte. O sol pesa como uma pedra. “Cai fora, moleque”, o rapaz diz. Mas o menino o ignora. Será que o ouve?

O garoto é só uma peça do impasse em que vivemos. É muito novo, tem todo o tempo pela frente. No entanto, de que serve esse tempo, se ele não o levará a lugar algum? Então, com sua bandeja de chicletes, ele se arrisca entre os carros. Ficar ali parado diante do vidro é sua forma de protestar. Talvez a única que lhe resta.

Nada o atinge — a realidade já o perfurou por todos os lados. Está invulnerável porque está quase morto. Mas o rapaz não percebe isso, acha que é só teimosia de criança. Tento ajudar: “Quanto custa uma caixa de chicletes?”. Ele não responde. Não quer vender, quer ser visto. Sua presença muda é um grito.

“Amanhã esse moleque vai estar roubando”, o motorista diz, enfurecido. É disso que falávamos: de um tempo que se acelera e despenca, que se desmancha e que, no entanto, leva ao mesmo lugar. Ou a um lugar ainda pior. “Como você pode saber?” — eu o provoco. “Já não sei mais de nada”, admite, encabulado.

Acaba comprando uma caixa de chicletes. Eu compro outra. O menino desaparece entre os carros. Agora mascamos chicletes velhos, enquanto o trânsito não avança. “É como o chiclete”, o rapaz me diz. Não entendi. “Você masca, masca, só para, no fim, jogar fora. A vida é isso.” Pergunto se ele quer me dizer que o tempo não serve para nada. Que o tempo não existe, mas só o tédio. Talvez não o tédio, mas a tristeza.

Nesse ritmo, chegarei atrasado ao médico. Dane-se o médico. É só uma consulta de rotina, a que os velhos se submetem por mania. Por tédio. Depois recebem elogios dos mais jovens. “O senhor se cuida muito bem.” E de que isso serve? O motorista está certo: enquanto a realidade permanece estagnada, o tempo despenca como um meteoro na noite. Despenca, explode e some. E a noite permanece. E pesa também.

O rapaz liga o rádio. Há um debate sobre futebol. Enfurecidos, os comentaristas se xingam. “Dá para desligar isso aí?” — eu peço. Ele não gosta, mas desliga. “Na verdade, não me importo. Eles passam a manhã inteira discutindo sobre o nada, enquanto eu me esfalfo no trânsito.”

Pergunto se gostaria de trabalhar na rádio. Ser comentarista de futebol, por exemplo. “Tanto faz. Eu não ia ser feliz mesmo.” Só agora entendo que a meditação sobre o tempo é uma maneira que o rapaz encontra para falar da infelicidade. O que o atormenta? Penso, mas não devo perguntar. E então espero.

“Se eu tivesse um problema a resolver… Uma dívida, uma mulher que me traísse, uma decepção de família…” O pior é isso: nada o atormenta. E, se nada o atormenta, nada pode solucionar. Talvez seja o tédio mesmo, e não a infelicidade, concluo. Não é fácil passar o dia como motorista de aplicativo.

“Eu fico aqui, atolado nesse carro, enquanto a vida me escapa”, filosofa. “A vida passa e eu nem sinto. Passa, mas não para mim.” Eu ia dizer que ele é jovem, que tem a vida pela frente, e outras asneiras. Contenho-me. Espero. Volta ao tema do tempo: “O senhor percebe como o tempo passa rápido enquanto estou preso nessa gaiola?”.

Não sei mais o que dizer. Nada tenho a dizer. O certo é deixar o rapaz às voltas com sua solidão. Nada posso fazer por ele. Mas isso não é uma prova de que estou imóvel, ao contrário, é uma prova de que nós dois despencamos no abismo do tempo. Somos arrastados. A voragem, é só isso. Um sorvedouro. A velocidade brutal do tempo, contudo, não nos faz avançar.

“Você me deixaria na próxima esquina?” — eu peço. “Resolvi caminhar um pouco.” Aproxima-se da calçada. Então, um outro menino chega com sua caixa de balas. Vem aos pulos, corre entre os carros. Dependura seus pacotes de doces nos retrovisores. Sua. Ninguém compra suas balas.

“É isso, o senhor vê?” — o motorista me pergunta. “Toda essa correria para nada.” Despeço-me, desejo boa sorte e salto. Logo entendo que estou a duas quadras da catedral. Não tenho religião, sou agnóstico, mas é na grande nave que me abrigo. A catedral está vazia e silenciosa. Ali dentro, enfim, o tempo parece estancar.

José Castello

É escritor e jornalista. Autor do romance Ribamar, entre outros livros.

Rascunho