Sobre ficção e utopia

No ambiente complexo e assustador em que vivemos, a literatura é vista como uma inutilidade
Ilustração: Matheus Vigliar
27/03/2017

O estilo cultural dominante em nossos dias parece ser marcado, como nunca antes, pelo individualismo, pela valorização de tecnologias e pelo consumismo, assim como pelo utilitarismo (neste contexto, parece só fazer sentido o que seja “útil” ou tenha uma “função”) e pelas relações humanas impessoais e higiênicas (pessoas interagindo com máquinas; ensino [ou bombardeios] a longa distância; gadgets pessoais e variados; televisores ligados em todos os ambientes, substituindo o antigo bate-papo ao vivo e espontâneo entre pessoas desconhecidas, etc.).

Diz o cientista social Christopher Lasch que, por excesso de individualismo (ele prefere considerar este excesso como expressão de uma “cultura narcísica”), o homem moderno acabou tendendo ao “isolamento do eu” e ao “vazio interior”, assim como, ao “viver para si, não para os que virão a seguir ou para a posteridade” e a identificar-se com as “estrelas” e não com o “rebanho” formado pelo homem comum.

Por outro lado, se as sociedades modernas tendem a valorizar exageradamente o indivíduo, isso ocorreria em detrimento da totalidade social e, mais, em tais sociedades a relação de homens com coisas passaria a ser mais valorizada do que a relação entre os homens, o que contribui para que as pessoas, cada vez mais, estejam separadas do tecido social. É o que sugere o antropólogo Louis Dumont em O individualismo – Uma perspectiva antropológica da ideologia moderna (Rocco, 2000).

Basta dar uma olhada em volta para perceber que tais visões merecem ser consideradas.

Neste ambiente complexo e um tanto assustador, duas noções parecem andar cada vez mais desacreditadas e fora de moda. Refiro-me à “ficção” e à “utopia”.

Um crescente contingente de pessoas considera que a primeira, em sua opinião, não serve para nada, pois não passa de invencionice, mentira e faz de conta. Quanto à segunda, acham que não serve para coisa nenhuma pois julgam que ela não passa de ilusões, delírios e sonhos irrealizáveis.

Em síntese, ambas são vistas como inutilidades sem qualquer função na vida real e pragmática.

É fácil ouvir-se por aí vozes em tom de deboche: “Isso é ficção! Isso é utopia! Isso é besteira!”.

Em declínio
Em decorrência — e já entrando na questão da formação de leitores, nosso tema aqui — muitos pais perguntam aflitos a professores e bibliotecários: “Pra que gastar dinheiro com literatura? Por que não dão ao meu filho apenas livros didáticos e técnicos? Qual a ‘função’ da literatura?”

Mesmo entre adultos, a leitura da literatura de ficção e da poesia parece, ao que tudo indica, estar em declínio.

Trata-se porém de um grande equívoco desprezar a ficção e a utopia.

Vamos olhar para trás.

O que diria alguém do século 18 se soubesse da existência da energia elétrica e, mais ainda, da energia nuclear?

Fora isso, o mesmo sujeito talvez desse risada se dissessem ser possível extrair energia do sol.

E o que diria ele de transplantes de órgãos, engenharia genética e avanços a respeito do DNA? E da nanotecnologia? E dos supercondutores? E da informática, da internet e dos celulares?

Por certo, se alguém no século 18 dissesse que foi de São Paulo a Lisboa em nove horas — duração média da viagem de avião nos dias de hoje — correria o risco de ser considerado bruxo e talvez fosse preso e enforcado.

Tento argumentar o óbvio: a realidade do presente quase sempre pode ser associada à uma utopia do passado. Pergunto: como a utopia do passado teria condições de ser criada se não fosse por meio da imaginação e da capacidade inventiva e ficcional dos homens?

Naturalmente, o mesmo raciocínio pode ser aplicado à utopia do futuro. Ela está sendo gestada aqui agora pelos homens criativos e inventivos dos dias de hoje.

