A casa das sereias
1.
Agora você não visita mais os pobres, disse dona jerusa ao cruzar com natanael na rua, ele ainda tinha os sinais, já meio apagados mas visíveis, das escoriações nos braços, nas pernas, só não dava para ver porque agora andava de sapatos e calça comprida, num cuidado com a aparência que fez com que a mãe se alegrasse, o filho voltara ao lar, quase não saía mais com os pietro, sempre metidos em confusões: criados no mundo, soltos como animais, dizia a mãe, por isso não eram boas companhias, e a prova do que ela falava eram aquelas marcas no corpo de natanael: eles é que fizeram você ter coragem de pular no rio, desencaminham as pessoas para se divertir com o sofrimento delas, são uma família de portas abertas, agora o pai deles briga com a mãe, chamando a mulher de tudo quanto é nome, até daquilo, mas eu não sei de nada, meu filho, só vejo a mulher trabalhando, o dia inteiro, e quem trabalha tanto talvez queira esquecer dos próprios pecados, ela disse, mas natanael sabia que dona jerusa trabalhava daquela forma para pôr comida na mesa, e ele não guardava ódio de ninguém, embora os amigos tivessem espalhado na escola que haviam mijado em todo o seu corpo, até na boca, e que ele gostara, afastando-o assim daquela casa depois que a mãe fez com que natanael ficasse de quarentena, para que os ferimentos sarassem, nem na aula ele foi neste período: repouso ainda é o melhor remédio, ela disse, fazendo todas as comidas preferidas dele, e o pai comprou a primeira televisão colorida, e natanael e paulinha passavam os dias juntos, no sofá da sala, e isso tinha também criado um distanciamento em relação aos amigos, mas nada era tão responsável pela mudança quanto a amizade que ele fez com salomão, um menino gordo e sempre bem arrumado, que morava no começo da quadra, na segunda casa depois do trevo, aonde natanael fora para trocar uma roupa que prudenciana, esmerando-se para fazer todos os gostos do filho, comprara para ele, pois a mãe de salomão vendia roupas prontas em casa, e logo os meninos fizeram amizade, dando início a uma nova fase de conhecimento do mundo, natanael ainda não sabia para onde esta amizade o levaria, mas tinha despertado nele a vontade de andar limpo e bem vestido, o que foi aprovado pela mãe, estava mesmo na hora de se preocupar com a aparência, e era bem penteado e com roupas novas que ele percorria a rua, passando na frente da casa dos pietro, onde os meninos ou trabalhavam ou brincavam, e ele ouvia os comentários: deve estar indo fazer exame de fezes ou vai ligar para são paulo ou tem encontro com o namorado, enquanto natanael apertava o passo para chegar logo à casa do novo amigo, não para brincar, mas para falar de namoradas, salomão sendo um ano mais velho já tinha tido muitas meninas, segundo ele, embora natanael não acreditasse em todas as proezas do outro, que lhe perguntara, quando ficaram um pouco mais íntimos, se ele já conhecera mulher, natanael disse assustado que não, e salomão tirou suas conclusões: aposto que nem beijar uma menina você beijou, e diante do silêncio de natanael ele chacoalhou negativamente a cabeça, sugerindo que aquela vida era um erro: os homens foram feitos para experimentar de tudo, o mundo é nosso lugar, você parece ter vivido como menina, só faltam os cabelos longos e cacheados que mamãe penteia todas as manhãs, você precisa conhecer o mundo, conhecer mulher, ele disse e mostrou ao amigo uns livrinhos de sacanagem que guardava numa caixa de sapatos sob a cama, as mulheres de pernas abertas, homens com membros imensos, numa cascata de líquidos no final de cada história, e isso criou em natanael um mal-estar, como era sujo o ser humano, e pensar que a mãe e o pai dele faziam isso na cama, a mesma cama em que ele e a irmã deitavam de dia, tudo não passava portanto de uma grande porcança, ele não queria ver mais nada, mas salomão já estava folheando outro catecismo, esfregando a mão sobre a calça, onde, momentos depois, minaria uma água tímida e fedida, natanael identificava assim o cheiro do quarto dele, um cheiro de fermento, de grama recém-cortada, que tinha sua origem naqueles livrinhos emporcalhados, e teve nojo só de segurar naquelas folhas, mas continuou folheando, meio cego a tudo, como se estivesse passando mal, e assim que pôde voltou para casa quase correndo na rua cheia de buracos, empoeirada, fazendo com que os seus sapatos novos e reluzentes, ele os engraxara antes de sair, tendo feito o caminho de ida sem empoeirá-los, ficassem agora cobertos de pó, mas ele só viu isso quando abriu o portão e encontrou sua mãe cuidando das roseiras do jardim, ela falou algo, ele não respondeu, ela era tão espúria quanto as mulheres daqueles livrinhos, queria que todas se danassem, fossem para o inferno, depois vinham falar de casa, lar, família, a mãe era uma perdida, ele então descobria a razão dos gemidos à noite, a primeira vez natanael até se assustara, tendo perguntado se ela estava passando mal e a mãe só teve voz para dizer que dormisse, ele fez que dormiu e continuou ouvindo os gemidos, achando que escondia dele algum sofrimento, alguma dor, e era aquilo que ela fazia com o pai, por frente e por trás, como ele tinha visto nos livrinhos, e depois punha a boca e sugava a meleca toda, nunca mais deixaria a mãe beijar o rosto dele, e não comeria a comida que ela provasse antes, eram decisões terríveis, ele sabia, só que não podia participar dessa sujeira toda, e também nunca mais voltaria à casa de salomão, o porco, e foi com estas determinações todas que ele entrou em seu quarto, correu para a cama, sabia que ali não havia nada de imundo, e deitou com sapato e tudo, sujando a colcha, a mãe demorou um pouco mas apareceu para ver o que tinha acontecido, ele apenas dizia nada, então ela foi para a cozinha cuidar do almoço, e uns minutos depois voltou para ver o filho, que continuava calado, o rosto encoberto pelo travesseiro, que ela tentou tirar, enquanto ele a segurava com mãos firmes, mas elas acabaram por ceder, e a mãe pôde tocar sua testa, estava quente: acho que você está com febre, ela disse, sem perceber que ele fervia de raiva, de desilusão, de vergonha, como podia ter ficado tanto tempo sem saber disso tudo, e vários comentários dos pietro agora faziam sentido, na verdade ele sabia sim, sabia sem saber, tentando se enganar, evitando o dia em que tivesse que sofrer este confronto, que agora dava imagem e sentido a tudo, odiaria a mãe para sempre, odiaria também os amigos, queria apenas permanecer no quarto, sozinho, e se irritou quando viu a mãe de volta, ela trazia um copo de água e um comprimido para que ele tomasse, não adiantaria recusar, ela só sairia depois que ele engolisse o remédio, era uma forma de se tranqüilizar, e ele cedeu à primeira oferta, pegou o comprido para descobrir, com muita raiva, que era um melhoral infantil.
2.
