O Feio esperava virado para a água, o corpo trêmulo. Com frio e farpas, as mãos dos guris catavam lenha. Os pedaços maiores o pai cortava ao meio e punha na carroça — então o Feio relinchava alto, como que reclamando do peso.
Arreganhava o pai os dentes em careta, ainda que o fardo fosse leve. Dir-se-ia doer sempre, dor de fisgada. Até no riso — mas pouco ria. Foi-se ele com a primeira leva, o relho no lombo do Feio, para a mulher aquecer a sopa.
Os guris ficaram em casacos, olhando chalanas. João usava chapéu. José tinha a cabeça nua e o cabelo comprido.
O rio era silêncio e corria. Uns poucos homens lançavam suas redes. Os guris sentaram-se no chão, fecharam os casacos. Ouviam quando em quando os mergulhões de fome negra. Sob uma árvore, perto, alguém deixara o enigma de uma caixa.
Abriram-na: eram filhotes cor de fogo, de olhinhos guardados. Sete vidas mais sete. Tantas, e mal enchiam mãos pequenas. João guardou um deles no chapéu. Espreitou-lhe os bigodes. E fê-lo afundar assim, dormindo, em seu barco de pano.
O de José girou qual bumerangue, confundiu as aves. Caiu em um baixio com miaus. O gato de pé, no rio: mover ruivo, moverzinho. João riu sem chapéu, a cabeça luzente de garoa. José atirou pedras no alvo vivo, ainda. E ainda. Difícil, de longe, matar bicho miúdo.
Não ouviu Feio vir a passo lento, não ouviu o pai: mas dedos súbitos lhe agarraram a orelha. Soltou um ai, largou as pedras. Pensou que a morte não queria o bicho, hoje.
Entrou na água. O gato era longe, cem braçadas. O rio fundo, fundo. Na décima os braços lhe falharam. Decerto a morte, hoje, queria um gurizinho: mas dedos súbitos lhe agarraram o cabelo.
O pai trouxe José como quem traz peixe comprido (dor de fisgada). O gato miou alto: aprendia a fome, em vão. José brincou rápido de náufrago. O relho do pai feriu-lhe o lombo, e João riu de novo sem chapéu.