Mãos à obra

"Todo grande escritor é, necessariamente, um grande leitor. Mas apenas a leitura incessante e de qualidade não torna ninguém um autor"
Ilustração: Osvalter
01/08/2008

Diz o lugar-comum que todo bom leitor é um escritor em potencial. Há certa dose de verdade no clichê que ronda a literatura. Todo grande escritor é, necessariamente, um grande leitor. Mas apenas a leitura incessante e de qualidade não torna ninguém um autor. Neste mundo em que a pressa tenta nos engolir a todos, a literatura precisa (e muito) de tempo, paciência, introspecção… Já a entrada no mercado editorial, depende de ingredientes que, muitas vezes, fogem do domínio do aspirante a escritor. Rascunho convidou sete autores experientes a escreverem um “decálogo ao jovem escritor”. Como era de se prever, a leitura permeia todos os “conselhos”. Irônicos ou sérios, os autores dão dicas que podem ser úteis a quem pretende se aventurar pelos mais do que tortuosos caminhos da ficção.

Luiz Antonio de Assis Brasil

1. Ler apenas quem escreve melhor do que nós.

2. Tentar descobrir nossa “medida”, isto é: o meio-caminho ideal entre ser explícito e ser obscuro. Quem descobre a medida, como Hemingway descobriu, ganha o Nobel.

3. Ler, ler muito. Escrever, escrever muito. Todos os dias.

4. Escutar os outros sobre nossos próprios textos. Mas esses outros precisam ter duas qualidades complementares: a) competência para análise de textos literários; b) sinceridade. É raríssimo encontrar pessoas com ambas qualidades.

5. Escrever aquilo que se gosta de ler. Se gostamos de textos simples, por que escrevermos complicado?

6. Ter sempre um caderno de notas no bolso, ou algo semelhante. Ele deve ficar à nossa cabeceira, à noite. As idéias nos alcançam quando menos esperamos.

7. Saber que o sucesso e a qualidade literária pertencem a universos diferentes.

8. Fugir da vida literária; isso só desintegra o fígado e cria inimigos, para além de ser uma colossal perda de tempo.

9. Criar espaços (emocionais, físicos, cronológicos) para exercitar a literatura, mesmo que isso signifique abdicar de coisas aparentemente necessárias.

10. Pensar como escritor, isto é, conotativamente. Deixar o pensamento dedutivo apenas para quando estivermos estruturando nosso romance. No plano textual, usar de preferência conjunções coordenativas, em vez das subordinativas.

Luiz Antonio de Assis Brasil é autor de O pintor de retratos, A margem imóvel do rio, entre outros. Vive em Porto Alegre (RS).

 

Ivana Arruda Leite

1. Leia, leia muito. Leia diariamente. Leia o máximo que seu tempo permitir. Devore todo tipo de literatura, exceto a de má qualidade.

2. Isole-se. O silêncio é a matéria-prima do escritor. Cada noite que você passa na balada é uma página a menos que você escreve. Isso pode parecer pouco, mas ao longo da vida faz a diferença entre o escritor que chega lá e o que morre na praia cercado de amigos (bêbados).

3. Não acredite no mito de que quanto mais louco você for e mais sofrimento tiver, melhor será sua literatura. Um escritor mediano com a cabeça no lugar tem muito mais chances do que um maluco genial. Até porque, se você for escritor de verdade, a loucura e o sofrimento estarão sempre ao seu lado.

4. Seu estilo é seu maior patrimônio. Ouça sua voz e seja fiel a ela. Não imite os escritores que você ama (nem os que você odeia).

5. Se você transita entre muitas linguagens (romance, conto, poesia, teatro, etc.), cuidado. No começo da carreira, é mais prudente escolher um caminho e aprofundar-se nele do que ficar pulando de galho em galho. Deixe a diversificação pra mais tarde.

5. Não tente adequar sua literatura aos modismos e tendências de mercado porque cedo ou tarde você vai ser desmascarado. Pior que o anonimato é não ser respeitado pelos seus pares.

6. Nunca mande sua brochura espiralada para editora alguma, a menos que isso lhe seja pedido expressamente e de maneira inequívoca. O mesmo vale para escritores, críticos, jornalistas, etc.

