Poemas de John Wieners

Leia os poemas traduzidos "Não completo o bastante", "Súplica", "Antiga estrela azul!", "Minha mãe" e "28 de julho"
O poeta norte-americano John Wieners
29/01/2017

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert


Not complete enough

How my Mother’s embroidered apron unfolds in my life
Arshile Gorky

As I put out my cigarette tonight in bed
I thought of my mother,
how she would lie
in the dark
her bed and as a boy I wd
open
the open and see the red spot in her hands.

I thought of my mother tonight
when I put out my cigarette
in the dark bed,
stomping it out
and her in
how I would open the door at night
and see the red thing in her hands,
and now a man
I have the red thing
and it is the last thing
I do.
The last thought that
the house is clean,
was her thought mine
tonight in her home,
red thought
the two of us in the dark,
thoughts of the day,
the clock right, the window open,
how many lunches made,
my life so apart

And yet in her hands.

How I lie in her hand
and her head turns
its circle, over the day
in my head.

Tonight after midnight
my mother and the gesture
I make with my last
cigarette her gesture,
how I wd help her upstairs

when she got drunk on holidays

in terror help her

and always she’d ask for the
last cigarette and fall asleep
with it and I wd handle
the details,

two pillows, window open, and the door
a crack so we could hear
her if she fell out
of bed.

And she did and another cigarette
with her gray hair knotted on the pillow
when I lit it

Não completo o bastante

Como o avental bordado de minha mãe se desdobra na minha vida
Arshile Gorky[1]

Enquanto na cama apago o meu cigarro
Eu penso em minha mãe,
em como ela ficava deitada
no escuro
em sua cama e como um garoto eu
abria
a abertura e via a ponta vermelha nas mãos dela.

Eu pensei em minha mãe hoje à noite
quando apaguei meu cigarro
na cama escura,
jogando-o fora
e ela dentro
como eu abria a porta à noite
e via a coisa vermelha nas mãos dela,
e agora um homem
tenho a coisa vermelha
e essa é a última coisa
que faço.
O último pensamento de
que a casa está limpa,
era o seu pensamento meu
hoje à noite na casa dela,

pensamento vermelho
nós dois no escuro,
pensando sobre o dia,
o relógio certo, a janela aberta,

quantos almoços cozidos,
minha vida tão à parte

E no entanto nas mãos dela.

Como me apoio na mão dela
a cabeça dela gira
rodando, ao longo do dia
em minha cabeça.

Esta noite depois da meia-noite
minha mãe e o gesto
que fiz com meu último
cigarro seu gesto,
como eu a ajudava a subir a escada

quando nos feriados ela ficava bêbada

apavorado eu a ajudava

e todas as vezes ela pedia um
último cigarro e caía no sono
com ele e eu cuidava
dos detalhes,

dois travesseiros, a janela aberta, e a porta
um crack e poderíamos escutar
se ela caísse
da cama.

E era assim e mais um cigarro
com seu cabelo cinzento atado ao travesseiro
quando eu o acendia

…..

Supplication

O poetry, visit this house often,
imbue my life with success,
leave me not alone,
give me a wife and home.

Take this curse off
of early death and drugs,
make me a friend among peers,
lend me love, and timeliness.

Return me to the men who teach
and above all, cure the
hurts of wanting the impossible
through this suspended vacuum.

Súplica

Ó, poesia, venha sempre a esta casa,
impregne minha vida com sucesso,
não me deixe ficar sozinho,
dê a mim uma esposa e um lar.

Arranque fora esta maldição
de drogas e de morte precoce,
faça de mim um amigo de meus pares,
empreste-me amor e oportunidade.

Leve-me de volta aos que ensinam
e, acima de tudo, cure as
feridas causadas por almejar o inalcançável
através desse vácuo em suspensão.

…..

Ancient blue star!

seen out the car
window.
One blinking light
how many miles away
stirs in mind
a human condition

When paved alone
created of lust
we wrestle with stone
for answer to dust.

Antiga estrela azul!

vista além da janela
do carro.
Uma luz piscando
distante quantas milhas
agita na mente
uma condição humana

Quando solitariamente pavimentados
da luxúria originados
nós lutamos com a rocha
para dar resposta ao pó.

…..

My mother

talking to strange men on the subway,

doesn’t see me when she gets on,

at Washington Street
but I hide in a booth at the side

and watch her worried, strained face —
the few years she has got left.
Until at South Station

I lean over and say:
I’ve been watching you since you got on.
She says in an artificial
voice: Oh, for Heaven’s sake!

as if heaven cared.

But I love her in the underground
and her gray coat and hair
sitting there, one man over from me
talking together between the wire grates of a cage.

Minha mãe

conversando com caras estranhos no metrô,

ao embarcar não me vê,

na Washington Street
mas me escondo numa cabine ao lado

e observo sua face preocupada e tensa —
os poucos anos que lhe restam.
Até que na South Station

eu me inclino sobre ela e digo:
estive observando você desde que embarcou.
Ela responde, com uma voz
forçada: Ó, pelo amor de Deus!

como se Deus ligasse.