Sem se lembrar de todas aquelas promessas que se fizera num momento de ira sagrada contra o mundo, e tomado por outra febre, que nenhum comprimido curaria, porque esta não alterava a temperatura, embora deixasse o rosto rosado, as veias dilatadas, acelerando o coração, ele procurou salomão e ficaram juntos, vendo os catecismos, os dois esfregando as mãos na calça até vir a sujeira que aliviava, e então falaram das mulheres que podiam servir para os fins que eles desejavam, salomão elogiou o corpo da esposa do dono da lanchonete do trevo, ali ao lado da casa dele, perguntando se natanael já tinha alguma vez prestado atenção nas coxas delas, eram deliciosas, e natanael concordou: é verdade, mesmo nunca tendo reparado nem na mulher e muito menos em suas pernas: e tem cada peitões, falou salomão, e aquilo que havia pouco transbordara seu líquido inquieto continuava rijo, sinal de que o alívio ainda não tinha vindo, era preciso avançar algumas casas, fazer outras apostas, sair do quarto e ganhar a rua, o bar, a mulher, a mulher sendo do tamanho do mundo, tal como pensara natanael naqueles momentos, meio que desviando as frases de prudenciana, e era bom se afastar dos provérbios da mãe, criando sentidos mais próximos de necessidades tão urgentes que só podiam ser compreendidas pelos homens, e era como tal que ele se via nesta tarefa de viver tudo de uma vez, o que o levou a freqüentar, primeiro com salomão, depois sozinho, a lanchonete do trevo, sob o pretexto de beber um refrigerante, sentando-se não nas mesas de plástico colorido, mas nos bancos altos ao lado do balcão, obrigando-se a fazer um esforço para se posicionar ali, ao lado dos homens que bebiam pinga e cerveja, enquanto ele pedia uma coca-cola, e máximo de seu desejo de provar de todos os venenos, lambaris empanados, que a mulher fritava de costas para o balcão, vestindo saia ou short curto, as pernas roliças como troncos de bananeira, reluzindo por conta da depilação e dos cremes, e ele podia ficar muito tempo olhando para ela pois tinha a desculpa de que esperava a porção de lambari, mas quando o peixe chegava num prato de vidro forrado com guardanapo de papel ele apenas beliscava a iguaria, pois nunca gostara de peixe, e oferecia a sobra aos bêbados do balcão, entre eles o seu vizinho adonias, motorista que já não trabalhava, o caminhão descansando no quintal, enquanto ele estacionava durante meses nos bares, só pegava frete quando estava acabando o dinheiro, e mesmo assim dirigia bêbado, com uma garrafa de cerveja num isopor adaptado na lateral da porta, e quando alguém o repreendia por dirigir naquele estado ele lembrava da única vez em que se acidentara em toda a sua vida, estava completamente sóbrio, risco que não corria mais, e quando trabalhava precisava da ajuda de alguém para descer da cabine, e todos sabiam quando ele chegava porque ficava buzinando na frente da casa, não conseguiria estacionar o caminhão no pátio, já tentara e derrubara o muro, então fazia um estardalhaço com a buzina até que um dos vizinhos aparecia, no meio da noite, e o ajudava, sentando-o no chão e travando a porta do caminhão: daqui para frente eu me viro, ele dizia, agradecendo a ajuda, e seguia engatinhando, como um bebê, para casa, e era nessa posição que abria a porta e entrava, diante da indiferença de madalena, sua mulher, que dormia no quarto de casal com as duas filhas, por não haver concorrência com a amante do marido, a bendita bebida, e foi ali na lanchonete, multiplicando biblicamente seu peixe, que natanael se aproximou de adonias, embora fossem vizinhos, os interesses dos dois, naquele lugar, eram muito distintos, natanael se entusiasmava com o corpo de frida, a jovem mulher do dono do bar, para, à noite, com as próprias mãos e de forma tão desesperada, aplacar o que o inquietava, e adonias se encharcava de bebida, indiferente a qualquer paisagem, para aplacar algo que trazia oculto, pois não era desses bêbados que falam muito, era o exemplo dele que natanael tentava seguir, ficando em silêncio no balcão, trocando o álcool pelo açúcar do refrigerante e pela gordura das frituras, até o dia em que, já cansado