8. Faça o possível para cair nas graças de alguém que coloque seu texto nas mãos de quem decide e faça-o interromper seus inúmeros afazeres para ler seu original.

9. Escolha com cuidado a pessoa a quem pedir opinião. Dê preferência a quem goste de literatura, mas que não escreva nem seja do ramo. Ouça com atenção tudo que essa pessoa lhe disser, pois ela será seu leitor no futuro.

10. Se você tem um blog, publique aí textos interessantes, divertidos, expresse sua opinião, mas guarde sua literatura para a tão sonhada publicação em papel. Seus futuros leitores merecem e saberão agradecer.

Ivana Arruda Leite é autora de Falo de mulher e Eu te darei o céu, entre outros. Mora em São Paulo (SP).

 

Michel Laub

1. Tente viver intensamente: é na vida que está a maior parte do material literário.

2. Leia clássicos, crítica, livros técnicos sobre como escrever ficção, mas não deixe de ler o que você realmente gosta, na hora e no ritmo que quiser.

3. Escreva regularmente e deixe os textos descansando. Volte a eles de tempos em tempos e os reescreva. No início, isso é tão importante quanto escrever.

4. Resista à tentação de publicar primeiros textos na internet. No Google, eles perseguirão você para sempre, independentemente do seu remorso.

5. Não mande originais para outros escritores, pelo menos nos primeiros anos. Em 99% dos casos você só ganhará antipatia e/ou falsos elogios, que podem atrasar muito sua evolução.

6. Também não leve a sério o que dizem mãe, irmã, namorada (o) ou amigos. O ideal é que seu primeiro leitor seja alguém mais ou menos do ramo, que tenha alguma relação com você, mas não íntima a ponto de influenciar os juízos.

7. Oficinas literárias são boas experiências, mas é preciso saber tirar o melhor delas. Há um momento, no início, em que elas podem ajudá-lo a queimar etapas inúteis, e um momento, quando você está buscando voz própria, em que elas podem fazer muito mal.

8. Tente publicar o primeiro livro por uma editora pequena, de preferência sem distribuição comercial. É bastante provável que esse livro seja ruim, e você não vai querer que ninguém o leia no futuro.

9. Se receber críticas negativas, por mais tentador que seja encher o crítico de porrada, avalie com a isenção possível se ele tem argumentos que podem ajudá-lo a melhorar.

10. Em todas as etapas dessa carreira longa e difícil, mas também rica e divertida, saiba o momento de desprezar conselhos e buscar suas próprias respostas.

Michel Laub é autor de Longe da água, O segundo tempo, entre outros. Vive em São Paulo (SP).

 

Miguel Sanches Neto

Uma das coisas mais difíceis do mundo é ser autor iniciante. Falo isso por experiência própria, não que eu já tenha vencido esta fase, ainda sou iniciante, mas com algum tempo de estrada, e é isso que me permite dar uns palpites sem querer ditar condutas.

Começa que toda pessoa ao escrever quer desesperadamente ser lida. É a regra número um — só existe autor se existir público. Parentes, namorados, cônjuges, empregados, etc. acabam sendo o alvo de nossa ansiedade. Aqui em casa é minha mulher — eu leio os textos curtos para ela, e passo as cópias dos romances. Um ou outro amigo muito próximo pode receber o texto, mas sempre evito incomodar. Bem, mulher de escritor é aquele negócio, uma espécie de presidente do fã-clube do marido, um fã-clube que ainda nem existe, e talvez nunca venha a existir. E a gente retribui tamanha dedicação com almoços, viagens, dinheiro para compras.

Sendo uma leitora a soldo, a mulher deve receber a maior carga de nossos originais. Quem não tem mulher ou é a própria, bem, que ache uma pessoa equivalente. Com esta estratégia de atormentar o mínimo de pessoas, já podemos abrir o decálogo:

1. Não fique mandando seus originais para todo mundo.
Acontece que você escreve para ser lido extramuros, e deseja testar sua obra num terreno mais neutro. E não quer ficar a vida inteira escrevendo apenas para uma pessoa. O que fazer então para não virar um chato? No passado, eu aconselharia mandar os textos para jornais e revistas literárias, foi o que eu fiz quando era um iniciante bem iniciante. Mas os jovens agora têm uma arma mais democrática. Publicar na internet. Há muitos espaços coletivos, com uma liberdade de inclusão de textos novos e você ainda pode criar seu próprio site ou blog, mas cuidado para não incomodar as pessoas, enviando mensagens e avisos para que leiam sua mais recente obra-prima.

