Um tesouro escondido

"Ouro dentro da cabeça", de Maria Valéria Rezende, tem a realidade como matéria-prima literária
Diogo Droschi/Reprodução
01/10/2012

Miúdo, Coisa-nenhuma, Piá, vários nomes para indicar uma mesma criança, uma que é várias, pois como Coisa-nenhuma nascem muitas outras a cada instante no Brasil e no mundo. Coisa-nenhuma nasceu em um quilombo escondido, esquecido por todos e mal tocado pela civilização. E ali viveria para sempre se um dia não tivesse encontrado um viajante ferido perto de onde morava.
Não que o viajante fosse especial. No entanto, à medida que o viajante melhorava graças aos cuidados de Coisa-nenhuma, ele contava histórias para pagar o seu tratamento. O menino perguntava de onde vinham tantas histórias, e o viajante apontou para uma caixa da qual ele não se separava: um baú cheio de livros. O menino não sabia o que era livro, mas o viajante explicou o que era. E a partir desse momento o menino botou na cabeça que precisava aprender a ler. E saiu por esse mundo atrás de quem lhe ensinasse a ler.

O enredo é simples, mas Maria Valéria Rezende consegue, com seu Ouro dentro da cabeça, contar uma história singela e até mesmo emocionante, ao narrar a trajetória de um menino em busca de um tesouro que, para ele, é mais importante que ouro ou qualquer outra coisa.

Coisa-nenhuma, que depois se auto-batiza de Marílio da Conceição, em homenagem a uma professora que por pouco tempo morou em seu quilombo, deixa sua vidinha simples para encontrar o seu tesouro. Na viagem, Coisa-nenhuma passa por várias desventuras. Cada uma delas retrata um pouco do drama de quem não sabe ler.

O menino que logo vira homem é enganado por exploradores do trabalho escravo, é ajudado por pessoas de bom coração, viaja sem saber para onde, procura por ajuda sem saber a quem se dirigir. Em várias ocasiões, pensa em desistir de sua busca e voltar à sua aldeia natal, onde as letras não faziam falta. Mas as histórias que estavam no baú o chamavam, e ele não resistia ao chamado, e continuava sua luta. Não é necessário dizer qual é a conclusão da história.

Diogo Droschi/Reprodução

Ouro dentro da cabeça consegue passar algumas mensagens legais ao leitor sem ser piegas. Maria Valéria toma cuidado para não ser piegas nos momentos em que a solução mágica parece ser a mais fácil. Todos os benfeitores que Coisa-nenhuma encontra ao longo do caminho são pessoas que poderiam ser reais, que o ajudam, pois são como pessoas boas na vida real. Não há exageros, há a realidade. Do mesmo modo, os ruins são como são, no livro e na vida.

E mesmo sendo um livro para mostrar o quão bacana é poder ler, Maria Valéria não dá a isso uma importância desmedida. É um tesouro o que temos dentro da cabeça, essa capacidade de ler e contar histórias, mas não é o único tesouro. Mesmo quem já descobriu as letras pode não estar muito bem, como demonstra a autora ao fazer Coisa-nenhuma encontrar a sua professora.
Esse cuidado ao não exagerar e, ao mesmo tempo, manter Coisa-nenhuma com uma cabeça de menino, mesmo crescendo, atrai o leitor. Em tempos de bruxos, fadas e quaisquer outras invenções oníricas, ter um pouco de realidade pode ser bom. A história é bem escrita, tem ritmo e cadência, e as ilustrações de Diogo Droschi formam um painel agradável e boa companhia à leitura. A edição bem cuidada da Autêntica também colabora para o bom resultado.

Ouro dentro da cabeça
Maria Valéria Rezende
Ilustrações: Diogo Droschi
Autêntica
104 págs.
Maria Valéria Rezende
Nasceu em 1942, na cidade de Santos (SP), onde viveu até os 18 anos. Trabalhou durante 20 anos na formação de educadores. Em 2001, começou a publicar ficção e poesia para adultos, jovens e crianças. Vive na Paraíba.
Adriano Koehler

É jornalista. Vive em Curitiba (PR).

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