Vila dos Confins

Lançado em 1956, "Vila dos confins", de Mário Palmério, além de amplo respaldo crítico, teve sucessivas edições
Mário Palmério, autor de “Vila dos confins”
01/10/2013

Em 1956 a literatura brasileira viveu uma espécie de surto de obras-primas, uma epidemia de qualidade, que contaminou quase todos os gêneros e tendências. Foi nesse ano que saíram os monumentais Corpo de baile e Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Foi também o ano de Doramundo, de Geraldo Ferraz; de A lua vem da Ásia, de Campos de Carvalho; de O tronco, de Bernardo Élis; de O encontro marcado, de Fernando Sabino; de Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes; dos Contos do imigrante, de Samuel Rawet; e de Morte e vida Severina, de João Cabral. E foi também o ano de Vila dos Confins, de Mário Palmério.

Apesar de todas essas ilustríssimas companhias, Vila dos Confins fez barulho. Além de amplo respaldo crítico, teve sucessivas edições, quase anualmente. Para que se tenha uma noção do fenômeno, meu exemplar é da décima segunda edição, tirada em 1969 — ou seja, treze anos depois da primeira, o que dá um índice meteórico de 0,92.

O romance se passa numa cidadezinha do Triângulo Mineiro (onde nasceu Palmério) e narra fundamentalmente a história do deputado Paulo Santos, que volta aos Confins para organizar a oposição (União Cívica) ao partido hegemônico (Liberal), por conta da primeira eleição do município recém-emancipado.

O clima é tenso: Chico Belo, chefe político liberal, persegue um correligionário de Paulo, acusado de matar dois de seus capangas. O protagonista tenta obter do governador a presença de um delegado militar, para fiscalizar as eleições e desmoralizar os adversários.

A narrativa segue, então, duas vertentes: de um lado, temos toda a intriga política, muito bem retratada, com as suas coações, aliciamentos, compra de votos, traições ao voto comprado. No outro pólo, lemos a história de um homem bem sucedido na cidade grande que volta ao lugarejo natal, como num mergulho ao passado.

E se sucedem quadros e casos deliciosos: por exemplo, o de Maria da Penha, a mulher oferecida, que, de tão adúltera, leva o marido ao suicídio. Ou o da falsa tocaia, que Paulo simulou, pondo a culpa num capanga dos liberais que não errava tiro (sendo então a mentira descoberta). Ou o do pitoresco estratagema para garantir a compra de votos, que consistia em distribuir notas cortadas ao meio, com a promessa de entregar a outra metade depois de confirmada a eleição.

Mas há também cenas trágicas, como a da moça que acabava de estrear um sonhado vestido vermelho quando o estouro de uma boiada, dentro da balsa que a transportava, lança a jovem no meio das piranhas.

O romance tem personagens muito ricas, muito interessantes — como Xixi Piriá, o mascate, tipo frágil e mirrado cujo ímpeto heróico é o belo fecho do livro; padre Sommer, alemão, que vive uma incrível aventura de caça à onça; ou Nequinha Capador, negociante de zebu e antigo valentão que castrava os desafetos.

Vila dos Confins tem sido considerado um romance regionalista. Só não endosso tal opinião porque este é um conceito que ainda não entrou na minha cabeça. Prefiro, assim, dizer que é o livro de um autor que conhece profundamente a sua matéria e a sua cena; e escreve magnificamente bem. Talvez não chegue a ser uma obra-prima. Mas é um livro ótimo, um livro excelente. E isso é bastante para justificá-lo.

Como antecipei, há muitas edições de Vila dos Confins. Recomendo as da José Olympio, com capa de Poty e ilustrações de Percy Lau, que é uma graça e está nos sebos por uns R$ 10,00.

Alberto Mussa

Nasceu no Rio de Janeiro, em 1961. É autor do romance O senhor do lado esquerdo, vencedor do Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional e eleito pela Academia Brasileira de Letras o melhor livro de ficção publicado em 2011.

Rascunho