2. Publique seus textos em sites e blogs e deixe que sigam o rumo deles.
Depois de um tempo divulgando sua produção eletronicamente, você vai encontrar alguns leitores. Terá que ler os textos deles, e dar opiniões e fazer sugestões, mas também receberá muitas dicas.

3. Leia os contemporâneos, até para saber onde é o seu lugar.
Existe um batalhão de internautas ávidos por leitura e em alguns casos você atingirá o alvo e terá acontecido a magia de um texto encontrar a pessoa que o justifica. Mas todo texto escrito na internet sonha um dia virar livro. Sites e blogs são etapas, exercícios de aquecimento. Só o livro impresso dá status autoral. O que fazer quando eu tiver mais de dois gigas de textos literários? Está na hora de publicar um livro maior do que Em busca do tempo perdido? Bem, é nesse momento que você pode continuar sendo um escritor iniciante comum ou subir à categoria de iniciante com experiência. Você terá que reduzir essas centenas e centenas de páginas a um formato razoável, que não tome muito tempo de leitura de quem, eventualmente, se interessar por um livro de estréia. Para isso, você terá que ser impiedoso, esquecer os elogios da mulher e dos amigos e selecionar seu produto, trabalhando duro para que ele fique sempre melhor.

4. Considere apenas uma pequenina parte de toda a sua produção inicial, e invista na revisão dela, sabendo que revisar é cortar.
O livro está pronto. Não tem mais do que 200 páginas, você dedicou anos a ele e ainda continua um iniciante. Mas um iniciante responsável, pois não mandou logo imprimir suas obras completas com não sei quantos tomos, logo você que talvez nem tenha completado 30 anos. Mas você quer fazer a sua literatura circular de maneira mais formal. Quer o livro impresso. E isso é hoje muito fácil. Você conhece um amigo que conhece uma gráfica digital que faz pequenas tiragens e parcela em tantas vezes. O livro está pronto. E anda sobrando um dinheirinho, é só economizar na cerveja.

5. Gaste todo seu dinheiro extra em cerveja, viagens, restaurantes e não pague a publicação do próprio livro.
Se você fizer isso, ficará novamente ansioso para mandar a todo mundo o volume, esperando opiniões que comparem seu trabalho ao dos mestres. O livro impresso, mesmo quando auto-impresso, dá esta sensação de poder. Somos enfim Autores. E podemos montar frases assim: Borges e eu valorizamos o universal. Do ponto de vista técnico, Borges e eu estamos no mesmo nível, produzimos obras impressas, mas a comparação não vai adiante. Então como publicar o primeiro livro se não conhecemos ninguém nas grandes casas editoriais? E aí começa um outro problema: procurar pessoas bem postas em editoras e solicitar apresentações. Na maioria das vezes, isso não funciona. E, mesmo quando o livro é publicado, ele não acontece, pois foi um movimento artificial.

6. Nunca peça a ninguém para indicar seu livro a uma editora.
Se por um acaso um amigo conhece e gosta de seu trabalho, ele vai fazer isso naturalmente, com alguma chance de sucesso. Tente fazer tudo sozinho, como se não tivesse nada para ajudar você além de que seu próprio livro. Sim, este livro em que você colocou todas as suas fichas. E como você só pode contar com ele…

