Um homem de boa-fé

Entrevista com Ariano Suassuna
Ariano Suassuna, autor de “Almanaque armorial”
01/01/2009

Um homem de boa-fé. Para além da retórica, é isto que transcende no contato com Ariano Suassuna. Poderia se falar muitas coisas sobre o escritor, o teatrólogo, o artista. Porém, no pouco tempo em que pude conversar com Ariano, desnudou-se a capa de qualquer pompa. Ali, diante de mim, vi um ser humano preocupado com o próximo e com as possibilidades do seu tempo. Generoso, afasta qualquer tentativa de rapapés ou burocracias. Longe de polêmicas, Ariano conta causos e fala do cotidiano. Mansamente, ele nos desperta algo de melhor, como uma esperança sem vícios, própria da meninice. Foi assim que as perguntas viraram conversa e, pela literatura, foi se falar da vida.

• Pela obra de um autor é possível ver as referências que lhe dão norte. Porém, na sua obra este não é um exercício velado, as referências são claras e vivas, inclusive pessoais. De qual dessas raízes a literatura brotou como caminho?
Foi a leitura que me despertou a paixão pela literatura. Meu pai era um grande leitor, então tive a sorte de ter acesso aos livros dele. Se hoje este tipo de “herança” não é comum, você imagina nos anos 30. Por isso, foi um verdadeiro presente a biblioteca que ele nos deixou. Foi nela que li pela primeira vez Eça de Queiroz, principalmente A cidade e as serras, que foi um livro que me encantou muito; depois Os Maias; A ilustre casa de Ramires… Euclides da Cunha, a quem ele admirava demais. Foi também nesta biblioteca onde encontrei Os sertões, em um exemplar que guardo comigo. Aliás, até hoje guardo como relíquias em minha biblioteca alguns dos livros que foram de meu pai. Então, acho que a partir do momento em que me alfabetizei já comecei a ler com ânimo. Isso porque eu era um menino sertanejo, talvez se tivesse as diversões que os meninos de hoje têm, nem sei se teria sido o leitor que fui. Mas é fato que um dos grandes encantos da minha infância era ler. O outro grande encanto foi o circo e você vê estas duas coisas presentes em tudo o que eu escrevo. Eu me alfabetizei em casa pela minha mãe e por uma tia que morava conosco. No meu tempo, a gente só ia para a escola com uns sete anos. Assim que aprendi a ler, minha mãe me deu de presente as obras completas de Monteiro Lobato. Também lia muito uma coleção chamada O tesouro da juventude, que era uma espécie de enciclopédia. Ao chegar na escola, lá em Taperoá, no sertão da Paraíba, tive um grande professor chamado Emídio Diniz. Ele adotava o livro Através do Brasil, escrito por Olavo Bilac e Manoel Bonfim, um sociólogo hoje injustamente esquecido. Esse livro também me marcou muito. Então, aos poucos, comecei a querer ser um escritor como tantos que eu admirava.

• Sua obra também fala de um sertão de encantamento, bem diverso daquele sertão sofrido retratado pelos romances regionalistas como os de Rachel de Queiroz ou Graciliano Ramos.
Acontece que tenho outro temperamento. Sou uma pessoa que com 80 anos de idade ainda continuo animoso. Não vou dizer a você que sou uma pessoa alegre, porque acho que alegria não é uma palavra que expressa bem a atitude de ninguém diante do mundo, a não ser que haja certa dose de irresponsabilidade. É antes uma paixão pela vida e um encanto pelas pessoas. Eu gosto de gente. Não sou amargo, apesar de saber que a vida tem coisas muito duras. Mas, se olhássemos tudo com amargura, a morte já seria suficiente, já que o fundamento da vida é trágico. De um ponto de vista meramente humano, bastaria a morte, para tornar a vida desesperada. Agora, você estava falando de literatura e lhe digo que os sertanejos são engraçados porque os que escrevem sobre o sertão apresentam-no de maneira dura, seca e triste. Mas, se você observar, os próprios sertanejos não são assim. Quando escrevi A pedra do reino, muita gente comparou Quaderna com Fabiano, que é o personagem de Vidas secas, de Graciliano Ramos. Nessa comparação dizia-se que Fabiano era o sertanejo verdadeiro e que o meu era falsificado porque era falador, vivia com festas e cavalhadas. Ai eu respondi: “Olha, realmente existem sertanejos tristes. Graciliano só via esses porque ele próprio era angustiado e pessimista. Mas eu lhes apresento, na própria realidade do sertão, 30 pessoas que passam as mesmas dificuldades de Fabiano e enfrentam o mundo pela festa. Eles fazem reisados, ato de guerreiros…” No sertão você encontra também gente feliz.

