🔓 O mensageiro joyceano

Caetano Galindo é escritor, tradutor e doutor em Linguística pela Universidade de São Paulo
17/07/2014

Caetano Galindo é escritor, tradutor e doutor em Linguística pela Universidade de São Paulo (USP), atuando como professor na Universidade Federal do Paraná (UFPR), desde 1998. Destacou-se no mercado editorial brasileiro ao trazer para a nossa língua, em 2012, a elogiada terceira tradução de Ulysses, um dos romances mais emblemáticos da história literatura, considerada a grande obra-prima do escritor irlandês James Joyce.

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Caetano Galindo é um dos principais tradutores brasileiros.

Em seu currículo, Galindo já traduziu obras de nomes como: Charles Darwin, Thomas Pynchon, Tom Stoppard, David Foster Wallace e Alice Munro. Foi laureado com o Prêmio Paraná de Literatura, em 2013, na categoria Conto, estreando como ficcionista com o seu Ensaio sobre o entendimento humano.

Atualmente, publicou, pela Companhia das Letras, Finn’s hotel, uma seleta de contos inéditos de James Joyce, e que ganha sua primeira tradução no Brasil. Neste, é possível encontrar os primeiros esboços da excêntrica inventividade linguística do respectivo pai da literatura moderna, e que seria vista, posterior, em Finnegans wake, sua última obra em vida. Ainda na mesma edição, Giacomo Joyce recebe mais uma nova releitura, desta vez assinada pelo paranaense de Curitiba.

Na entrevista a seguir, Caetano Galindo fala sobre Finn’s hotel, Ulysses e Finnegans wake; os desafios da tradução; seu trabalho autoral e as aulas que ministra sobre James Joyce.

• Quando e como a literatura joyceana apareceu em sua vida?
Em 1997, quando a minha filha estava pra nascer, eu por algum motivo decidi que tinha que ler o Ulysses. Mas não levei essa tentativa a cabo. Só que começou ali o processo que me levou a 2012, com a publicação da minha tradução. Um processo que, eu lembro, me deixou até com certo medo. Houve um momento, eu lembro bem, em que eu percebi que ler aquele livro ia me alterar. Ia me fazer outra pessoa. E isso me deixou receoso. Eu sou caboclo medroso.

• Por que traduzir novamente Ulysses no Brasil, tendo em vista a tradução da Bernardina da Silveira Pinheiro, que foi capaz de superar e melhorar a primeira versão do romance feita por Houaiss?
Bom. Não sei nem se concordo com a premissa. As duas outras traduções têm méritos diferentes. Opostos, quase. Mas de maneira alguma a professora Bernardina superou o Houaiss. Ela tentou outras coisas. Os projetos são incomensuráveis. De outro lado, lembre que quando eu comecei a traduzir, 2002, a tradução da Bernardina não tinha saído e eu, fora do mercado editorial na época, não tinha nem notícia de que sairia. Logo, meu projeto era apenas uma ‘reação’ ao Houaiss, se tanto. Mas a versão da minha tradução que acabou sendo publicada foi devidamente revista, revisada, e nesse processo as duas entraram em jogo sim. Acho que, por suas oposições gritantes, as duas traduções deixaram um claro enorme, um meio-de-campo desocupado, que me coube tentar usar. Se de um lado o Houaiss pesava para a invenção, a erudição, corajosamente tentando responder aos processos joyceanos, mas de certa forma pesando a mão nesse processo, de outro a professora Bernardina tinha a maior das levezas, e um louvável interesse pelo resgate de uma certa oralidade, de uma certa naturalidade do livro, mas isso custou o escamoteamento de certas ‘invenções’. A mim cabia o tertius.

• Qual é o maior desafio da tradução de uma maneira geral?
A multiplicidade dos desafios. O Ulysses é incrivelmente variado. Ele exige um repertório de soluções permanentemente novo. Permanentemente em expansão. A oralidade, a invenção, a imbricação de forma e conteúdo, tudo.

• Em que momento descobriu que, além de tradutor, existia um também um lado ficcionista? Ou a escrita criativa, de certa forma, sempre fez parte de sua vida?
Nem sei se descobri ainda. Eu meio que sempre escrevi, mas principalmente poesia. Mas sempre escrevi muito pouco. Muito raramente. E se eu tinha alguma ideia de que um dia pudesse vir a ser publicado e tal, sempre imaginei que seria como poeta. Só que ninguém gosta dos meus poemas. Até já ofereci pra editoras e tal. Ninguém gosta. Quando apareceu o edital do Prêmio Paraná, o primeiro, eu decidi me inscrever, na poesia. Mas eles me chamaram pra ser jurado, e eu suspendi o plano. No ano seguinte me inscrevi (e perdi: ninguém gosta dos meus poemas). Só que, depois de anos instando o meu irmão a fazer um mestrado, ele tinha decidido começar. E falou que, em contrapartida, eu tinha que escrever um romance. Um outro colega eu quis convencer a inscrever um romance no prêmio, e isso tudo me levou a querer entrar como prosador. Mas era em cima da hora, não dava tempo de escrever um romance (coisa que aliás eu realmente não sei se eu sou capaz de fazer). Aí eu lembrei que tinha uns contos…