7. Mande seu livro a todos os concursos possíveis e a editoras bem escolhidas, pois cada uma tem seu perfil editorial.
É melhor gastar seu dinheiro com selo e fotocópia do que com a impressão de uma obra que não será distribuída e que terá que ser enviada a quem não a solicitou. Enquanto isso, dedique-se a atividades afins, para controlar a ansiedade, porque essas coisas de literatura demoram, demoram muito mesmo. Você pode traduzir textos literários para consumo próprio ou para jornais e revistas, pode fazer resenhas de obras marcantes, ler os clássicos ou simplesmente manter um diário íntimo. O importante é se ocupar. Com sorte e tendo o livro alguma qualidade além de ter custado tanto esforço, ele acaba publicado. Até o meu terminou publicado, e foi quando me tornei um iniciante adulto. Tinha um livro de ficção no catálogo de uma grande editora. E aí tive que aprender outras coisas. Há centenas de livros de iniciantes chegando aos jornais e revistas para resenhas e uma quantidade muito maior de títulos consagrados. E a maioria vai ficar sem espaço nos jornais. E é natural que os exemplares distribuídos para a imprensa acabem nos sebos, pois não há resenhistas para tantas obras.

8. Não force os amigos e conhecidos a escrever sobre seu livro.
Não quer dizer que eles não possam escrever, podem sim, mas mande o livro e, se eles não acusarem recebimento ou não comentarem mais o assunto, esqueça e não os queira mal, eles são nossos amigos mesmo não gostando do que escrevemos. Se um ou outro amigo escrever sobre o livro, festeje ainda se ele não entender nada ou valorizar coisas que não julgamos relevantes em nosso trabalho. E mande umas palavras de agradecimento, pois você teve enfim uma apreciação. E se um amigo escrever mal de nosso livro, justamente dessa obra que nos custou tanto? Se for um desconhecido, ainda vá lá, mas um amigo, aquele amigo para quem você fez isso e aquilo.

9. Nunca passe recibo às críticas negativas.
Ao publicar você se torna uma pessoa pública. E deve absorver todas as opiniões, inclusive os elogios falsos. Deixe que as opiniões se formem em torno de seu trabalho, e talvez a verdade suplante os equívocos, principalmente se a verdade for que nosso trabalho não é lá essas coisas. O livro está publicado, você já pensa no próximo, saíram algumas resenhas, umas superficiais, outras negativas, uma muito correta. Você é então um iniciante com um currículo mínimo. Daí você recebe a prestação de contas da editora, dizendo que, no primeiro trimestre, as devoluções foram maiores do que as vendas. Como isso é possível? Vejam quantos livros a editora mandou de cortesia. Eu não posso ter vendido apenas 238 exemplares se, só no lançamento vendi 100, o gerente da livraria até elogiou — enfim uma vantagem de ter família grande.

10. Evite reclamar de sua editora.
Uma editora não existe para reverenciar nosso talento a toda hora. É uma empresa que busca o lucro, que tem dezenas de autores iguais a nós e que quer faturar com nosso livro, sendo a primeira prejudicada quando ele não vende. Não precisamos dizer que é a melhor editora do mundo só porque nos editou, mas é bom pensar que ocorreu uma aposta conjunta e que, embora não se tenha alcançado resultado, há oportunidades para outras apostas e, um dia, quem sabe… Foi tentando seguir estas regras que consegui ser o autor iniciante que hoje eu sou.

Miguel Sanches Neto é autor de Um amor anarquista e A primeira mulher, entre outros. Vive em Ponta Grossa (PR).

Ilustração: Osvalter

Nelson de Oliveira

1. Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito. Os prosadores devem ler bons poemas. Os poetas devem ler boa prosa. Digo isso porque tenho notado que a maioria dos prosadores não aprecia a arte poética, assim como a maioria dos poetas não aprecia a arte da prosa. Isso não é sinal de inteligência. O escritor iniciante também precisa cultivar o gosto pela reflexão teórica. Livros de filosofia, de crítica e de história da literatura precisam freqüentar sua mesa de trabalho.

2. Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito. Ler o passado e o presente, o cânone e a atualidade. Digo isso porque tenho notado que metade dos escritores iniciantes aprecia somente a literatura contemporânea, enquanto a outra metade aprecia somente os clássicos. Isso não é sinal de inteligência. O passado e o presente precisam estar em perpétuo diálogo.

3. Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito. Ler os brasileiros e os estrangeiros, os daqui e os de lá. Digo isso porque tenho notado que metade dos escritores iniciantes aprecia somente a literatura brasileira, enquanto a outra metade aprecia somente os estrangeiros. Isso não é sinal de inteligência. Certo, eu confesso: eu pertenço ao primeiro time, esse mandamento vale pra mim. Aprecio muito mais a prosa e a lírica brasileiras do que a prosa e a lírica estrangeiras. Por isso tenho me obrigado, ao menos profissionalmente, a estar sempre em contato com os de lá. Minha tese de doutorado foi sobre a lírica portuguesa contemporânea.

4. Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito. Ler desconfiando do que está lendo, ler desconfiando do autor, do editor, do livreiro. Desconfie dos livros de sua predileção, desconfie mais ainda dos autores de sua predileção. Livros e autores, ame-os intensamente, sim, mas jamais se entregue à idolatria cega, pois os escritores são mestres na arte da sedução e do engano.

5. Ver muito. Ver de tudo. Ver sem preconceito. Cinema, dança, artes plásticas, teatro, seriados de tevê. Ouvir muito. Ouvir de tudo. Ouvir sem preconceito. Música erudita e popular, clássica e contemporânea. Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito. Quadrinhos, quadrinhos, quadrinhos. Jogar muito. Jogar de tudo. Jogar sem preconceito. Videogame, RPG, cosplay.

6. A literatura é antes de tudo linguagem. Linguagem articulada com sensibilidade e talento. Linguagem estética, subjetiva, conotativa, que ultrapassa a linguagem ordinária, objetiva, denotativa. O escritor não deve procurar com avidez o mínimo denominador comum: apenas a linguagem que é acessível à maioria das pessoas. Quem faz isso são os autores de best-sellers, simples contadores de histórias, simples versejadores, não os verdadeiros escritores.

7. Evite o estereótipo, fuja do clichê, corra do chavão, não marque encontro com o lugar-comum. O critério originalidade não é exclusivo apenas do desfile das escolas de samba, ele ainda faz sentido também na atividade literária.

8. Bons sentimentos não fazem boa literatura. Afaste-se do tratamento edificante, repleto de boas intenções. A sociedade está cheia de defeitos, porém a melhor forma de propor soluções não é produzir literatura doutrinária, militante, moralista.

9. A função da boa literatura não é entreter e deleitar, mas inquietar e provocar o leitor. Se a narrativa e o poema passam o tempo todo adulando o leitor, dando-lhe somente o que ele deseja, evitando constrangê-lo ou contrariá-lo, essa narrativa e esse poema são péssimas peças literárias.

10. Prosadores, evitem as formas consagradas, evitem o conto e o romance realista, inventem sua própria forma, a teoria do efeito único e concentrado (Poe e Tchekov) e a do iceberg (Hemingway e Piglia) pertencem ao passado glorioso. Poetas, evitem as formas clássicas, evitem o verso de medida fixa, inventem sua própria métrica, fujam da rima, o poema regularmente metrificado e rimado pertence ao passado glorioso.

* Esse decálogo foi montado a partir dos textos da coletânea A oficina do escritor: sobre ler, escrever e publicar, lançada este ano pela Ateliê Editorial.

Nelson de Oliveira é autor de Ódio sustenido e Subsolo infinito, entre outros. Vive em São Paulo (SP).

 

Raimundo Carrero

1. Acredite: não existe inspiração.

2. Escreva. Escreva. Escreva.

3. O talento é a melhor maneira de o escritor estar lento.

4. Conduza sempre caneta e papel no bolso — ou agenda eletrônica: anote tudo o que pensa e quer.

5. Leia muito. Os clássicos, de preferência. Homero, Virgílio, Dante. Mas não esqueça os contemporâneos.

6. Um escritor deve conhecer bem o seu ofício. Estude muito. Estude sempre.

7. As histórias estão bem próximas. Use a memória. Sem medo.

8. Use as condições objetivas: tenha uma boa biblioteca e um lugar reservado para escrever.

9. Um bom prosador deve ler poemas. E um bom poeta deve ler romances, novelas, contos.

10. Seja simples. Mas a simplicidade deve apenas esconder a sofisticação. Aprenda com Machado de Assis, Manuel Bandeira, Carlos Drummond e Autran Dourado.

Raimundo Carrero é autor de O amor não tem bons sentimentos, Somos pedras que se consomem, entre outros. Vive em Recife (PE).

 

Antonio Carlos Secchin

1) Amarás a literaturaacima de todas as coisas.