do cardápio, teve coragem de passar o balcão e ir aos fundos do bar, onde havia uma mesa de sinuca clandestina, destinada a menores de idade, e ele chegou ali na companhia de salomão, jogaram algumas partidas, ele ainda aprendendo a usar tacos e giz e a mirar caçapas, atrapalhando-se a cada aparição de frida, que perguntava se não queriam algo, sim ele queria algo, e ela intuía o que ele desejava, não tinha no cardápio, mas podia ser servido clandestinamente, tal como o jogo, mas natanael não sabia como pedir este petisco, que chegou a ele de surpresa, num momento em que salomão suspendeu a partida para ir à casa dele um momento, lembrara-se de levar o que a mãe lhe pedira da lanchonete, e natanael ficou aguardando o retorno do amigo, treinando encaçapar umas bolas com tacadas violentas, a bola branca ficava parada depois de acertar a outra com muita força, e a outra corria as tabelas sem encontrar o buraco, foi depois de uma tacada dessas que frida entrou, não ofereceu nada desta vez, passou a mão no rosto de natanael: que rosto lindo, ela disse, ordenando: venha, e frida foi para o corredor que levava ao banheiro, ele atrás, impassível, ela ergueu a blusa e liberou os dois peitos grandes e macios, ele beijou os dois, ela o apertou e se beijaram, uma mão dela estrangulava, sobre a calça, o pau de natanael, mas foi tudo muito rápido, ela logo baixou a blusa, arrumou o cabelo, abandonando-o ali com a mancha incômoda na calça, que ele tentou disfarçar ao sair da lanchonete, passando pelo balcão, sob o olhar do marido, que continuava imóvel no lugar de sempre, o caixa, para pagar a conta com o dinheiro que agora natanael surrupiava do pai quando aparecia para ajudar no armazém, e o marido deu o troco que ele pegou com mãos que eram irmãs daquelas outras, pois conheciam as mesmas reentrâncias.
3.
A partir deste início, suas fugas seriam sempre para os braços da mulher, e quando via uma menina na escola ou na rua ficava imediatamente apaixonado por ela, para espanto até mesmo de salomão, que também tinha a gana por sexo, só não entendia como natanael se apaixonava por todas que passassem em sua frente, e era algo tão lógico: tentar o maior número de vezes, e com pessoas diferentes, na esperança de que uma delas, não interessava bem qual, visse algo atraente nele, é claro que não queria frida, ela era só um corpo, mas ele sonhava com a primeira namorada, com quem pudesse andar de mãos dadas sem maiores problemas, e frida, depois daquela oferta e de mais uns raros encontros, ficaria distante, evitando a menor intimidade, e alguns meses depois, quando natanael já nem pensava nela, ficaria sabendo que tinha fugido com um funcionário do banco transferido para curitiba, onde enfim era feliz, segundo uns, ou apanhava do novo marido, segundo outros, talvez nenhuma das duas informações sendo verdadeira, embora natanael torcesse mais pela segunda, porque tinha pena do marido, que deixara o caixa para atender os clientes, parando de preparar lanche na hora e tratando todos como inimigos, provavelmente sabia das safadezas da mulher e não se importava, desde que ela estivesse ali com ele, cuidando da lanchonete: nunca se conhecerá a verdade, natanael pensou, mas sofrer o ex-marido sofreu, pois o movimento caiu, os homens não iam mais lá, e o velho fechou o bar e se mudou para outra cidade, talvez tenha encontrado uma companhia jovem, ou tenha voltado à primeira mulher, e voltar era um verbo odiado por natanael, que preferia a rua a voltar para casa, afastar-se era a lei natural da vida, os pais queriam que o mudo ficasse parado, girando no mesmo eixo, a casa, mas os filhos faziam daquele lugar um ponto de partida, e iam cada vez se distanciando mais, natanael sonhava com uma namorada que morasse longe, obrigando-o a percorrer largas distâncias, estas eram as mulheres que ele mais desejava, mulheres que nem conhecia, mas que existiam em seus projetos e em seu sangue que pulsava com mais regularidade em seu sexo, uma mulher que morasse num lugar remoto, uma dessas do cinema, que talvez hoje fossem velhas, pois alguns filmes que ele via na televisão pertenciam ao passado, onde uma