• Dentro dessa ótica, de que mais importante do que as referências é a maneira como elas são assimiladas, eu retorno à questão pessoal, à formação do homem. Nesse sentido, de ver a vida com ânimo, a sua mãe teve papel fundamental, não foi?
Minha mãe era uma mulher corajosa e, ao mesmo tempo, meiga e terna. Por exemplo, ela poderia ter incentivado qualquer sentimento de vingança em relação à morte de meu pai e nunca o fez. Digo isso porque muita gente passou a mão na minha cabeça e dizia assim: “Como é? Quando crescer vai vingar a morte do pai?” Você veja como essa era uma carga pesada. E eu era apenas um menino. E para evitar qualquer coisa pior, ela chegou a mentir. Ela convenceu a nós, a mim e a meus irmãos, que o assassino do nosso pai já tinha morrido. Só soube que o assassino de meu pai estava vivo quando já era adulto e tinha filhos. Cheguei ao Rio de Janeiro e um paraibano, chamado Alcides Carneiro, me disse que ele estava vivo e sabia até onde ele morava. Quando voltei para casa, contei a história e ela confessou que havia mentido para nos proteger. Então, veja, esse tipo de atitude fica imbricado na pessoa.

• E o que mais causa encantamento para o animoso Ariano Suassuna?
Ah, sou um encantado com a vida! Vou lhe dizer uma coisa, se antes de nascer tivessem me consultado, mesmo que tivesse a consciência que tenho hoje de como a vida pode ser dura, ainda preferiria viver cem vezes porque tenho essa paixão pela vida. É claro que não gosto quando uma pessoa me trata mal, mas o meu primeiro movimento em relação a qualquer um é no sentido de acolher bem, de gostar. Então, eu gosto das pessoas em geral. Isso me motiva. Também sou um sujeito extremamente motivado pela família. Em agosto, no dia dos pais, cinco netos meus me deram cinco presentes que não podiam ser melhores. Eles fizeram desenhos, inclusive um deles baseado na gravura que fiz de meu pai para ilustrar um soneto que começa assim: “Aqui morava um rei quando eu menino/ vestia ouro e castanho no gibão”. Pois bem, atrás do desenho, ele colocou a referência dos versos. Um menino de 13 anos. Agora, me diga se isso não é encantador? Outra neta fez o desenho de um pássaro e escreveu: “para o meu exemplo de vida”. E todos eles me deram os desenhos com um bilhetinho que começava assim: “um pequeno presente para uma grande pessoa”. Diante disso, só posso ficar encantado e apaixonado. Uma pessoa fundamental para este encantamento é minha mulher. Eu só queria que você visse! Fiquei encantado desde o primeiro dia em que vi Zélia e até hoje estou encantado. Inclusive, escrevi no romance A história de amor de Fernando e Isaura a primeira frase que disse a Zélia. Então, veja como eu tenho uma vida boa. Só posso agradecer por ela.