2) Não invocarás os centenários de Machado e Rosa emvão: trata de fazer algo inteiramente diverso.

3) Guardarás os fins de semanaparaescrevertudoaquiloqueteuempregonão permite que escrevas nosoutrosdias.

4) Duvidarás de pai, mãe, avós, enfim: de toda a linhagem de teusascendentesliterários.

5) Não matarás o idioma supondo reinventá-lo emcadanovaobra.

6) Não pecarás contra a causticidade da língua, abrigando emteustextos a ironia, o humor, a irreverência.

7) Não furtarás obras alheias: com elas estabecelerás “diálogos intertextuais”.

8) Não levantarás falsostestemunhos, dizendo queumtexto é ótimo apenas porser da autoria de umamigo.

9) Não cobiçarás os prêmios e as resenhas elogiosas do próximo.

10) Não acreditarás em nenhum decálogo.

Antonio Carlos Secchin é autor de Todos os ventos, entre outros. Mora no Rio de Janeiro (RJ).

 

Sonia Coutinho 

1. Leia o mais que puder. Leia os clássicos mas, principalmente, procure ler os contemporâneos. E sempre guiado pelo prazer — quando a leitura parecer pura obrigação, esqueça.

2. Em suas leituras, preste atenção a todo tipo de recurso narrativo que os outros escritores usam. Veja como mexem com estrutura, trama ou ausência de trama, construção ou não de personagens, ponto de vista narrativo, etc. Mas, quando for escrever seus próprios trabalhos, não pense em nada disso. O que vem de você, no momento de criar, tem de vir como se fosse inteiramente instintivo, intuitivo. (Aqui, recomendo um livrinho interessante, A arte cavalheiresca do arqueiro Zen, de Eugen Herrigel. Ele mostra como combinar espontaneidade e elaboração.)

3. É útil saber o que os outros escritores pensam sobre seu ofício. Descubra o que eles dizem a respeito em entrevistas e depoimentos. Se possível, converse com muitos deles, mesmo que tenha de vencer uma natural tendência dos literatos para a introversão e o isolamento.

4. Uma americana que dá oficinas literárias em Taos, Novo México, a Nathalie Goldberg, diz que a única maneira de fracassar, para quem escreve, é parar de escrever. É uma boa frase para lembrar nos maus momentos, quando a gente pensa chegou ao fim, que não tem mais editor e ninguém quer saber dos nossos escritos.

5. É bom, por outro lado, lembrar que temos o direito e, em certas circunstâncias, o dever de parar de escrever. Rilke, em suas Cartas a um jovem poeta, aconselha: “Se você consegue viver sem escrever, não escreva”.

6. Tenha em vista que há dois tipos de motivação para o escritor — a extrínseca e a intrínseca. A primeira, a extrínseca, gira em torno da busca de aceitação e sucesso. A segunda, a intrínseca, diz respeito à necessidade interior de escrever — e é esta que, mesmo diante do eventual insucesso, leva o escritor a continuar. A necessidade intrínseca é mais importante e confere dignidade — apóie-se nela.

7. Se puder, aprenda línguas estrangeiras, no mínimo duas. Leia autores estrangeiros no original. E você mesmo traduza poemas ou trechos de bons autores — é um excelente exercício.

8. Literatura não é atividade puramente de gabinete. O que oferece o maior aprendizado para o escritor iniciante é a própria vida. É preciso ir fundo na vida, e dar vazão às suas emoções pessoais. Pode haver risco nessa aventura, mas é um risco necessário. E vá fundo enquanto jovem. Mais tarde, pode ser impossível.

9. Viajar ajuda bastante. Candidate-se a bolsas, passe temporadas fora do Brasil. Viver dentro de uma cultura diferente aguça o senso de observação. E pode ser uma boa maneira de “ir fundo.”

10. Se você não tem condições, inclusive por motivos financeiros, de seguir estes preceitos, escreva, de qualquer forma, nem que seja a lápis, em momentos avulsos. E denuncie suas desvantagens.

Sonia Coutinho é autora de Os venenos de Lucrécia e O último verão de Copacabana, entre outros. Mora no Rio de Janeiro (RJ).

Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

Rascunho