Leitor, não leitor

Um movimento que espalha a leitura pelas frestas do mundo; e o retrato dos leitores brasileiros
01/07/2008

Manifesto do Livro na Mão
Antes de sair de casa, pergunte-se: com que livro eu vou hoje? Nem que seja somente para fazer companhia. Para estar perto dele. Mas anseie por uma conseqüência. Provoque inveja. Abra-o em público. Levante a capa, para que o título apareça. Dê sorrisos. Suspiros. Na hora de pagar a conta no caixa, deixe-o por cima da mesinha, para que o cobrador e quem está atrás de você na fila vejam qual é. No metrô, tente ficar em pé, mais gente vai poder ler. Ande com ele. Deixe-o escorregar de vez em quando, vai chamar a atenção do mais desligado. Trombe com as pessoas. Ofereça, se alguém demonstrar interesse.

Esse rápido manifesto da jornalista Cris Rogerio apresenta o blogue coletivo que acabei de visitar, do Movimento Livro na Mão. Que bom que ainda há manifestos. Que bom que há gente sugerindo atitudes pouco convencionais, com o objetivo de fomentar a leitura principalmente da boa literatura. Gostei bastante disso: “anseie por uma conseqüência”, “provoque inveja”, “dê sorrisos”, “suspiros”. Essa pública insinuação afetiva, amorosa, quase erótica, tem tudo a ver com os melhores livros em prosa ou em verso.

Todos os militantes desse grupo vão ao banco, ao supermercado, ao cinema, a toda parte, sempre com um livro na mão. E recomendam que também façamos isso. Os depoimentos publicados no blogue falam das situações mais diversas e divertidas. São depoimentos que confirmam o que eu já desconfiava: um bom livro é também uma senha, um sinal secreto. A literatura, mesmo tão maltratada, parece que vive principalmente no subterrâneo das pessoas. Até mesmo no das pessoas aparentemente menos preparadas pra compreender as sutilezas do pensamento literário: o caixa do supermercado, o feirante, o taxista, o manobrista. Então, quando alguém exibe uma cativante coletânea de contos ou poemas, ou um bom romance, essa é a senha pra que outros saiam da toca, mostrem o livro que estava escondido na sua gaveta e comecem a falar, entusiasmados.

Apesar de eu ter o hábito de ler em público, geralmente nas filas e no metrô, e de sempre deixar alguns livros espalhados no banco de trás do carro, para a curiosidade dos manobristas, ainda não tenho uma boa história pra contar. Nenhuma que seja tão reveladora ou empolgante quanto as que estão no blogue. É que eu costumo ficar tão entretido com a leitura, que raramente paro pra observar as pessoas em volta… No final do ano passado a moça do correio, de tanto me ver com um livro na mão e de tanto manusear meus envelopes com livros, um dia puxou conversa, perguntando se eu era escritor e dizendo que adorava ler. Subitamente estabeleceu-se certa cumplicidade entre nós. Mas essa foi a única vez em que eu conversei sobre livros fora do ambiente profissional, longe da sala de aula, das editoras e das bienais. Vou me empenhar mais, vou ficar mais atento, vou provocar a curiosidade e a inveja, e assim que tiver uma boa história pra contar, mandarei para o blogue do Movimento.

Nos lugares mais inesperados esse pessoal está descobrindo velhos leitores e motivando os não leitores a também se tornarem leitores. No blogue, a militante Nanete Neves escreveu:

Gosto também de emprestar livros aos pouco afeitos à leitura. Coisa de teimosia mesmo. Insisto tanto que a pessoa acaba tomando emprestado com uma expressão meio reticente. Mas o melhor é que na hora de devolver ela invariavelmente comenta o quanto aquela leitura fez bem a ela. Até a fofa da minha faxineira não escapou dessa minha mania. Ela largou a escola no meio do ginásio e há muito não lia nada. Fui então emprestando a ela livros que achei que ela gostaria. De alguns ela gostava, embora admitisse não ter “entendido direito tudo”. Outros ela até conversava a respeito. No final, a grata surpresa: ela virou fã de Rubem Braga. E dia destes fiquei muito feliz: no caminho para o ponto de ônibus ela tomou coragem de entrar num sebo aqui perto de casa. E comprou baratinho dois livros bem usados desse autor. O melhor foi a sua carinha orgulhosa ao me mostrar as aquisições. Continuo emprestando livros a eles todos, pois acredito que a freqüência cria o hábito. E, como dou prazo para a devolução, tenho certeza de que eles certamente estão ajudando a engrossar o Movimento Livro na Mão… Meio maquiavélico, não? (rsrs)