Indiscutivelmente, precisamos inventar um mundo bem melhor do que este em que vivemos, repleto de desequilíbrio social e econômico e, ainda por cima, comprometido com um modelo econômico e produtivo primitivo que tem tido por base a destruição sistemática da natureza.

Como o ser humano por acaso faz parte da natureza, corremos o risco de ir junto para o espaço.

Eis por que, a meu ver, existem escolas: os estudantes deveriam, antes de mais nada, se formar com esse desafio, essa missão e essa utopia: ajudar a criar e construir um futuro melhor para sua sociedade e para os que ainda nem nasceram.

E para criar suas utopias, convenhamos, vão ter que aliar seu conhecimento à sua capacidade de inventar, ou seja, à sua capacidade de fazer ficção.

Sem controle
Sobre esse assunto, Wolfgang Iser, em seu livro O fictício e o imaginário – Perspectiva de uma antropologia literária (EdUERJ, 1996) coloca uma questão interessante. Segundo ele, em resumo, quando nos damos conta de que estamos na vida e no mundo já temos uns quatro anos de idade. Em outras palavras, entramos na vida inconscientemente, sem qualquer controle da situação e nos vemos como quem pega um bonde andando. Iser chama este de ponto cardeal inicial. Quanto ao ponto cardeal final, nossa morte, também não faz muito sentido falar em consciência e controle da situação. O coração para de bater, esticamos as canelas e pronto.

Para complicar as coisas, entre o ponto cardeal inicial e o final — aos quais, repito, não temos nenhum acesso cognitivo — envelhecemos e adquirimos novas experiências. Em resumo, não temos acesso nem à nossa chegada nem à nossa saída do mundo e, para piorar, durante nossa estada na vida, olhando bem, mudamos o tempo todo.

Diante de tudo isso, conclui Wolfgang Iser, para um animal cheio de ideias e perguntas como é todo o ser humano, a existência torna-se particularmente complexa e crivada de “buracos”, ou seja, de indagações e contradições que não conseguimos responder devido à passagem do tempo e ao constante surgimento de novas e novas questões.

Eis a tese de Iser: os seres humanos tendem a preencher tais buracos emocionais, cognitivos ou outros por meio da imaginação e da ficção.

Neste sentido, a ficção ou a capacidade ficcional seria não só uma característica como também uma necessidade vital do ser humano.

Vou tentar explicar isso melhor.

Estamos permanentemente submetidos ou em contato com o caos representado pelo desconhecido e pelo incompreensível. Não temos respostas claras a perguntas simples como “onde fica o universo” ou o que é a “consciência” ou o que é a “subjetividade” e nem mesmo sabemos como determinar o que seja de fato a “realidade”.

Ocorre que o ser humano — é o que dizem estudiosos e antropólogos como Clifford Geertz, Marshall Sahlins, Roy Wagner, entre muitos outros — consegue, de um jeito ou de outro, adaptar-se a qualquer coisa, menos a uma: o caos. Segundo eles, a “concepção”, ou seja, a capacidade criadora é a função, a característica e o predicado mais importante do ser humano. Por meio dela, diante do incompreensível e do desconhecido (ou seja, do caos), construímos e inventamos, a cultura, a ciência, a política, a filosofia, a ética, as artes, etc.

Isso é corroborado por Peter Berger e Thomas Luckmann, sociólogos do conhecimento para quem, note-se “toda realidade é precária. Todas as sociedades são construções em face do caos”.

Diante do caos e do incompreensível, essa é a ideia, o homem sempre dá um jeito de inventar uma explicação, mesmo que capenga e inverossímil.

O assunto é fascinante mas não cabe aprofundá-lo aqui.

Basta por ora dar um exemplo do que seja uma utopia: diante de problemas sociais insolúveis num dado momento, o homem dá tratos à bola, usa seu conhecimento e sua criatividade para imaginar ou conceber uma sociedade nova onde tais problemas estejam finalmente resolvidos.

