Eloésio Paulo

Nove poemas de Eloésio Paulo
01/11/2011

Nova economia

Sério como quem joga xadrez
o boné virado para trás
diz o garotinho a seu
parceiro de Banco Imobiliário:

— Quer trocar sua boca de fumo

na minha igreja evangélica?

O auto da comadre Cida

O maldito sol estava podre
sobre a capital mundial
da simonia

Simoninha netinha de dona Cida
(doceira de escol, fiel pagadora de promessas
e autodidata em harmônica de boca)
abriu o maior berreiro
enquanto a turma empurrávamos a fubica
pela margem do Paraíba

À espera de um milagre

não pegava nem no tranco
aquela merda

Gênese

No primeiro dia choveu
e Adão
olhando as coisas através de uma cortina
foi-lhes dando nomes embaçados
enquanto Javé se divertia
com o pileque onomástico da criatura

Desde então os filósofos
têm tido muito trabalho

O sol da vida

O que espera pingar
colírio das estrelas
vai enrolar os pés
numa roda de serpentes

O mundo acontece
mais na horizontal
raros são os raios
e monótona a chuva

Corações ao alto
é pelo buraco dos olhos
que evaporam

Longe é o caminho
e no fim de tudo
espera o sol da vida
a morte

A mãe de todas as procissões

Personagem de névoa
aquela jaracuçu-do-brejo
e no entanto vívida
como luz impressa

Tal uma corda enlouquecida
arremetia a esmo
contra homens e meninos
emparedada por um mutirão
de paus e pedras

Depois foi o cortejo
por ruas cheias de sol
de seus despojos: troféu
espécie de cristo maligno

Wyatt heart

Quero ser mudo
como o olhar extático
diante da flor
que se desfaz à chuva

Quero ser calmo
como um coração
levado em caixa de gelo
a seu novo dono
já íntimo da morte

Quero mesmo ser
cego como um suicida
que se ilude
sobre o próprio salto

Mas não salto
sem trapacear
não há neve que me gele
e nem flor
que eu não lamente

Arapuca

Devia ser muito suspeita
além do milho
a sombra

No entanto elas nem tentam
interpretar o abalo sísmico
de seus coraçõezinhos

Na outra ponta do cordel
deuses meninos
lambem pirulitos distraídos

Darwinianas

1
Quando Jesus passou
— Zaqueu morava no galho —
e o baixote destrepou-se
dando aquele mau passo
começou a sua sina
de resgatar promissórias
trabalho triste e sem fim

Nunca mais banana grátis

2
O botafoguismo milenar
de certos equídeos
acabou causando espécie

Música incidental

O eclipse da clepsidra
pôs nuvens cinza
nos olhos de Touro
do ano-luz

e no frasco o soro
deu lugar ao ar

Eloésio Paulo

Nasceu em Areado (MG), em 1965. Doutor em Teoria Literária pela Unicamp é, desde 2006, professor da Universidade Federal de Alfenas. Autor de Questões abertas sobre O alienista (2020, ensaio), O casamento da bruxa com Papai Noel (2019, infantil) e O amor é um assunto imbecil (2020, poesia), entre outros.

Rascunho