• Nesse encantamento há um pouco do palhaço frustrado?
Sim, sim! O circo era uma das coisas que me encantavam na infância porque ele era a saída do cotidiano. Não precisava nem começar o espetáculo, bastava dizer que o circo havia chegado que já era motivo da minha alegria. Aí, depois saía o palhaço pelas ruas, normalmente montado de costas em um jumento, gritando: “ Hoje tem espetáculo?” e a meninada atrás respondia: “Tem, sim senhor!” O próprio anúncio já era o espetáculo. Aquele era um mundo novo que me deixava arrebatado. Inclusive, foi no circo da minha infância onde vi teatro pela primeira vez. Lembro-me que vi uma peça chamada Terror da Serra Morena, que me deixou deslumbrado. Isto além de figuras como o próprio palhaço, o mágico, as moças que andavam no arame, os malabaristas… Então, transportei todo esse universo lúdico para a literatura e para a arte, de uma maneira geral.

• Voltando à literatura: o que faz uma boa composição de personagens?
Olha, não sei se posso lhe falar teoricamente, mas os personagens indiferentes e mesquinhos a mim não me atraem. Acho que um personagem pode ser até um grande pecador, mas ele não pode ser uma alma vulgar. O grande personagem tem sempre uma personalidade marcante. Isso não quer dizer que tenha uma alma pura, mas sim uma alma grande. Você veja Otelo, Hamlet e outros. Todos os grandes personagens do teatro e do romance são também grandes pecadores. São Paulo diz que o pecado vai acabar e, apesar de ser um homem com uma visão religiosa, lhe garanto que quando isso acontecer o romance acaba junto.

• Quando vemos personagens como o João Grilo ou como o Capitão Severino, há um sentido para os seus “pecados”. Não há o mal pelo mal ou o bem pelo bem. Esta é a chave para o grande personagem?
Acho que sim. Sobretudo, pela percepção de que ainda somos incompletos. Tenho a impressão de que o ser humano ainda está no caminho da completude. Acho até que não somos o homo sapiens. Apesar de acreditar que a inteligência humana tem uma centelha divina, não acho que seja ela que distingue o homem dos outros animais. Isso porque inteligência os outros animais têm, só que em grau muito menor. O que diferencia o homem é a noção do bem e do mal, do justo e do injusto. É o valor, o caráter. Você não pode dizer que um tigre ou um cavalo são assassinos e ladrões, não é?! Mas também nenhum tigre ou cavalo escreve A divina comédia. É daí que vem a grandeza ou a miséria do homem. É o fato de que para nós existem atos maus e bons. Então, o homem não é o homo sapiens é o homo eticos. Então, voltando a uma coisa que disse antes, acho que o homem só se complementa com a morte. Eu tinha um grande amigo chamado Luís Delgado que certa vez escreveu: “A nós mesmos somos impenetráveis e o melhor seria que nos calássemos esperando que por cima dos nossos erros e das nossas ilusões, se realizasse em nós o insubstituível verso, a nossa transformação em nós mesmos, a nossa definição pela eternidade”. Veja que coisa linda! Escrevi um poema baseado nessa frase e na minha peça, A pena e a lei, há a representação do seu significado. No primeiro ato os personagens atuam como bonecos, no segundo eles são o meio termo entre gente o boneco e, no terceiro, que se passa no céu, só aí, eles se tornam gente. Isso para mostrar que só a eternidade nos resgata a nossa identidade.

• Seu trabalho está repleto do sentido dado às pessoas e aos atos, mesmo crítica social tem um fundo de esperança. O senhor acha que o público atual, urbano, ligado numa séria de atrativos eletrônicos, conhece ou se interessa por esse sertão do encantamento? O Brasil conhece esse sertão?
O Brasil conhece muito pouco o Brasil e o próprio sertão, em particular. E quando digo isso não estou me excluindo, não. Por exemplo, já estive na Amazônia, mas não posso dizer que conheço a Amazônia. O Brasil é muito grande e cabe a nós, escritores nordestinos e sertanejos, chamar atenção para nossa realidade. Não só para o sertão ruim, mas para o do encantamento. Não nego a sua face dura, com as vinganças, secas, fome. E isso você encontra na minha obra. Mas nela também é possível ver o sertão afirmativo, do amor pela vida. E meu grande amigo João Cabral de Melo Neto, que era mais da família de Graciliano Ramos do que da minha, quando publiquei A pedra do reino, escreveu um poema que me deixou contentíssimo porque dizia: “Foi bom que se visse que o sertão não fala só a língua do não”.