dessas mulheres brancas estaria aguardando por ele, salvando-o deste mundo de poeira, desta província de vícios pobres, a mulher existia mesmo não existindo para ele, um dia chegaria, talvez disfarçada, e foi assim que ele interpretou a chegada de sueli, uma menina mais branca do que a primeira água em que a mãe lavava o arroz, era tão leitosa a sua pele que ela parecia irreal, como as atrizes dos velhos filmes que passavam na tevê, encarnando assim quem ele buscava, mas ele não sabia se ela buscava alguém e se esse alguém que talvez ela nem buscasse fosse ele, no entanto não deixaria de tentar e tentar, e começou a rondar a casa em que sueli morava, junto com a avó, depois do fim do casamento dos pais, uma casa bem em frente à lanchonete do trevo, habitada todos estes anos por uma senhora não só com a pele branca mas com toda a cabeleira desta mesma cor, e ela ficava o dia todo em casa, saindo umas poucas vezes, apenas quando extremamente necessário, o que a tornava uma pessoa ausente numa rua com as eternas confusões de compra e venda, com bares e armazéns, e a casa dela era também a única com quintal gramado, uma casa de madeira pintada de um azul claro, com tinta a óleo, no meio das demais, ou sem pintura ou pintadas com tintas a base d’água, todas escuras, contrastando com este oásis de limpeza e bom gosto, um endereço tão improvável que só podia ser miragem, como nos filmes, e quando alguém quisesse chegar perto e tocar com as mãos, tudo se desfaria, e esta estranheza vinha de seu ar litorâneo, realçado por uma varanda com cerca de madeira em que as traves verticais traziam peixes esculpidos, e os pilares eram duas imensas sereias também de madeira, obra de um escultor que morara na cidade e traduzira seu imaginário oceânico no sertão, e depois partira para o mar, deixando na cidade aquele monumento a um sonho, todos a chamavam de a casa das sereias, mas ninguém prestava atenção nela, era mais apreciada pelos viajantes que passavam na rodovia admirando-se de encontrar aquelas imagens, e mesmo a dona que sucedera o escultor não se interessava muito pelas esculturas, e anos depois mandaria reformar a varanda, trocando as madeiras esculpidas por caibros comuns, talvez destinando ao fogo ou ao lixo algo que não tinha o menor sentido naquela cidade tão distante do mar, mas naquele momento de descoberta de sueli, a casa era completamente adequada aos seus desejos, pois lhe dava o longe sem que precisasse andar mais do que os cem metros que o separavam dela, guardando ao mesmo tempo uma distância que apenas sua mente dispersiva podia percorrer em tão pouco tempo, neste estado de obsessão por sueli, a terceira sereia da casa, que não ficava estática na varanda, mas andava pela rua, freqüentava a mesma escola, e era mais um motivo para natanael não deixar a casa de salomão, praticamente em frente à dela, e logo eles estavam conversando, ela contava como era a vida em santos, onde seus pais ficaram, natanael sonhando com mar navios prédios, e sueli era um pouco de tudo isso, e convidava os dois novos amigos para ir à sorveteria no centro da cidade e também ao matinê, natanael tinha ido raras vezes lá, com os pais, apenas para ver filmes religiosos, mas agora os filmes eram de amor e o levavam a regiões remotas, não havendo nenhuma mais remota do que um casal se beijando, era tudo que ele queria, beijar sueli, sentir em seus lábios o gosto da água salgada e em seus cabelos a brisa do mar, mas estavam ali num grupo de três amigos, e nada indicava que ela tivesse algum interesse nele, olhava natanael como que de longe, devia ter deixado algum namorado em santos ou estava apenas sofrendo a ausência dos pais, era isso, ele tentava se convencer, sem nenhuma certeza, um dia ela aprenderia a amar esta outra cidade, mas natanael não acreditava de verdade nisso, pois se ele que tinha nascido ali não a amava por que alguém de fora iria ter este sentimento, para amar uma cidade feia é preciso amar alguém que goste dela, o que a afastava ainda mais dos planos que natanael fazia, ela então talvez logo partisse, a mãe se casaria de novo, e ele já sofria antecipadamente esta perda.
