1.
A tela do computador
é melhor que a folha de papel.
A folha de papel fica suja,
cheia de resíduos
de grafite e borracha,
como provas de um crime
que tento apagar.
O cursor não deixa marcas
nem vestígios das
palavras bestas que rabisco.
No computador o poema não tem risco.
É como se nada tivesse acontecido.
2.
Algo se perde na poesia digitada,
e não é somente a rareza do original
que o colecionador do futuro não terá.
Digitar não é escrever:
não envolve a mão inteira,
nem o corpo, nem a matéria mítica
do papel e da caneta,
nem a sujeira,
nem a caligrafia ruim
(no computador todos têm letra bonita).
Deletar um arquivo
é diferente de rasgar uma folha.
Não há contato impuro
entre
o corpo a tela
e
a mão a madeira
do lápis.
Não há rasura:
o poema já sai no formato,
no aspecto e na arquitetura
em que será ignorado
pela crítica,
pelo leitor
e por ela.
3.
palavra borboleta,
tento em
vão caçá-la.
a tua silhueta
escapa quando
tento fixá-la
(com alfinete
ou toque do cursor)
na moldura-tela
do computador.