Traduções de Ronald Polito
Rosario Castellanos Nasceu na cidade do México, em 25 de maio de 1925. Passou sua infância e adolescência em Comitá, Chiapas (México), tendo sua poesia profundamente marcada pela paisagem desta região. Fez licenciatura e mestrado em Filosofia na Universidad Nacional Autónoma de México. Recebeu bolsa do Instituto de Cultura Hispánica e pós-graduou-se em estética na Universidad de Madrid. Dentre outras atividades, foi diretora geral de Informação e Editoria da Universidad Nacional Autónoma de México e professora da Faculdad de Filosofía y Letras pela mesma universidade. Sua obra está incluída em diversas antologias e traduzida para vários idiomas. Praticou todos os gêneros literários: conto, teatro, ensaio, romance, mas é sobretudo a obra poética que tem despertado grande interesse no México e fora dele, fazendo parte da que foi chamada a geração dos anos 50 de seu país. Seus livros de poesia são: Trayectoria del polvo (1948); De la vigilia estéril (1950); Presentación en el templo (1951); El rescate del mundo (1952); Apuntes para una declaración de fe (1953); Poemas: 1953-1955 (1956); Al pie de la letra e Salomé y Judith (ambos de 1959); Lívida luz (1960) e Álbun de familia (1971). Com respeito às traduções aqui publicadas, o poema Dos meditaciones pertence ao livro Al pie de la letra; Lo cotidiano e Destino, a Lívida luz. Em toda a sua obra, tanto a situação indígena quanto talvez ainda mais a da mulher mexicana são temas permanentes. Mas como observa corretamente Octavio Paz (em seu ensaio Poesía en movimiento), Rosario Castellanos não escreve o que se poderia chamar de “poesia feminina”, ainda que seus poemas só pudessem ter sido escritos por uma mulher inteira e que assume sua condição. E ainda ressalta: “El language de Rosario Castellanos es llano y sentencioso, cuando no cede a la declamación.” A poetisa morreu em 7 de agosto de 1974, em Tel Aviv, onde desde 1971 era embaixadora, acidentalmente eletrocutada ao trocar uma lâmpada em sua casa.
Destino
Matamos lo que amamos. Lo demás
no ha estado vivo nunca.
Ninguno está tan cerca. A ningún otro hiere
un olvido, una ausencia, a veces menos.
Matamos lo que amamos. ¡Que cese ya esta asfixia
de respirar con un pulmón ajeno!
El aire no es bastante
para los dos. Y no basta la tierra
para los cuerpos juntos
y la ración de la esperanza es poca
y el dolor no se puede compartir.
El hombre es animal de soledades,
ciervo con una flecha en el ijar
que huye y se desangra.
Ah, pero el odio, su fijeza insomne
de pupilas de vidrio; su actitud
que es a la vez reposo y amenaza.
El ciervo va a beber y en el agua aparece
el reflejo de un tigre.
El ciervo bebe el agua y la imagen. Se vuelve
— antes que lo devoren — (cómplice, fascinado)
igual a su enemigo.
Damos la vida sólo a lo que odiamos.
Destino
Matamos o que amamos. O resto
não esteve nunca vivo.
Ninguém está tão próximo. A nenhum outro fere
um esquecimento, uma ausência, às vezes menos.
Matamos o que amamos. Que cesse já esta asfixia
de respirar com um pulmão alheio!
O ar não é bastante
para os dois. E não basta a terra
para os corpos unidos
e a ração da esperança é pouca
e a dor não se pode partilhar.
O homem é animal de solidões,
cervo com uma flecha na ilharga
que foge e se dessangra.
Ah, mas o ódio, sua fixidez insone
de pupilas de vidro; sua atitude
que é ao mesmo tempo repouso e ameaça.
O cervo vai beber e na água aparece
o reflexo de um tigre.
O cervo bebe a água e a imagem. Torna-se
— antes que o devorem — (cúmplice, fascinado)
igual a seu inimigo.
Damos a vida só ao que odiamos.
…
Lo cotidiano
Para el amor no hay cielo, amor, sólo este día;
este cabello triste que se cae
cuando te estás peinando ante el espejo.
Esos túneles largos
que se atraviesan com jadeo y asfixia;
las paredes sin ojos,
el hueco que resuena
de alguna voz oculta y sin sentido.
Para el amor no hay tregua, amor. La noche
no se vuelve, de pronto, respirable.
Y cuando un astro rompe sus cadenas
y lo ves zigzaguear, loco, y perderse,
no por ello la ley suelta sus garfios.
El encuentro es a oscuras. En el beso se mezcla
el sabor de las lágrimas.
Y en el abrazo ciñes
el recuerdo de aquella orfandad, de aquella muerte.
O cotidiano
Para o amor não há céu, amor, só este dia;
este cabelo triste que se solta
quando estás te penteando ao espelho.
Esses túneis longos
que são atravessados com arquejo e asfixia;
as paredes sem olhos,
o oco que ressoa
de alguma voz oculta e sem sentido.
Para o amor não há trégua, amor. A noite
não se torna, de repente, respirável.
E quando um astro rompe suas cadeias
e o vês ziguezaguear, louco, e se perder,
nem por isso a lei desprende seus ganchos.
O encontro é às escuras. No beijo se mescla
o sabor das lágrimas.
E no abraço cinges
a lembrança daquela orfandade, daquela morte.
…
Dos meditaciones
I
Considera, alma mía, esta textura
áspera al tacto, a la que llaman vida.
Repara en tantos hilos tan sabiamente unidos
y en el color, sombrío pero noble,
firme, y donde ha esparcido su resplandor el rojo.
Piensa en la tejedora; en su paciencia
para recomenzar
una tarea siempre inacabada.
Y odia después, si puedes.
II
Hombrecito, ¿qué quieres hacer com tu cabeza?
¿Atar al mundo, al loco, loco y furioso mundo?
¿Castrar al potro Dios?
Pero Dios rompe el freno y continúa engendrando
magníficas criaturas,
seres salvajes cuyos alaridos
rompen esta campana de cristal.
Duas meditações
I
Considera, alma minha, esta textura
áspera ao tato, a que chamam vida.
Repara em tantos fios tão sabiamente unidos
e na cor, sombria porém nobre,
firme, e onde espargiu seu fulgor o vermelho.
Pensa na tecelã, em sua paciência
para recomeçar
uma tarefa sempre inacabada.
E odeia depois, se puderes.
II
Pobre homem, que queres fazer com tua cabeça?
Amarrar ao mundo, ao louco, louco e furioso mundo?
Castrar ao potro Deus?
Mas Deus rompe o freio e continua engendrando
magníficas criaturas,
seres selvagens cujos alaridos
rompem este sino de cristal.