• A astúcia é mesmo a coragem dos pobres? Gostaria que o senhor falasse um pouco dessa superação pelo humor.
Olhe, vou lhe dizer mais. Não é só o humor, não. São o humor e a festa. Você veja que no carnaval há o cavalo-marinho, os reisados, o maracatu rural, os caboclinhos. É disso que falo, da festa popular. Como é que um povo que passa por tamanhas dificuldades ainda tem coragem de rir e de se manifestar através da festa. Que exemplo este! Vejo países muito mais ricos e bem organizados, mas com um povo triste, de cara amarrada. Outra coisa que deve ser dita é que, de todas as etnias que compõem o povo brasileiro, talvez os negros sejam os mais injustiçados e, no entanto, são os principais responsáveis pela alegria brasileira que reflete até na maneira de jogar futebol. Uma maneira de jogar que parece uma dança. Há quem fale, em tom pejorativo, que o Brasil é o país do carnaval e do futebol. Para mim, quem diz isso não conhece o Brasil e nem o povo brasileiro.

• Se formos comparar com o resto do mundo, estes elementos da formação brasileira são bem atípicos. É um país miscigenado que nunca entrou em uma guerra civil ou religiosa. Como se explica isso?
É um milagre, não é? Você pode comparar com a América Espanhola que se fragmentou toda. Eu vou fazer uma imagem derivada da literatura para lhe dizer o que quero. O livro que mais admiro é o Dom Quixote, mas acho que normalmente se dá uma importância muito grande à figura do Dom Quixote. Ele merece, para mim é o maior personagem da literatura. Mas as pessoas esquecem de Sancho Pança. Veja que Dom Quixote representa a aristocracia, decadente, mas a aristocracia, enquanto Sancho representa o povo. Pois bem, você transportando isso para a história da América Latina, Simon Bolívar era o Quixote, mas talvez fosse exatamente por isso que ele não conseguiu unificar o continente. Agora veja que, do ponto de vista político, há um episódio bastante significativo em Dom Quixote, que é quando ele ganha o direito de governar uma ilha. Mas, ele não foi governá-la, deu a Sancho essa tarefa. E Sancho fez um governo excelente. Então, no mesmo paralelo em que comparo Bolívar a Sancho, uso esse episódio para comparar José Bonifácio a Quixote. Bonifácio fez a independência do Brasil por intermédio do príncipe herdeiro e foi por causa do Império que se manteve a unidade brasileira. Uma outra figura histórica injustiçada é Dom João XVI, que gostava mais do Brasil do que de Portugal. Pois bem, o apresentam como uma figura grotesca e ridícula. O que ninguém vê é a sua grande administração e a visão estratégica do Brasil que ele tinha. Ele elevou o Brasil à sede do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e isso teve um significado imenso. São os portugueses que têm horror a ele; e com razão. Inclusive, muitas coisas que José Bonifácio realizou já haviam sido pensadas por ele.

