Tinha eu doze anos. O nome da professora era Maria das Graças. Toda sexta-feira, ela dava aula de redação. E era minha aula preferida. Dona Maria das Graças contava o começo de uma história e tínhamos que acabá-la, contava o fim e tínhamos que inventar o começo, inventava dois personagens e tínhamos que criar o diálogo, etc…
Na véspera do Dia das Mães, ela pediu que escrevêssemos alguma coisa sobre a data. Eu não queria fazer uma redação melosa, do tipo “Eu amo minha mãe” ou “Minha mãe é a melhor do mundo”. Pensei, pensei e decidi que faria uma carta para colocar sobre o túmulo de minha falecida progenitora. Algo bem triste, mas totalmente inventado, porque a senhora Litz Ely está firme e forte até hoje.
Escrevi devagar, caprichando na letra e no drama. Lembro que as últimas frases do texto eram: “Minha mãe, imortal, mas morta…”. Quase um bolero de tão sentimental.
Entreguei a redação e, na sexta-feira seguinte, dona Maria das Graças trouxe os textos corrigidos. Quando ela entregou minha folha, olhou sério para mim e disse:
– Muito boa sua redação, você tirou nove. Pena que isso aconteceu…
Eu não esperava por aquilo. Ela tinha acreditado!
Naquele milésimo de segundo em que a folha de papel almaço estava ao mesmo tempo nos dedos dela e nos meus, um dilema ético se instalou na minha cabeça: deveria contar a verdade e perder o meu nove, ou ficar quieto e garantir a boa nota?
Decidi contar a verdade. E falei, com vergonha:
– Mas isso não aconteceu. Minha mãe está viva.
Ela fez uma cara de espanto.
– Você inventou tudo?
Olhei para baixo, quase arrependido da minha honestidade, e confessei:
– Ãrrã.
Para minha surpresa, ela falou:
– Então sua redação é melhor ainda. É dez!
Não acreditei naquilo. Em vez de uma bronca, tinha ganhado a nota máxima. Enganei a professora e recebi um dez. Duas alegrias ao mesmo tempo!
Hoje, pensando cá com meus zíperes, vejo que tive muita sorte. Fosse dona Maria das Graças uma professora ranzinza e antiquada, daquelas que acham que temos que escrever apenas verdades verdadeiras (como se houvesse alguma), ela teria me mandado para a sala de dona Zilma, a diretora. Mas era uma professora excelente, que queria justamente incentivar a criatividade dos seus alunos. Ela entendeu que não enganei, mas inventei. E valorizou isso. Não se sentiu ludibriada, mas, provavelmente, orgulhosa, por conseguir que um aluno de óculos e aparelho nos dentes criasse uma ficção.
Se minha professora tivesse reagido de forma diferente, talvez eu nem me tornasse escritor. Mas, graças a dona Maria das Graças, vi que havia muita graça em se imaginar em outras situações, outros tempos, outras vidas.
Por isso, hoje, quando me perguntam “Qual foi a primeira vez que você pensou que podia ser escritor?”, eu conto essa história. Que é totalmente verdadeira. Eu acho.