• Como se deu o processo da seleta de contos Ensaio sobre o entendimento humano? Imaginava que seu primeiro livro autoral viesse ganhar o Prêmio Paraná de Literatura?
Foi assim. Peguei umas coisas velhas, escrevi umas novas, organizei o livro. Acho que levei mais tempo montando o livro (que me parece ter, sei lá, certa estrutura interna) que escrevendo esses contos novos. Se eu imaginava? Ora, se inscrevi era porque achava que podia. Mas não tinha grandes esperanças. Eu, mau juiz de mim mesmo, ainda achava que podia ganhar na poesia. Quando me ligaram pra anunciar o prêmio eu achei que era o de poesia. Mas me vi muito surpreso quando me peguei torcendo pra ser o de prosa, de contos.

• Parece que o livro será publicado comercialmente pela Companhia das Letras. Como ocorreu o interesse da editora? De lá pra cá, o livro sofreu algum tipo de alteração?
Vai ser publicado no ano que vem, sim. Depois do prêmio houve uma ou outra manifestação de interesse, de outras editoras. Mas eu ofereci antes pra eles, que meio que são a minha ‘casa’, e eles quiseram. Leram e quiseram. O livro vai sair aumentado e algo reformatado. Talvez até com outro nome.

• O trabalho da tradução, de certa forma, lhe ajuda a absorver técnicas narrativas dos escritores que se dispõe a traduzir ou não?
Totalmente.

• Como foi transpor Finn’s hotel para o português? O que você acha desse tipo de linguagem empregada por Joyce pós-Ulysses e que já traz uma amostra do que viria em Finnegans wake?
Particularmente, não aconselharia Finn’s para um leitor de primeira viagem de Joyce. Um leitor de primeira viagem tem que ler Dublinenses. Um livro incrível. Uma belíssima introdução. Finn’s hotel é uma amostra interessantíssima do que podia ser esse Joyce de transição, que temática e estruturalmente já tinha abandonado o mundo do Ulysses, mas que ainda não tinha encontrado a linguagem plena do Wake.

• É verdade que a tradução de Finnegans wake tem sido seu passatempo ultimamente? Pode nos contar um pouco sobre isso?
Mais ou menos. Traduzir o Wake tem um lado braçal e um lado conceitual. Você precisa tomar certas decisões sobre comos e oquês. E é bom decidir essas coisas direitinho antes de sentar pra traduzir consequentemente. Eu estou nessa fase. Traduzo trechos, experimento, penso muito a respeito, escrevo sobre tradução. A maior qualidade da tradução do professor Schüler é precisamente esse claro delineamento de um projeto de tradução. Que eu sei que não é o meu. Mas o meu ainda está em decisão. Devo ir a São Paulo neste segundo semestre só pra conversar com o Augusto de Campos. O projeto dele (e do Haroldo), no Panaroma do Finnegans wake está muito mais próximo do que eu concebo.

• Quando decidiu seguir carreira de professor universitário e tradutor?
Não decidi nada. O concurso para a carreira na UFPR apareceu quando eu nem sonhava virar professor universitário. Passei. A tradução profissional apareceu na minha vida como um efeito colateral do projeto de doutoramento em torno do Ulysses. Aceitei. As coisas foram dando certo.

• Você ministra aulas sobre James Joyce na universidade em que leciona. Que tipo de público vai procurá-lo? Como são trabalhadas as aulas?
Os alunos de graduação e pós-graduação em letras, primariamente. Na pós há uma certa presença de alunos externos. Psicanalistas, jornalistas, gente do teatro… As aulas, ainda são basicamente guias de leitura. Joyce é difícil, e eu ainda passo a maior parte do tempo em sala de aula explicando. Mostrando caminhos. Com a publicação do meu Guia, que sai também ano que vem pela Companhia, espero que pelo menos o trajeto das aulas sobre o Ulysses mude um pouco. Já usei o material neste semestre com uma turma da pós, e ele acabou liberando certo tempo de aula para discussões maiores, mais variadas.

• Podemos esperar mais um novo livro de ficção, não do tradutor, mas do escritor Caetano Galindo?
Sei lá. Eu até gosto da ideia. Mas não sei se vou ter tempo. Não sei se tenho outro desses pra tirar de dentro de mim, pra começar.

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