Literatura de fronteira

Entrevista com Marcos Bagno, que teve seu último romance infanto-juvenil indicado ao Prêmio São Paulo de Literatura
Marcos Bagno., autor de “As memórias de Eugênia”
01/10/2012

Marcos Bagno nasceu em Cataguases (MG) em 1961, mas gosta de deixar claro que lá, pouco viveu. O escritor, poeta, tradutor e linguista já morou de norte a sul do país, residindo hoje na capital federal, onde atua como professor de tradução na Universidade de Brasília (UnB). Bagno publicou seu primeiro livro, A invenção das horas, em 1988, mas já escrevia poesia desde antes. Vinte e quatro anos e 14 livros depois, seu romance As memórias de Eugênia é finalista do prêmio Jabuti na categoria Livro juvenil, e na categoria Melhor autor estreante do São Paulo de Literatura. O livro habita uma espécie de fronteira entre a literatura juvenil e a adulta. Mas Bagno possui também um lado militante, no caso contra os reacionários da língua portuguesa. O mineiro defende um idioma vivo, atento às diferentes realidades de seus falantes. Nesta entrevista por e-mail, ele conversa sobre o processo de escrita de seu último romance, além de suas motivações literárias.

• Em que momento você decidiu enveredar pela literatura infanto-juvenil e por que motivo?
Com o prêmio Nestlé de 1988, começou minha carreira como escritor publicado, pois já tinha muitas obras escritas desde a juventude e a adolescência. O interessante é que sempre escrevi poesia. Quando enveredei pela prosa, pelo conto, mais especificamente, tive mais sucesso em ser lido e publicado. A literatura infanto-juvenil sempre esteve entre minhas leituras prediletas. Escrevi meu primeiro trabalho nessa área, O papel roxo da maçã, em decorrência de diversos fatores, entre os quais o nascimento de minha primeira filha, Júlia, que ocorreu também em 1988. O livro nasceu junto com ela e foi premiado, no mesmo ano, com o João de Barro, um importante prêmio da literatura infanto-juvenil, concedido pelo governo de Minas Gerais. Esse livro foi recentemente reeditado pela [editora] Positivo, com novas ilustrações e alguns acréscimos de texto.

• Na orelha de As memórias de Eugênia, você conta que desde o momento em que teve a idéia de escrever as memórias de um pé de jambo, até ter escrito de fato o livro, passaram-se mais de 20 anos. O que então o motivou a escrever o livro?
Meu processo de escrita mais comum é ter uma idéia, me sentar e escrever tudo de uma vez. Tenho um pique meio jornalístico, escrevo como se tivesse de entregar o texto no mesmo dia. Mas algumas poucas vezes as coisas saem de outro modo. Desde que vi, no campus da Universidade Federal Rural de Pernambuco, um pé de jambo com a plaquinha dizendo Eugenia malaccensis, tive vontade de escrever alguma coisa para chamar um jambeiro de Eugênia. Ao mesmo tempo, eu também tinha a vontade de escrever uma história que contasse a saga de várias gerações de mulheres de uma mesma família. Essas idéias ficaram armazenadas durante 20 anos até que um belo dia, dois anos atrás, atravessando a Av. Paulista (me lembro perfeitamente do momento), me veio a inspiração de juntar as duas coisas num livro só. Voltei para Brasília, me sentei ao computador e em uma semana o texto estava terminado.

• As memórias de Eugênia pode ser considerado um livro na fronteira da literatura infanto-juvenil com a adulta. Qual o espaço que você enxerga para essa literatura hoje no Brasil?
Pode parecer lugar-comum, mas eu realmente não vejo diferença entre literatura infanto-juvenil e literatura adulta. Quando criança, eu lia obras de filosofia, sociologia e história, tanto quanto literatura juvenil. Muitas obras concebidas para crianças hoje são clássicos da literatura universal, como Alice no país das maravilhas ou As viagens de Gulliver. Para mim, o importante é que as pessoas leiam, independentemente do gênero, e é importante que haja espaço para todo e qualquer tipo de literatura.

• As memórias de Eugênia é finalista do Prêmio São Paulo de Literatura na categoria de melhor autor estreante. Como você analisa um livro em parte infanto-juvenil indicado a um prêmio tão expressivo e tradicionalmente voltado à literatura adulta?
Tudo isso foi uma sucessão de surpresas para mim. Quando o editor Marcelo Del’Anhol disse que tinha inscrito o livro no prêmio, achei muita ousadia da parte dele e não acreditei que ela fosse recompensada. No entanto, aí está o livro entre os finalistas. Isso já é uma vitória, porque, como você mesmo diz, é um livro que fica no limite entre o juvenil e o adulto. Isso demonstra, a meu ver, uma boa atitude do júri, que avaliou a obra pelo que ela é, sem preconceitos com relação ao gênero.

• Você se diz um militante contra o preconceito lingüístico que sofrem as pessoas que falam as variações do português do cotidiano, sendo esta uma das mais perversas formas de exclusão social. Essa militância aparece de alguma forma em sua literatura?
Ela aparece de forma não explícita, mas pelo uso tranquilo que faço das formas lingüísticas que já estão incorporadas há muito tempo ao português brasileiro urbano culto, mas que são ainda condenadas pelos reacionários da língua. Escrevendo como escrevo já dou a minha contribuição para a plena aceitação dessas formas linguísticas inovadoras, muitas das quais, inclusive, não são tão inovadoras assim, pois vêm sendo usadas por grandes escritores há mais de 200 anos!

• De que forma a escola hoje atua como propagadora de uma língua conservadora, que não reflete a realidade da língua viva? Como isso afeta o outro importante papel da escola, o de incentivo à leitura?
É difícil falar de “a escola” como uma entidade homogênea. As diretrizes do Ministério da Educação para o ensino de português já são bem avançadas e propõem uma visão muito mais atualizada e cientificamente embasada do que é uma língua, do que são as variações lingüísticas etc. Agora, o modo como essas diretrizes são assimiladas e praticadas nas escolas, já é outra história e depende muito do ambiente político-pedagógico e ideológico de cada instituição.

Guilherme Magalhães

É jornalista.

Rascunho