Deixo para o leitor criar uma lista civilizatória e utópica de coisas que precisaríamos inventar para que um dia o mundo seja melhor.

Nos dias de hoje, infelizmente e pelas razões expostas, são poucos os leitores adultos de literatura e poesia. A leitura tornou-se algo meramente utilitário e está cada vez mais associada a manuais técnicos e informativos.

Escravidão
Mas vamos pensar no Brasil. É preciso reconhecer que ainda vivemos numa sociedade enraizada na escravidão. Tanto é verdade que convivemos tranquilamente e achamos normal o analfabetismo (até inventamos uma denominação elegante para ele: “analfabetismo funcional”); convivemos muito bem e apreciamos bastante a mão de obra barata não especializada (gente sem estudo condenada a ser “pau pra toda obra” ou “empregados domésticos”, etc.); assistimos tranquilamente a famílias vivendo de pai para filho em favelas e em condições de vida não civilizadas; gente sem acesso a um sistema de saúde de qualidade; gente obrigada a perder horas e horas diárias num sistema de transportes ineficiente; crianças e jovens frequentando escolas precárias e para piorar as coisas tendo, muitas vezes, que abandonar os estudos para trabalhar ou fazer biscates.

Em outros termos, a vida de milhões de brasileiros ainda está muito próxima da vida de escravos. Afinal, essas pessoas não têm acesso a recursos sociais civilizados e assim sendo, aprisionadas pela falta de informação, entre muitos outros fatores, sobrevivem sem igualdade de condições para poder construir suas vidas e atuar plenamente como cidadãos.

Acho que todos nós, e principalmente nossos estudantes, deveríamos estar engajados e usar toda nossa inventividade para a criar uma utopia: tornar no futuro o Brasil um país mais equilibrado, justo e inteligente. Vai ser melhor para todo mundo!

Trata-se inclusive de uma questão de ética.

Como uma minoria de pessoas pode dormir com a consciência tranquila diante da pobreza e da falta de perspectiva da maioria das pessoas à sua volta?

Fato é que toda a utopia depende necessariamente da capacidade de criação das pessoas e essa capacidade tem a ver com a ficção: a arte de imaginar o que não existe mas poderia existir.

Para o teórico da literatura Mikhail Bakhtin, a ficção (ele usa o termo “fantasia”) nada mais é do que uma “forma de experimentar a verdade”.

Vamos pensar na literatura e nas personagens de ficção. Dom Quixote ou Madame Bovary ou Capitu ou Policarpo Quaresma ou Riobaldo ou Dona Flor e seus dois maridos, enfim, todas as boas personagens de ficção de fato nunca existiram mas poderiam ter existido. E note-se: por meio delas, de suas vidas e de suas questões, podemos pensar e repensar muita coisa a respeito de nós mesmos, da vida e do mundo.

É que a literatura e a poesia são formas de discussão e redescrição da realidade por meio da ficção.

Redescrições significam, no sentido proposto pelo filósofo Richard Rorty, revisões, releituras, novos entendimentos, descrições feitas por meio de novos vocabulários que enfim nos humanizam e nos tornam mais íntegros como pessoas[1].

Nos dias de hoje, infelizmente e pelas razões expostas, são poucos os leitores adultos de literatura e poesia. A leitura tornou-se algo meramente utilitário e está cada vez mais associada a manuais técnicos e informativos.

Ao que tudo indica, interessa ao estilo cultural dominante formar, antes de mais nada, técnicos, consumidores, acríticos e despolitizados.

“Analfabetos sociais” na definição de Lasch.

É pena pois trata-se de formar pessoas incapazes de criar ficções e utopias.

Vou dar uns exemplos de por que a literatura e a poesia podem ser muito importantes para nossas vidas.

Elas [a literatura de ficção e a poesia] nos humanizam, pois ressaltam as contradições, as ambiguidades, as incoerências, os sofrimentos e as alegrias típicas do ser humano.