• Em uma entrevista, o senhor conta o causo de três cachorros que vivem na Grande Guerra para ilustrar como justiça e liberdade não sobrevivem ao mesmo espaço.
Sempre conto esse causo porque acho que em nossa história, até agora, sempre existiram regimes que privilegiaram a liberdade em detrimento da justiça. Então, para mim, os Estados Unidos não são uma democracia e sim uma plutocracia, um governo dos ricos. Existe lá uma deificação da liberdade, mas não existe justiça. A liberdade que existe é privilégio dos brancos e ricos. E, no tempo em que eu contei esse causo pela primeira vez, opunham-se os Estados Unidos à União Soviética. E eu também dizia que nesta última ocorria o contrário, há um predomínio da justiça em detrimento da liberdade. E o pessoal de esquerda ficava danado quando eu dizia isso. Mas era verdade. O Stalinismo era um regime terrível. Hoje, posso dizer que existiam muitas coisas boas da União Soviética, como previdência social, o pleno emprego, mas liberdade não havia, era boca calada. Foi nesse tempo em que contei essa história. Isso porque logo depois da Guerra, a França e a Inglaterra estavam em situação muito ruim. Então, as pessoas contavam que nas ruas de Paris encontraram dois cachorros, um inglês e um francês. O francês olhou para o outro e perguntou: “Você é de onde?”. O outro respondeu: “Sou inglês”. Nisso, o cachorro francês retrucou: “E o que é que você veio fazer aqui?”. Então, o outro disse: “Eu vim tentar comer alguma coisa porque lá na Inglaterra está uma fome desgraçada”. No ato, o francês respondeu: “Pois você escolheu muito mal porque a fome está grande. Olhe como eu estou magro também”. Nesse momento vinha um cachorro gordo. Aí, os outros dois olharam para este último e perguntaram: “E você, de onde é?”. O cachorro respondeu: “Sou russo”. Então, os outros disseram: “Mas gordo desse jeito, o que é que você veio fazer aqui?” Foi quando o russo respondeu: “Eu vim latir”.

• Hoje, o senhor acredita que é possível a liberdade e a justiça coexistirem pelas mãos desse ser humano que é ético, mas nem tanto.
Um dos maiores pensadores do século 20 era um filósofo francês Jacques Maritain. Pessoalmente, acho Bergson melhor que Maritain. Mas, este último, que para mim era um aspirante a santo, dizia uma coisa sobre o Brasil que me alenta a esperança. Ele disse que o Brasil está destinado a uma missão que é a mais elevada que já foi confiada a um povo — a de realizar um regime em que pela primeira vez se fundam justiça e liberdade. Fiquei orgulhosíssimo quando li isso, mas sei que ainda não é verdade. É algo para o futuro. Um sonho que se deve alimentar porque o homem sem sonho não vai a lugar nenhum. Mas a coexistência entre esses dois valores não existe em nenhum lugar do mundo. Portanto, é um sonho para todos.

• Mas, sem querer parecer descrente, será que o ser humano, seja ele brasileiro, norte-americano ou turco, é capaz disso? Falo deste ser humano que vemos aí, todos os dias.
Com o ser humano atual, é. Por isso que dizia a você que não acho que o ser humano seja um ser completo, ele está a caminho e ele caminha para o absoluto, para a divindade. O Cristo dizia uma coisa muito interessante. Ele disse que nós temos que ser fermento. Ele sabia que o homem está a caminho. Mas perceba que o progresso moral da humanidade é muito lento. Então, se o Brasil, um dia, chegar pelo menos perto dessa junção a qual se referia o Jacques Maritain, ele será uma luz para todo o mundo.

• Esse caminhar é um esforço individual ou coletivo?
Eu procuro fazê-lo. Mas cada um de nós tem que começar por si. Agora, ele só é finalizado coletivamente.

• Este é sonho possível agora?
No momento, acho que isso não é possível. Mas não me desespero. É por isso que, por maiores decepções que você sofra, a política é uma coisa indispensável. Isso porque, ela entendida como deve ser, é a arte do bem comum. Uma decisão política bem tomada melhora muito as coisas. Agora, repito que essa é uma mudança lenta. Nós gostaríamos de identificar o tempo da história como o tempo da nossa biografia. Mas isso não é possível. Veja bem, antes do Cristo, a crueldade era uma coisa tão comum que não se tinha sequer acanhamento em demonstrá-la. Júlio César foi considerado um sujeito muito generoso porque, em relação aos generais do tempo dele que cortavam as duas mãos dos povos conquistados, ele só cortava uma. Pois bem, hoje a crueldade continua, porém ninguém mais tem coragem de expô-la com essa desfaçatez. Isso, em si, é um ganho. Embora, elas tenham ocorrido através do sangue de muitos inocentes, sobretudo, daquele que chamamos de Cristo.

Almanaque armorial
Ariano Suassuna
José Olympio
293 págs.
Grazielle Albuquerque

É jornalista.

Rascunho