Casaquinhos vermelhos

O apego por datas enquanto a vida toma o rumo de certa normalidade em busca de um cafuné
Ilustração: Carina S. Santos
06/06/2024

Hoje, 6 do 6, é aniversário do P.

Depois, 7 do 7, do N.

Em seguida, 8 do 8, do R.

Existe, em algum lugar, uma foto da época em que N. e eu éramos um casal, com os três enfileirados, em ordem. Só eu acho graça.

P. foi embora do Brasil e as saudades apertam.

Tenho uma coisa com datas.

Nasci 12 de março. 1, 2, 3. Como não existe mês 23, é fácil de lembrar, mas não ligo — mesmo — quando amigos esquecem. Se eu mesma já esqueci do meu aniversário, quem sou eu para cobrar.

O Rascunho fez 24 anos. Notícia velha, tem mais de mês. Meu amor é o mesmo, atrasado ou não.

Em janeiro de 2010, 01 do 10 portanto. Também gosto de palíndromos. Ainda com nome de casada, argh, publiquei uma ilustração no jornal para um conto de Altair Martins. Foi quando eu entendi, a sangue frio, na prática, entendimento raiz, que não podia usar grandes áreas chapadas de uma cor escura em papel jornal. Me envergonha o fato de que eu já tinha trabalhado com produção gráfica e não me toquei disso. Não tenho nada a dizer em minha defesa. Foi burrice mesmo.

Nina Simone chegou sem documentos. Sem CPF, RG, passaporte, nada. Não sabemos ao certo o seu nascimento. Na época o veterinário da família estimou a idade pela dentição. Sim, da família. Confio mais nele que na maioria dos médicos de humanos que conheci. Decidimos então, por aproximação, que seu aniversário é na Queda da Bastilha, 14 de julho. A jazzista nasceu 21 de fevereiro. Longe demais para adotar a data.

Por absoluta coincidência, R. está viciado no podcast The age of Napoleon e virou fã do Bonaparte. O imperador francês era, na verdade, italiano. Nasceu na Córsega. Napoleone di Buonaparte mudou seu nome para Napoleon Bonaparte quando se casou com a Josefina. Eu também escuto o podcast. E tem ainda a biografia que o Alexandre Dumas escreveu. O mesmo autor de Os três mosqueteiros e de O conde de Monte Cristo. Não é um homônimo. Amo o conceito de “biografia literária”. Não são todas?

Sei é que, finalmente, maio acabou. Maio de 2024, para mim, durou mais ou menos uns cinco anos. Tanta coisa aconteceu que acho que vou na onda do tiozinho megalomaníaco e mudar meu nome para Caroline Vignoble.

Tudo em francês fica um pouco mais chique. Ou difícil. Ou ambos. Às vezes são sinônimos. Estou lendo Espaces en perdition, do Simon Harel. Descubro, sangue nos olhos, que meu francês não é tão bom quanto eu achava que era. Volta e meia recorro ao dicionário do Kindle. Kindle é amor, gente.

Por falar em Kindle, aproveito para, desavergonhadamente, recomendar um livro de um amigo: Rua Morgue, do Osmarco Valladão. Tem no Unlimited. Falta de vergonha na cara, eu sei. E não é, nem de longe, a coisa mais cara-de-pau que já fiz por amigos.

Depois de cruzar o nono círculo que foi a semana passada, a vida está um pouco menos atribulada. Os longos passeios no parque voltaram. Chega da voltinha mequetrefe em volta do quarteirão.

Nina Simone, de acordo com a estação do ano e a moda vigente, usa um casaquinho vermelho do Snoopy. Faz um enorme sucesso. Para combinar, saio com um moletom vermelho com o começo de Tabacaria, mas ninguém elogia ou me faz cafuné. Sacanagem.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

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