Considerado (a) leitor (a), numa das crônicas enfeixadas em seu livro, anunciado aqui na semana passada, Histórias ao redor, meu amigo Flávio Carneiro relembra um episódio que demonstra à perfeição aquela tese de que os escritores estão à frente de seu tempo. Corria o ano de 2013, e o Brasil era o país homenageado na Feira do Livro de Frankfurt. Entre as inúmeras atividades, realizou-se um jogo de futebol, patrocinado pelo Instituto Goethe de São Paulo, com apoio da Federação Alemã de Futebol, entre um time de escritores brasileiros e um time de escritores alemães.
Os brasileiros, reis do improviso, chegaram em campo dispostos a massacrar seus colegas alemães — mas esqueceram que, como em todo o resto, os alemães levam a sério o que fazem. Desde 2005, eles mantêm um time com técnico, preparador físico e médico, além de atuarem com frequência. Resultado: o primeiro tempo terminou com o placar anotando seis gols dos alemães contra nenhum dos brasileiros, para vergonha de Flávio, o único entre os nossos a praticar o esporte com talento, tendo chegado a jogar profissionalmente pelo Goiás, quando jovem.
Já no final da partida, com mais três gols anotados pelos alemães, o zagueiro do time brasileiro, Rogério Pereira – sim, atento (a) leitor (a), ele mesmo, o editor desse Rascunho – corre em direção ao time adversário e cai na área adversária, em conluio descarado com o árbitro: pênalti! Sim, pênalti!, para que pudéssemos marcar nosso gol de honra. Placar final: Alemanha 9 x 1 Brasil.
Pouco menos de um ano depois, no dia 8 de julho de 2014, a seleção brasileira enfrentava a seleção alemã pelas semifinais da Copa do Mundo. E, você deve se lembrar, foi aquele fiasco: no Mineirão, em Belo Horizonte, o placar final mostrava Brasil 1 x 7 Alemanha. E, se a derrota dos escritores brasileiros para os alemães antecipava a derrota da seleção brasileira para a seleção alemã — em vistosos e dilatados placares —, ambas as derrotas prenunciavam um desastre ainda maior que estava por vir.
Pois, preste atenção, supersticioso (a) leitor (a), o placar final do jogo da Copa do Mundo de 2014 foi, vamos repetir, Brasil 1 x 7 Alemanha — e 17 seria o número do candidato que se elegeria em 2018, a Besta que atiçaria os Quatro Cavaleiros do Apocalipse que correm soltos por terras brasileiras: a peste (o coronavírus), a fome (causada pelos desacertos econômicos), a guerra (quase 45 mil assassinatos em 2020) e a morte (2020 foi o ano com o maior número de óbitos da história do Brasil, 1,4 milhão de pessoas, 22% a mais do que o esperado).
Por isso, caridoso (a) leitor (a), devemos prestar atenção no que escrevem os escritores — mesmo quando sejam apenas sinais no gramado de um campo de futebol.
Luz na escuridão
Luís Dill, romancista, contista, poeta, autor de literatura infantojuvenil:
“Inventei um negócio doido. Chama-se Ciclo XX. A ideia é lançar uma narrativa longa para cada década do século passado. Em 2020, ao celebrar meus 30 anos de carreira literária, lancei Timbirupá, primeiro romance da empreitada. O livro saiu pela Editora Casa 29. A história é ambientada em 1930, em cidade localizada num remoto confim do Brasil. Lá acontece de tudo, do amor clandestino ao crime com adaga; da fofoca à devastação. Agora sai Dias de água, também pela Editora Casa 29. O romance se passa em Porto Alegre, entre abril e maio de 1941. Naqueles dias, há 80 anos, o Guaíba violou a cidade. O livro apresenta grande galeria de personagens interagindo com a enchente histórica. Tem assassino, mocinha bonita, nazista, gente boa, pescador, pilantra, ex-jogador de futebol, e muito mais. Muito se falou sobre a Enchente de 41, mas não existe quase nada na área da ficção sobre o fenômeno. Agora há”. O livro por ser adquirido no site da editora.
Parachoque de caminhão
“Todo poder ilegítimo traz, como a trovoada, o raio que queimará seu desgraçado fim.”
Ahmadou Kourouma (1927-2003)
Antologia pessoal da poesia brasileira
Ivan Junqueira
(Rio de Janeiro, RJ, 1934-2014)
Morrer
Pois morrer é apenas isto:
cerrar os olhos vazios
e esquecer o que foi visto;
é não supor-se infinito,
mas antes fáustico e ambíguo,
jogral entre a história e o mito;
é despedir-se em surdina,
sem epitáfio melífluo
ou testamento sovina;
é talvez como despir
o que em vida não vestia
e agora é inútil vestir;
é nada deixar aqui:
memória, pecúlio, estirpe,
sequer um traço de si;
é findar-se como um círio
em cuja luz tudo expira
sem êxtase nem martírio.
(O grifo, 1987)