O contista Nivaldo Tenório nasceu em Garanhuns, no Agreste pernambucano, a mesma região de onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva migrou nos anos 1950. Se hoje o escritor pudesse recomendar um livro ao conterrâneo, seria O outono do patriarca, romance em que Gabriel García Márquez cria uma alegoria a respeito do autoritarismo na América Latina.
“Com um pouco de sorte ele gosta e recomenda ao [Nicolás] Maduro”, diz neste Inquérito o autor da coletânea de contos Verão, lançada em 2022 pela Cepe.
Formado em Letras pela Universidade de Pernambuco (UPE), Tenório se dedica exclusivamente às narrativas breves, o que é pouco comum na ficção brasileira contemporânea.
“Quando estou escrevendo um conto, sinto que ele só vai pra frente se eu adoecer dele”, diz. “Quando vou dormir e acordo pensando nele, nesse momento as circunstâncias não importam e consigo escrever até com barulho.”
Além do mais recente Verão, o escritor publicou ainda Dias de febre na cabeça (2012) e Ninguém detém a noite (2017).
Livros em que o leitor encontra as pegadas de Katherine Mansfield e Tchekhov, mestres das narrativas breves e que inspiram Tenório a buscar uma literatura com alto poder de síntese, em um estilo enxuto. “Meus livros de contos são concebidos como um todo, sendo assim, pra mim, como para o romancista, o mais difícil é sempre começar.”
E quando o trabalho engrena, sua maior preocupação é “não dizer tudo, esconder com sutileza, não subestimar a inteligência do leitor, mas também não o tomar por um novo Einstein”.
Além de seu método de escrita, Nivaldo Tenório fala sobre livros imprescindíveis e descartáveis, um autor para ficar de olho e os limites da ficção.
• Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Escrevia versos anacrônicos inspirados em Poe e Álvares de Azevedo. Acho que me dei conta de que queria ser escritor quando reconheci o quão ruins eram os versos.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Elias Canetti nos conta que todas as manhãs lia algumas páginas de O vermelho e o negro. Fazia isso como se buscasse ali o ritmo ou o tom de que precisasse para compor o seu Auto de fé. Quando estou escrevendo, durante as manhãs, tenho a mesma mania, leio e releio trechos de contos bem familiares, K. Mansfield e Tchekhov revezam na maioria das vezes.
• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Ultimamente tem sido a Legenda áurea, de Jacopo de Varazze.
• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Lula, qual seria?
Dizem que Lula aprendeu a ler na prisão, o certo é que lá pôde dispor de tempo e ao que parece soube utilizar na leitura de bons livros, agora está chegando aos 80 anos e voltou a ser presidente num tempo e numa América do Sul que ainda acolhe ditadores, então talvez eu recomendasse O outono do patriarca [Gabriel García Márquez], com um pouco de sorte ele gosta e recomenda ao Maduro.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Quando estou escrevendo um conto, sinto que ele só vai pra frente se eu adoecer dele, quando vou dormir e acordo pensando nele, nesse momento as circunstâncias não importam e consigo escrever até com barulho, mas gosto da manhã, na minha casa, gosto do silêncio que reina aqui.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Gosto do livro físico, feito por um editor que gosta de livros, um livro bem diagramado etc., o resto fica por conta da minha poltrona e do silêncio.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Quando escrevo e termino o dia ainda com vontade de escrever.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Meus livros de contos são concebidos como um todo, sendo assim, para mim, como para o romancista, o mais difícil é sempre começar, mas quando o trabalho está adiantado, quando noto que as personagens se sustentam de pé e a atmosfera que as envolvem tem potencial para envolver o leitor, sinto nessa etapa do trabalho um prazer que se renova a cada página concluída.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
A indisciplina, acho, e a morte.
• O que mais lhe incomoda no meio literário?
Não frequento o meio literário, e fujo das redes sociais.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Francisco de Morais Mendes.
• Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindível: Nove, novena, do Osman Lins;
Descartável: O iluminado, de Stephen King.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Engajamento político, a ideia de que a literatura não passa de um meio de propagar uma ideia, por melhor que seja.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Mensagens edificantes, otimismo desarrazoado.
• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
Quando se fala em inspiração, pensa-se logo em algo bom e belo, quiçá virtuoso, o que normalmente me inspira passa longe disso, e buscando o teatro onde vive e se relaciona o bicho homem, fui capaz até de me inspirar num quartel do exército, quando ali servi como recruta numa Companhia de fuzileiros.
• Quando a inspiração não vem…
Ela nunca vem, eu que sou teimoso e tenho de correr atrás.
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Gosto de escritores que se orgulham dos livros que leram, mas Borges parecia muito centrado em si mesmo, devia ser bom para encontros com seus eus no futuro ou no passado, então escolho Antonio Tabucchi, que também foi um leitor apaixonado, do tipo que gostava de ouvir enquanto tomava uma xícara de café.
• O que é um bom leitor?
Aquele que compra o livro pelo simples prazer de ler e que o lê preocupado com as nuances ali escondidas.
• O que te dá medo?
Morrer de repente.
• O que te faz feliz?
Ultimamente tem sido meu neto.
• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
Acho que as dúvidas que surgem na hora da escrita, de como tomar as melhores decisões na carpintaria do conto, e não me refiro somente a estrutura e ritmo, há tantas coisas que cabem e não cabem num conto, são elas responsáveis em me fazer escrever um único conto às vezes por meses a fio.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Não dizer tudo, esconder com sutileza, não subestimar a inteligência do leitor, mas também não o tomar por um novo Einstein.
• A literatura tem alguma obrigação?
Parafraseando Oscar Wilde, apenas a de ser bem escrita.
• Qual o limite da ficção?
A ficção não tem limites, ela vem em nosso socorro quando a realidade se esgota.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
A Maviael Medeiros, meu professor da sétima série, mas parece que ele se encantou. Depois de muitas tentativas, conseguiu finalmente construir sua máquina do tempo e se mudou para a Belle Époque, onde vive um caso de amor com Jeanne Duval.
• O que você espera da eternidade?
Sou ateu, logo não espero nada.