Oportunidade
Que leitor pode afirmar que jamais sofreu uma frustração? Todos nós, seres humanos, já passamos por maus bocados, tivemos nossos desejos contrariados, tivemos que nos conformar ou, mesmo, desistir de um sonho. Ao encontrar esse assunto na poesia, o leitor tem a oportunidade de rever, repensar ou redescrever a si mesmo sua experiência de vida e seus próprios sentimentos e, ao mesmo tempo, perceber que tais sensações e experiências não são apenas suas mas, sim, são humanas e relativas a todos nós.

Sobre a sensação tão humana de frustração e desilusão, vejamos o poema Canção, de Cecília Meireles.

Pus meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar 

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas. 

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio… 

Chorarei quanto for preciso
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça 

Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Para quem tem a sorte de viver numa sociedade pacífica e socialmente equilibrada, falar em guerra talvez possa representar algo um pouco abstrato e distante. Mesmo as notícias dos jornais e da televisão não são suficientes para gerar qualquer identificação consistente. Pimenta no olho do outro, como o povo diz, não arde. Pois bem, a poesia pode nos surpreender e fazer com que a gente redescreva a gente mesmo e crie identificação com o sofrimento de pessoas que estão na guerra.

Creio que a leitura do belo poema Vietnã, de Wislawa Szymborska, pode ter o dom de fazer com que o leitor reinterprete a guerra e, mesmo, reveja seu nefasto significado.

Mulher, como você se chama? Não sei.
Quando você nasceu, de onde você vem? Não sei.
Por que cavou esse buraco no chão? Não sei.
Desde quando você está aí escondida? Não sei.
Por que mordeu minha mão? Não sei.
Não sabe que a gente não vai te fazer nenhum mal? Não sei.
De que lado você está? Não sei.
É guerra, você tem que escolher. Não sei.
Tua aldeia ainda existe? Não sei.
Esses são teus filhos? São.

Trago agora um trecho do poema No caminho, com Maiakovski, de Eduardo Alves da Costa.

(…) Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada (…)

A quantas redescrições e interpretações este texto corresponde! Estamos falando de ditaduras? Estamos descrevendo a velhice? Estamos remetendo à corrupção? Estamos tratando de traficantes de drogas ou da própria droga? Estamos diante da invasão de doenças como câncer ou aids?

E o que dizer de um poema utópico como Eu defenderei o amor até o fim, de Claufe Rodrigues?:

Eu defenderei o amor até o fim!
Serei uma muralha de músculos
contra as hordas assassinas. 

Os senhores da alma
tentarão comprar a minha,
mas eles podem apontar cem mil canhões contra o meu peito
nada feito;
eu defenderei o amor até o fim! 

Pegarei em armas,
combaterei com meus versos
até nos confins do universo sem fim. 

Ficarei rouco,
perderei para sempre a minha voz,
mas um milhão de sóis falarão por mim. 

E mesmo que os deuses me abandonem,
mesmo com o coração corroído por uma paixão cupim
mesmo assim
eu defenderei o amor até o fim!

E Casamento, de Adélia Prado, poema sobre a imensa riqueza que pode surgir da simplicidade de nossas vidas cotidianas?

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
Mas que limpe os peixes. 

Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
Ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
De vez em quando os cotovelos se esbarram,
Ele fala coisas como ‘este foi difícil’
‘prateou no ar dando rabanadas’
e faz o gesto com a mão. 

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
Atravessa a cozinha como um rio profundo. 

Por fim, os peixes na travessa,
Vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
Somos noivo e noiva.

Transformação
Tento demonstrar com poemas — porque com contos ou romances seria inviável num espaço tão curto — que a literatura pode ter o dom de fazer reinventar e redescrever sentimentos profundos que habitam dentro da gente. Em outras palavras, tento mostrar como a literatura pode ser transformadora.

