Nascida numa maternidade pĂşblica da Praça Mauá, regiĂŁo portuária do Rio, vivendo no subĂşrbio durante a infância e com origens na PolĂ´nia, França, Portugal e que abraçaram depois o Nordeste, eu formava minhas histĂłrias e personagens na cabeça, com direito a amigos e lugares imaginários. O hábito da leitura eu ainda nĂŁo possuĂa — mesmo tendo aprendido a ler com 4 anos. Os livros começaram a conquistar seu espaço definitivo em mim com os primeiros questionamentos da vida, na adolescĂŞncia. Na infância, eu era uma “leitora” de imagens e gestos. Ficava admirada com livros de arte, gravuras, desenhos, com as histĂłrias que contavam, com os fatos corriqueiros do dia a dia, com a publicidade dos anos 80 na TV. Lembro-me de um livro de capa dura sobre mosaicos bizantinos que minha avĂł tinha na estante. Ficava encantada com as cores, as composições e a sincronicidade daquelas “mensagens” visuais. O livro tinha atĂ© um cheiro diferente dos outros.
A partir desse pequeno retrospecto, poderia ter me tornado uma artista visual, ou atĂ© uma escritora de ficção. Mas, com pretensões bem mais modestas, cambei para o jornalismo e me encontrei em alguns dos mĂşltiplos ofĂcios de quem trabalha com livros. Talvez por isso, os elementos de mosaicos, de memĂłria, de narrativas mĂşltiplas e concomitantes sejam onipresentes em minhas opções de leitura.
Tenho dificuldade para ler um livro sĂł de cada vez. Isso se deve a um reflexo da vida: nunca faço uma coisa de cada vez. Fiz duas graduações ao mesmo tempo, tinha por vezes mais de um emprego, freelancers, cursos com bolsa de estudos fora do paĂs, entre outras concomitâncias.
Se tem um autor que considero muito interessante é Orhan Pamuk, de Istambul (antiga Constantinopla, berço de muitos desses mosaicos). Junto com o romance O livro negro (Companhia das Letras), leio o não menos interessante Isso é arte? (Zahar), do inglês Will Gompertz, com interferências pontuais de Harold Bloom em O cânone ocidental (Objetiva) e Umberto Eco, em Quase a mesma coisa (Record).
Tenho uma predileção pelo trabalho de Pamuk por se tratar de um autor que vai alĂ©m da literatura. Os livros de Pamuk respiram memĂłria, sĂŁo construĂdos como mosaicos. Sinto como se estivesse numa ponte entre o Oriente e o Ocidente e me fascino. Essas descobertas em sua ficção — por conta de seus temas e personagens — me “provocam” para outros livros de nĂŁo ficção em paralelo. O escolhido da vez Ă© Gompertz, que faz um criativo e ao mesmo tempo informativo pot-pourri de 150 anos da arte. Como uma viagem a ser feita nos prĂłximos minutos e horas dedicadas a movimentos, fatos, mitos e artistas envolvidos — com humor e despreendimento —, o livro me ganhou de cara já na abertura, uma espĂ©cie de mapa de metrĂ´ londrinos, tendo como linhas movimentos artĂsticos e como estações os prĂłprios artistas. Um barato. Isso dá a tĂ´nica do livro.
A escola cultural do tempo de Bloom e os casos pertinentes de experiências de tradução de Eco caem como uma luva nessa minha atual fase de leitura. Seleciono um trecho aqui e outro ali, sem obrigatoriedade cronológica e sequencial. O critério é o tema e a conexão com as outras obras. E assim crio experiências dentro de mim, como “lia” os mosaicos bizantinos quando pequena.