4.
Então ela abaixou o short apertado e junto desceu a calcinha e eu vi o seu grelo cabeludo, bem escuro, em contraste com a pele branca, e fui de língua e fiz tudo que um homem faz em uma mulher, ela pedia mais e mais, eu não agüentava, olha aqui, e salomão apontou para a braguilha da calça, só de falar nisso eu já fico de pau duro, e com os pêlos do braço arrepiados, e ergueu o braço na direção de natanael, que disse: é mentira sua, e saiu do quarto tonto de ódio, sueli não teria feito isso logo com ele, era uma invenção daquele porco, ele sujava tudo em que punha os olhos, não queria mais ver salomão, e contaria tudo a sueli, ele inventava coisas horríveis, cruzou então a rua e bateu na porta da casa dela, a avó o convidou para entrar, estavam tomando café, sueli vestia uma roupa leve, e veio à sua mente a visão dela nua, e se fosse verdade, ela tinha morado em uma cidade à beira do mar, onde as meninas eram mais experientes, talvez o que ela quisesse era isso, e ele não lhe dava nada, nem mesmo um beijo, não tinha nem tentado pegar na sua mão, e ela cruzou as pernas, mostrando o montinho destacado pela bermuda de malha, a avó falou para natanael se sentar e comer algo, a mesa tinha bolo pão geléia queijo, ele olhou a comida e balançou a cabeça que não, a avó insistiu, e ele olhou sueli, e disse que comeria sim: então se sente, e ele se sentou, fez um sanduíche de queijo, cortando fatias grossas e deu uma mordida imensa, a avó perguntou se queria café com leite, ele falou: quero, estava com a boca cheia, mastigando tudo sem sentir o gosto, olhando sueli, que ria: você parece com fome, ela falou: com fome, ele repetiu: agora está brincando comigo, e ele falou, como se fosse um eco: comigo, e ficaram em silêncio enquanto ele devorava o pão e bebia goles imensos de café com leite, a avó falou: vou deixar vocês sozinhos uns minutos, preciso ir à mercearia, e saiu, natanael admirava a beleza de sueli, seria hoje: o que você está olhando, nunca me viu, ela perguntou: assim tão bonita não, natanael respondeu, ela então se afastou: o que você quer, ela se assustara com o estado quase hipnótico dele: eu quero, ele falou: pare de dizer coisas sem sentido, ela disse, tentando se levantar, mas natanael segurou suas mãos: me largue, ela gritou, e ele apenas disse, olhando bem nos olhos dela: eu também quero, e ela se debateu: saia já daqui, ela disse, conseguindo se livrar: nunca mais quero ver você, ela por fim disse, e ele, seguindo o caminho da porta: só com o salomão você faz, não é, e ela então chorou: vocês dois são uns idiotas, nunca mais quero conversar com vocês, não entendem nada, nunca entenderão nada, e fechou a porta fazendo o barulho irritante da madeira raspando no piso, ele ainda ouviu a chave virar na fechadura e pegou o caminho do portão e viu salomão na janela da sala da casa dele, tinha sim olhos mentirosos, natanael pediria desculpas para sueli, tudo uma grande confusão, ele não queria fazer nada, não queria nada, só ser amigo dela, ficar ao lado dela nestes anos de exílio, enquanto não fossem todos embora, porque o destino deles era deixar a cidade, mas nunca mais ela olhou para ele que, por represália, deixou de conversar com salomão, e quando prudenciana falou que ia comprar roupas da mãe de seu antigo amigo, ele não aceitou: as pessoas andam dizendo que o salomão veste as roupas uma ou duas vezes e depois a mãe dele vende aos outros.
PRÓXIMO CAPÍTULO
Preso à rotina da casa e do armazém, natanael começa a freqüentar o corpo de uma mulher, que lhe oferece novas experiências. Ele continua a história de homem que se rendem ao mundo, às mulheres do mundo, às esposas da multidão.