Estou falando de toda e qualquer literatura: quando uma criança lê o Menino Maluquinho, de Ziraldo, ou A bolsa amarela, de Ligia Bojunga, ou Onde vivem os monstros, de Maurice Sendak, ou Peter Pan, de J. M. Barrie, e poderia dar mil outros exemplos, essa criança tende a repensar e a redescrever a si mesma, sua própria infância, suas contradições, suas relações com o Outro, suas inquietações, enfim, suas questões humanas. Graças à leitura da ficção e da poesia talvez ela acabe conhecendo um pouco melhor a si mesma e compreendendo melhor as pessoas e o mundo a sua volta. Não é pouco.

Creio que qualquer modelo educacional digno desse nome não poderia deixar de ter como um ponto fundamental a literatura, a poesia e a arte.

Vale notar que quando digo ficção e poesia, me refiro a criações que tratem e expressem a vida humana concreta e que tenham preocupações estéticas e éticas. É preciso diferenciar com clareza literatura e poesia da chamada “literatura de entretenimento” produzida, em geral, para “atingir o mercado” com seus enredos inconsequentes ou politicamente corretos (muitas vezes cheios de didatismo) e suas personagens esquemáticas, alienadas e alienantes.

Literatura de ficção e poesia são coisa séria. Fazem repensar, redescrever, ressignificar a vida, a nós mesmos e os outros.

Falam de dor, de paixão, de rejeição, de medo, de dúvida, de contradição.

Fazem com que a gente repense e tente redescrever a gente mesmo.

Elas nos humanizam, pois ressaltam as contradições, as ambiguidades, as incoerências, os sofrimentos e as alegrias típicas do ser humano.

A literatura de ficção e a poesia são o contrário da anestesia e da alienação. Fora isso, por serem discursos subjetivos, podem contribuir para que a gente aprenda a expressar melhor e com mais clareza o que queremos e o que sentimos.

E mais, por serem ficção, verdades inventadas, podem nos dar a vontade de sermos criativos e expressivos também.

Vamos comparar qualquer um dos textos citados acima com frases frias e objetivas do tipo : “a água ferve a 100 graus” ou “dois mais dois são quatro” ou “as preposições são a, ante, até, após, etc.”.

Embora contenham informações importantes, duvido que textos assim ajudem alguém a ser mais criativo ou expressivo.

De que adianta diante da fome saber que num pedaço de pão existem moléculas e átomos?

De que adianta formar pessoas cheias de conhecimento técnico mas insensíveis e individualistas a ponto de serem incapazes de perceber que são responsáveis não apenas pela construção de suas vidas particulares mas também pela da sociedade em que vivem.

Na verdade, acredito que a palavra “educação” deveria ter como pressuposto a palavra “civilização” e a civilização, se for humana, implica a utopia que por sua vez necessita da ficção para existir.

Vou concluir com um poema que tem tudo a ver com o que foi discutido aqui: Utopia, de Fernando Birri (apud Eduardo Galeano)[2]

A utopia
está no horizonte.

Me aproximo dois passos,
ela se afasta dois passos. 

Caminho dez passos,
ela foge dez passos.

Por mais que eu tente
por mais que eu caminhe
nunca consigo alcançá-la.

Então, afinal,
para que serve a utopia?
Para isso…
para caminhar.

 

[1] Para Rorty, a psicanálise, assim como o marxismo e o evolucionismo darwiniano, entre outras teorias, correspondem a novos vocabulários que nos permitem estabelecer novas descrições e reinterpretações do homem, da vida e do mundo.

[2] Traduzido por mim.

 

Ricardo Azevedo

É escritor e desenhista com vários livros publicados, entre eles, Feito bala perdida e outros poemas (Ática, 2007); O motoqueiro que virou bicho (Moderna, 2012); Caderno veloz de anotações poemas e desenhos (Melhoramentos, 2015) e Trago na boca a memória do meu fim (Ática, 2019).

Rascunho