Mas eu a amo naquele subsolo
e seu casaco cinza e seu cabelo
ali sentada, um passageiro adiante de mim
conversando entre as grades de arame de uma gaiola.

…..

July 28

A cricket sings in the morning

What to do with the definite article. And
prepositions. How to
connect
without them. I want language to be taut
as the rope
that hold a teapot over
the fire
for hot water.
We pour it. Into the strainer
thru sweet leaves

“The living spirit grows and even outgrows its earlier form of expression; it freely chooses the men in whom it lives and who proclaim it. This living spirit is eternally renewed and pursues its goal in manifold and inconceivable ways throughout the history of mankind. Measured against it, the names and forms which men have given it mean little enough; they are only the changing leaves and blossoms on the stem of the eternal tree.”

Jung, Modern Man in Search of a Soul, p. 244

This is a stone house built on a ridge in the Big Sur mountains of Southern California. If it were not for the mist which has surrounded us since we arrived, blocking out the sun but not its glare, we could see miles out on the Pacific Ocean. There is a garden built on ridges behind the house. The animals have eaten all the plants. I found two sunflowers at the edge of an abyss, one of which I propped up with pink scarf and stick. They face southwest, giant servants to the sun. We stay in doors all day, the mist being a bright gray glare that is like a wall around and below us.

The house was built in 1919 by a man named Lapler. It is in good condition except for the roof which has been used over the years for firewood. We live primitive on a stone floor, mattresses over wood slabs which give an excellent night’s sleep. It is an hour’s climb from the road, so all supplies have to be brought in one’s back. There is a large stone fireplace to the right of the doorway which opens West. To the East the kitchen and backdoor. All doors are wood. All else is stone. Finely built and of careful craftsmanship. Except of course cabinets and table and stools, which are handmade from the woods which slope off from this ridge on three sides.

I have trouble with Mass Media

28 de julho

Um grilo canta de manhã

O que fazer com o artigo definido. E com
proposições. Como
conectar
sem eles. Eu quero que a linguagem seja esticada
como o fio
que segura um bule sobre
o fogo
para esquentar água.
Nós entornamos. Dentro do coador
por entre folhas doces

“O espírito que é vivo cresce, chegando a superar a maneira original como se manifestava; ele escolhe com liberdade o homem em que vive e que proclama isso. Esse espírito vivo tem continuamente se renovado e perseguido seus objetivos por múltiplos e inimagináveis meios ao longo da história da humanidade. Pesando o que se passou, pouco sentido fazem os nomes que os homens deram a esse processo; eles são apenas as floradas e as folhas que nascem e caem de um galho da árvore eterna.”

Jung, O homem moderno em busca de uma alma, p. 244.

Esta é uma casa de pedra erguida no cume de um pico das montanhas do Big Sur californiano. Não fosse pela neblina que tem nos envolvido desde que chegamos, bloqueando o sol, mas não seu brilho, nós poderíamos ver milhas adentro do Oceano Pacífico. Há um jardim plantado nas encostas atrás da casa. As plantas foram todas devoradas por animais. Eu descobri dois girassóis bem na beira de um penhasco, um dos quais escorei com uma vara e um lenço cor-de-rosa. Eles estão voltados para sudoeste, como dois gigantescos servos do sol. Nós permanecemos dentro de casa o dia todo e a neblina se mostra uma luz brilhante de cor cinza, como um muro abaixo de nós e à nossa volta.

A casa foi construída em 1919 por um sujeito chamado Lapler. Ela está em bom estado, exceto pelo teto, cuja madeira vem sendo usada há anos na lareira. Nós vivemos como selvagens sobre o piso de pedra, e os colchões sobre tábuas de madeira, proporcionam uma boa noite de sono. A casa fica a uma hora de escalada desde a estrada, de modo que tudo precisa ser trazido nos ombros. Há uma grande lareira de pedra à direita da porta que dá para o oeste.  Na direção leste estão a cozinha e a porta dos fundos. Todas as portas são de madeira. Tudo o mais é de pedra. Belamente construída, com trabalho caprichado. Exceto, é claro, armários e mesas e bancos que são feitos à mão com pedaços das árvores que caem nos três lados desta montanha.

Não me dou bem com a cultura de massas.

NOTA

[1] Arshile Gorky (1904-1948), foi, ao lado de Mark Rothko, Willem de Kooning e Jackson Pollock, um importante nome do Expressionismo Abstrato e da New York School. Nasceu na Armênia com o nome de Vostanik Madoug Adoian, sobreviveu ao genocídio armênio e foi naturalizado americano. Ele chegou a espalhar que era parente do escritor russo Máximo Gorki, o que não era verdade.

John Wieners (1934-2002)
Jamais conseguir ficar muito tempo em um só lugar. Teve problemas com drogas e sofreu diversas internações em hospitais psiquiátricos. Foi ligado aos beats e à San Francisco Renaissance. Apesar de ter conquistado algum reconhecimento em vida — como o de Robert Creeley, que o descreveu como “o maior dos poetas das emoções” —, foi apenas recentemente que a obra dele passou a ser mais lida e cultuada.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho