🔓 Escrito nas estrelas ou A culpa é dos alemães

A derrota, por ninguém vista, de um time de futebol brasileiro para um time alemão em 2013, já prenunciava todos os nossos males futuros
Ilustração: FP Rodrigues
04/06/2021

Considerado (a) leitor (a), numa das crônicas enfeixadas em seu livro, anunciado aqui na semana passada, Histórias ao redor, meu amigo Flávio Carneiro relembra um episódio que demonstra à perfeição aquela tese de que os escritores estão à frente de seu tempo. Corria o ano de 2013, e o Brasil era o país homenageado na Feira do Livro de Frankfurt. Entre as inúmeras atividades, realizou-se um jogo de futebol, patrocinado pelo Instituto Goethe de São Paulo, com apoio da Federação Alemã de Futebol, entre um time de escritores brasileiros e um time de escritores alemães.

Os brasileiros, reis do improviso, chegaram em campo dispostos a massacrar seus colegas alemães — mas esqueceram que, como em todo o resto, os alemães levam a sério o que fazem. Desde 2005, eles mantêm um time com técnico, preparador físico e médico, além de atuarem com frequência. Resultado: o primeiro tempo terminou com o placar anotando seis gols dos alemães contra nenhum dos brasileiros, para vergonha de Flávio, o único entre os nossos a praticar o esporte com talento, tendo chegado a jogar profissionalmente pelo Goiás, quando jovem.

Já no final da partida, com mais três gols anotados pelos alemães, o zagueiro do time brasileiro, Rogério Pereira – sim, atento (a) leitor (a), ele mesmo, o editor desse Rascunho – corre em direção ao time adversário e cai na área adversária, em conluio descarado com o árbitro: pênalti! Sim, pênalti!, para que pudéssemos marcar nosso gol de honra. Placar final: Alemanha 9 x 1 Brasil.

Pouco menos de um ano depois, no dia 8 de julho de 2014, a seleção brasileira enfrentava a seleção alemã pelas semifinais da Copa do Mundo. E, você deve se lembrar, foi aquele fiasco: no Mineirão, em Belo Horizonte, o placar final mostrava Brasil 1 x 7 Alemanha. E, se a derrota dos escritores brasileiros para os alemães antecipava a derrota da seleção brasileira para a seleção alemã — em vistosos e dilatados placares —, ambas as derrotas prenunciavam um desastre ainda maior que estava por vir.

Pois, preste atenção, supersticioso (a) leitor (a), o placar final do jogo da Copa do Mundo de 2014 foi, vamos repetir, Brasil 1 x 7 Alemanha — e 17 seria o número do candidato que se elegeria em 2018, a Besta que atiçaria os Quatro Cavaleiros do Apocalipse que correm soltos por terras brasileiras: a peste (o coronavírus), a fome (causada pelos desacertos econômicos), a guerra (quase 45 mil assassinatos em 2020) e a morte (2020 foi o ano com o maior número de óbitos da história do Brasil, 1,4 milhão de pessoas, 22% a mais do que o esperado).

Por isso, caridoso (a) leitor (a), devemos prestar atenção no que escrevem os escritores — mesmo quando sejam apenas sinais no gramado de um campo de futebol.

Luz na escuridão
Luís Dill, romancista, contista, poeta, autor de literatura infantojuvenil:

“Inventei um negócio doido. Chama-se Ciclo XX. A ideia é lançar uma narrativa longa para cada década do século passado. Em 2020, ao celebrar meus 30 anos de carreira literária, lancei Timbirupá, primeiro romance da empreitada. O livro saiu pela Editora Casa 29. A história é ambientada em 1930, em cidade localizada num remoto confim do Brasil. Lá acontece de tudo, do amor clandestino ao crime com adaga; da fofoca à devastação. Agora sai Dias de água, também pela Editora Casa 29. O romance se passa em Porto Alegre, entre abril e maio de 1941. Naqueles dias, há 80 anos, o Guaíba violou a cidade. O livro apresenta grande galeria de personagens interagindo com a enchente histórica. Tem assassino, mocinha bonita, nazista, gente boa, pescador, pilantra, ex-jogador de futebol, e muito mais. Muito se falou sobre a Enchente de 41, mas não existe quase nada na área da ficção sobre o fenômeno. Agora há”. O livro por ser adquirido no site da editora.

Parachoque de caminhão
“Todo poder ilegítimo traz, como a trovoada, o raio que queimará seu desgraçado fim.”
Ahmadou Kourouma (1927-2003)

Antologia pessoal da poesia brasileira
Ivan Junqueira
(Rio de Janeiro, RJ, 1934-2014)

Morrer

Pois morrer é apenas isto:
cerrar os olhos vazios
e esquecer o que foi visto;

é não supor-se infinito,
mas antes fáustico e ambíguo,
jogral entre a história e o mito;

é despedir-se em surdina,
sem epitáfio melífluo
ou testamento sovina;

é talvez como despir
o que em vida não vestia
e agora é inútil vestir;

é nada deixar aqui:
memória, pecúlio, estirpe,
sequer um traço de si;

é findar-se como um círio
em cuja luz tudo expira
sem êxtase nem martírio.

(O grifo, 1987)

Luiz Ruffato

Publicou diversos livros, entre eles Inferno provisório, De mim já nem se lembra, Flores artificiais, Estive em Lisboa e lembrei de você, Eles eram muitos cavalos, A cidade dorme e O verão tardio, todos lançados pela Companhia das Letras. Suas obras ganharam os prêmios APCA, Jabuti, Machado de Assis e Casa de las Américas, e foram publicadas em quinze países. Em 2016, foi agraciado com o prêmio Hermann Hesse, na Alemanha. O antigo futuro é o seu mais recente romance. Atualmente, vive em Cataguases (MG).

Rascunho