Obsessão pelo silêncio

Beatriz Bracher: “O bonito da literatura é que não tem nada que em si mesmo possa destruir um livro.”
Beatriz Bracher, autora de “Antonio”
01/05/2013

Questionando limites e expondo dilemas morais, ao mesmo tempo intimistas e universais, desenvolve-se a prosa de Beatriz Bracher — uma retratista do Brasil contemporâneo. Beatriz nasceu em São Paulo, em 1961. Escritora e roteirista formada em Letras, foi uma das fundadoras da Editora 34, onde trabalhou por oito anos. Seu primeiro romance, Azul e dura, foi publicado pela 7Letras em 2002 e reeditado pela Editora 34 em 2010. Antonio, seu terceiro romance, foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura de 2008 e 2º lugar no Prêmio Portugal Telecom do mesmo ano.

Publicou ainda Não falei (2004) e o livro de contos Meu amor (2009), vencedor do Prêmio Clarice Lispector da Biblioteca Nacional. Beatriz escreveu ainda, com Sérgio Bianchi, o argumento do filme Cronicamente inviável (2000) e o roteiro do longa-metragem Os inquilinos (2009), prêmio de Melhor Roteiro do Festival do Rio 2009. Neste Inquérito, Beatriz fala do importante papel do silêncio em sua vida, seja como escritora ou como leitora, e da dúvida que guia seu trabalho.

Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Descobri que gostava de inventar histórias desde criança. Me dei conta de que poderia tentar ser escritora com 39 anos, quando saí da Editora 34.

• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Na hora de escrever tenho obsessão pelo silêncio. No que escrevo não gosto de algumas palavras, como “numa”, e fico sempre pinçando os “ele”, “ela”, “dele”, “dela”, “seu”, “sua”, palavras que repito demais, emperram o ritmo da história, mas não consigo prescindir delas (aí está ela, vê o que eu digo?).

Que leitura é imprescindível no seu dia-a-dia?
Jornal de manhã, e romance de noite. O imprescindível é o romance, sem ele por dois dias eu já fico mal-humorada.

• Se pudesse recomendar um livro à presidente Dilma, qual seria?
Eu não consigo entender quem é a presidente Dilma e só vale a pena indicar um livro para que este dê prazer à pessoa. Como eu não sei quem ela é, não sei o que recomendar.

• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Sentar-se para continuar a escrever uma história que já engrenou, aquela da qual já descobrimos o fio de tensão, o que há a se quebrar e refazer.

• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Silêncio, quentinho e, se der, sem vento.

O que considera um dia de trabalho produtivo?
João Ubaldo conta em uma entrevista que Virginia Wolf escrevia de 1 mil a 1,2 mil palavras por dia, Graham Greene, 800, e Conrad, 500. Tem semanas que consigo chegar a um Conrad. E tem dias em que eu apago 3 mil palavras e é um dia superprodutivo, o texto ficou três mil vezes melhor do que era no começo do dia.

• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Escrever uma história de que eu goste.

Qual o maior inimigo de um escritor?
No meu caso, achei muito certa a resposta da poeta Ana Martins Marques, ela disse que o maior inimigo são os amigos. E é isso que eu sinto também, e incluo aí a família. Inimigo não do escritor, mas da sua vontade e capacidade de se isolar para escrever. Essa história de que é preciso ser egoísta para ser artista é idiota e verdadeira. A internet é também um grande inimigo. Quando escrevo um texto que não avança, às vezes preciso levantar-me, andar, e se, em vez disso, entro na internet, eu me perco, é um sorvedouro de energia, um convite à dispersão que me atrapalha bastante.

O que mais lhe incomoda no meio literário?
O sentimento de estar sendo egoísta e esnobe quando recuso algum convite para colaborar com um jornal, ou participar de um evento, e saber que às vezes preciso fazer isso para defender o tempo que as minhas histórias precisam para serem escritas.

Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Duas autoras que já morreram: Maura Lopes Cançado (O hospício é Deus) e Maria José Dupré (Éramos seis). E uma que está começando, Natércia Pontes (Copacabana dreams).

Um livro imprescindível e um descartável.
Dicionário Aurélio e Nova gramática portuguesa, de Evanildo Bechara, imprescindíveis. Dos descartáveis eu esqueci seus nomes quando os descartei.

Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
O bonito da literatura é que não tem nada que em si mesmo possa destruir um livro. Acho que isso acontece porque a força da literatura tem muito a ver com nossos defeitos e fracassos, inclusive lingüísticos.

Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Não tenho muito interesse em cangurus.

Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Não sei qual foi o mais inusitado, mas é sempre curioso para mim ver surgir no texto que vou escrevendo uma situação acontecida e que não sabia que tinha me marcado, nem que ela existia na minha memória. E às vezes acaba sendo uma cena importante que deslancha todo um veio interessante que talvez não aconteceria sem aquela lembrança inusitada.

Quando a inspiração não vem…
Milhares de vezes. E não sei o que fazer a não ser maldizer a sorte e escrever, escrever e escrever até conseguir alguma coisa. Como, no momento atual, a inspiração não tem vindo, estou aqui escrevendo e escrevendo, inclusive essa resposta (momento de dispersão), tentando retomar o ritmo da mão.

• Qual escritor – vivo ou morto – gostaria de convidar para um café?
Eu não gosto nem de ler biografias dos autores de quem eu gosto da obra. Não quero saber nada a respeito dele, quase nem queria que ele existisse, só suas obras.

O que é um bom leitor?
Aquele que gosta de ler.

O que te dá medo?
Uma infinidade de coisas. É uma pergunta muito íntima.

O que te faz feliz?
Idem.

Qual dúvida ou certeza guia seu trabalho?
A dúvida: eu sou mesmo uma escritora, isso não é uma pretensão boba, uma vaidade? Eu dependo de parâmetros externos, quantas palavras escrevi, quem avaliou bem meu livro, coisas que eu tenho a consciência de que são mundanas, e ainda assim, dependo disso para saber em que lugar eu estou, que lugar eu sou. Outra certeza é que ninguém precisa de um novo romance meu a não ser eu mesma, por isso a defesa do tempo para escrevê-lo é tão importante. Ninguém pede por ele.

• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Que a história que eu escreva seja nova de verdade. Não digo original, mas nova como uma pessoa é diferente da outra, cada momento irrepetível, que a história que eu venha a escrever tenha essa novidade da vida mesmo, uma inquietação de querer seu lugar no mundo e este lhe seja dado por cada leitor a quem a história consiga tocar.

A literatura tem alguma obrigação?
Não sei qual seria.

Qual o limite da ficção?
Cada autor e cada tempo tem os seus limites. É próprio da literatura cutucar os limites de seu tempo, porque é aí que o drama será mais difícil, onde estamos mais ameaçados e iremos reagir com mais raiva ou medo ou perplexidade. Como, por exemplo, falar hoje em dia da pedofilia.

• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Com certeza eu não entenderia o que ele está falando. Nem inglês eu falo direito.

• O que você espera da eternidade?
Nada.

Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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