As telenovelas brasileiras bem que podiam aderir a esse movimento. Imaginem só o poder de persuasão que a imagem de José Wilker e Regina Duarte constantemente carregando ou folheando um livro teria. Nem precisam falar sobre o livro, basta simplesmente ficarem segurando o dito-cujo e conversando sobre qualquer assunto relacionado à trama. A simples presença desse livro no horário nobre de milhões de tevês acesas já bastaria pra acender a curiosidade na audiência não leitora. Pensamento do telespectador: ora, se esse pequeno objeto feito de papel e tinta é importante para as personagens globais, então vale a pena xeretar numa livraria ou numa biblioteca, pra descobrir que graça o livro tem.

Aguinaldo Silva, Alcides Nogueira, Ana Maria Moretzsohn e Benedito Ruy Barbosa, por favor, ponham um livro na mão do par romântico das próximas novelas. Melhor do que isso só se os astros do esporte também aderirem.

Retratos da Leitura no Brasil
Muito se fala no escritor brasileiro. Diferente do que acontecia em meados do século passado, em que o escritor raramente saía de casa pra conversar com o seu público, hoje ele pode ser visto em todo lugar: nas bienais, nas feiras de livro, nas festas literárias, na tevê, dando aula ou coordenando oficinas de criação literária. Muito também se fala no leitor brasileiro (na verdade, na falta de leitores). Mas ninguém sabe exatamente quem é ele, onde ele está, o que ele está lendo, o que o motiva a ler um livro, quantos livros ele lê por ano, se no passado ele lia mais do que está lendo agora. Os bons escritores tornam-se rapidamente celebridade, os bons leitores ainda não. Os bons escritores ganham prêmios polpudos, os bons leitores ainda não.

Ninguém sabe exatamente quem é o leitor brasileiro? Errado. Ninguém sabia.

A pesquisa sobre o comportamento desse leitor já está disponível na internet, no site www.prolivro.org.br. Ela foi encomendada pelo Instituto Pró-Livro ao Ibope Inteligência. Foram entrevistadas mais de 5 mil pessoas em 311 municípios, em todos os estados da federação e no Distrito Federal. Os Retratos da Leitura no Brasil tiveram como universo a população com cinco anos ou mais — um pouco mais de 170 milhões de pessoas —, alfabetizada ou não. Na verdade essa já é a segunda edição da pesquisa. Os dados coletados na primeira edição foram divulgados em 2001.

Para os pesquisadores foi considerado leitor quem declarou ter lido pelo menos um livro nos últimos três meses (55% da população estudada) e não leitor quem declarou não ter lido nenhum livro nesse período, ainda que tenha lido ocasionalmente em outros meses do ano (45%).

No diagnóstico de Maria Antonieta da Cunha, uma das consultoras da pesquisa, muitos dados desanimadores da nova pesquisa confirmam os da anterior. Mas há também boas surpresas:

A maior, sem dúvida, é o crescimento do índice de leitura. Outra boa surpresa — que demanda uma boa discussão nos vários setores ligados à leitura, em especial as editoras — é a posição de relevo da poesia em praticamente todas as análises. Em certos estados, por exemplo, a poesia chega a superar até os livros religiosos na preferência dos entrevistados.

Há uma grande, enorme fatia da população que não conhece os materiais de leitura, ou conhece muito mal. Há um claríssimo problema de acesso aos materiais de leitura, especialmente ao livro. Mesmo tendo-os por perto, falta a descoberta, a volta na chave que faz a súbita ligação e torna o sujeito capturado para a leitura. Ele não descobriu a senha. Por isso mesmo, à frente da leitura (em quinto ou em quarto lugar, conforme o enfoque), depois apenas de ver televisão, ouvir música e (às vezes) ouvir rádio, os entrevistados (mesmo os mais novos) afirmam preferir ocupar seu tempo livre… Descansando!!!

