Quando saí da faculdade de jornalismo, senti falta de uma pós-graduação. Não pelas razões presentes hoje nas pessoas, algo como “se não fizer pós, não viro gerente”. Meu desejo, naqueles tempos românticos e utópicos, era me entender, e talvez compreender melhor a linguagem para usá-la de modo mais efetivo.
Escolhi Semiótica. Só não saberia explicar a razão. Apenas intuía que Semiologia tinha a ver com Ferdinand de Saussure; e Semiótica com Charles Sanders Peirce. Preferi a segunda por uma estranha razão: Peirce gostava de vinho. Aliás, não só os apreciava, como também escrevia sobre o assunto. O filósofo era conhecido por demonstrar profundo entendimento dos aspectos sensoriais e qualitativos dessa bebida. E redigiu artigos e resenhas, compartilhando seu conhecimento com outros enófilos. Sem dúvida, com uvas fermentadas no meio, Semiótica devia ser bem mais legal.
Para minha surpresa, fui aceito por uma boa universidade. Não digo o nome, porque me pagam, até hoje, um salário para não revelar qual é. Aos trinta e poucos anos, ainda me iludia com siglas e instituições. É claro que me encaminhei para a primeira aula cheio de expectativas. Foi, no entanto, um banho de água gelada. O primeiro mestre, logo pude depreender, queria mesmo que comprássemos seu livro. Na verdade, exigia — a brochura seria usada como material de classe.
A segunda aula não foi lá muito diferente. A professora, depois de nos recomendar a leitura de Roman Jakobson, dividiu a classe em quatro. Cada grupo deveria “entoar” um verso de certo poema de Décio Pignatari. A senhora queria provar que, ao contrário do que a crítica apregoava, o concretismo podia ser musical, contemplar a melopeia. O resultado em sala mostrou que a crítica tinha razão.
Talvez, por causa de tal episódio nada estruturalista, decidi que meu trabalho de conclusão seria sobre o estudo da Crítica. Nunca pensara em algo semelhante, na verdade tinha até certo preconceito com a categoria. Acontece que a coisa andava tão chata, os colegas tão “copy-paste”, que me dedicar a algo que ninguém queria foi a melhor saída.
Conversei com o coordenador de Crítica Literária. Ele me recomendou Sobre literatura e arte, de Marx e Engels. Li, comentamos, ficamos próximos. Fui seguindo suas indicações, realizando os trabalhos, conhecendo Horácio, Longino, Croce. O ânimo semiótico melhorava.
Foi quando, certa tarde, levei uma pasta com meus poemas. No intervalo, tomando café com o professor, resolvi compartilhar as criações. Ele preferiu xerocá-las e lê-las em casa com a devida calma.
Tive de esperar uma semana para obter um parecer. No final da aula, pediu que aguardasse na carteira. Dispôs a pasta com as folhas à minha frente, ao lado de um volume de René Wellek. Disse:
— Ou é Crítica Literária ou é poesia, Carlos.
Permaneci calado. Ele continuou:
— Se quiser escrever poemas, ou o que quer que seja, não vai lhe fazer bem desmontar o relógio, retirar as engrenagens e montar de volta. Escolha um dos dois e boa sorte.
Saí daquela academia sem olhar para trás, mas ainda mantenho uma cópia da minha História da crítica moderna. Afinal, desmontar o relógio da linguagem e remontá-lo é muito mais divertido do que escrever para leitores que não leem.