Muitos entrevistados afirmam que não lêem ou não vão a bibliotecas porque “não estão estudando”, o que mostra a forte ligação da leitura com a escola, ou com “os estudos”, na percepção das pessoas.

Um dado que não me parece desprezível é o fato de um número razoável dos entrevistados se dizer sensível, na escolha da leitura, a influências. Um dos fatores que mais os influenciam nessa escolha é a dica de alguém. (…) Na pergunta sobre quem mais influenciou o entrevistado no seu gosto pela leitura, a resposta “ninguém” vem sendo cada vez menos acionada pelos mais jovens. E, pelo menos na memória dos entrevistados, os professores atualmente lêem mais para seus alunos — o que é uma espécie de dica. Esse dado aparentemente insignificante tem para mim uma força especial: reconhecendo na leitura seu caráter essencialmente cultural e histórico — criada pela capacidade inventiva do ser humano e apoiada no traço mais revelador da nossa humanidade: a palavra — e promovendo o diálogo que a leitura sempre pretende, essas dicas nos garantem que aquela senha pode ser a qualquer momento descoberta. 

Dicas. Aí está mais uma vez a justificativa do Movimento Livro na Mão. Dicas que precisam se transformar em indicações insistentes, em sussurros ao pé do ouvido, em brados a plenos pulmões e até em gemidos de prazer e êxtase.

E aos que gostam de listas aí vão três, como aperitivo, retiradas desses Retratos da Leitura no Brasil:

Escritores brasileiros mais admirados pelos leitores
1. Monteiro Lobato
2. Paulo Coelho
3. Jorge Amado
4. Machado de Assis
5. Vinicius de Moraes
6. Cecília Meireles
7. Carlos Drummond de Andrade
8. Erico Verissimo
9. José de Alencar
10. Maurício de Souza
11. Mario Quintana
12. Ruth Rocha
13. Zibia Gasparetto
14. Manuel Bandeira
15. Ziraldo
16. Chico Xavier
17. Augusto Cury
18. Ariano Suassuna
19. Paulo Freire
20. Edir Macedo
21. Castro Alves
22. Graciliano Ramos
23. Rachel de Queiroz
24. Luis Fernando Verissimo
25. Clarice Lispector

Livros mais importantes na vida dos leitores
1. Bíblia
2. O Sítio do Pica-pau Amarelo
3. Chapeuzinho Vermelho
4. Harry Potter
5. O pequeno príncipe
6. Os três porquinhos
7. Dom Casmurro
8. Branca de Neve
9. Violetas na janela
10. O alquimista
11. Cinderela
12. Código Da Vinci
13. Iracema
14. Capitães da Areia
15. Ninguém é de ninguém
16. O Menino Maluquinho
17. A escrava Isaura
18. Romeu e Julieta
19. Poliana
20. Gabriela Cravo e Canela
21. Pinóquio
22. Bom dia, Espírito Santo
23. A moreninha
24. O primo Basílio
25. Peter Pan
26. Vidas secas
27. Carandiru
28. O segredo
29. A ilha perdida
30. Meu pé de laranja lima

Último livro que o leitor leu ou está lendo
1. Bíblia
2. Código Da Vinci
3. O segredo
4. Harry Potter
5. Cinderela
6. Chapeuzinho Vermelho
7. Violetas na janela
8. A Branca de Neve
9. Os três porquinhos
10. O Sítio do Pica-pau Amarelo
11. O caçador de pipas
12. Dom Casmurro
13. O monge e o executivo
14. A moreninha
15. Senhora
16. A bela e a fera
17. Romeu e Julieta
18. Iracema
19. Peter Pan
20. Bom dia, Espírito Santo
21. A pequena sereia
22. O cortiço
23. O grande conflito
24. Pinóquio
25. O alquimista
26. O Pequeno Príncipe
27. O Menino Maluquinho
28. Quem mexeu no meu queijo
29. Edir Macedo (biografia)
30. Pais brilhantes, professores fascinantes

Luiz Bras

É escritor. Autor de Sozinho no deserto extremo e Paraíso líquido, entre outros.

Rascunho