O galanteador

Conto de Aleilton Fonseca
01/09/2008

A mulher ia tranqüila pela calçada, em direção a sua residência, quando percebeu que, da janela de um automóvel, vinha o aceno de um desconhecido. Primeiro olhou discretamente, sem intenção de atender. O homem foi encostando o veículo, e insistiu no aceno, com um sorriso simpático. Ela hesitou em atender. Mas pensou: ora, ele deve estar querendo uma informação. Aproximou-se do motorista e, antes que dissesse algo, ouviu a abordagem inusitada:

— Oi, amor! Para aonde vai? Quer ir comigo, minha linda?

Ela estacou, surpresa por um instante. Imediatamente se refez do susto, e riu divertida, achando a cena mais que engraçada, totalmente bizarra. O homem aguardava a resposta, com uma vaga esperança nos olhos semicerrados diante da intensa claridade do dia.

— Não, senhor; muito obrigada. Eu moro aqui perto.

— Que tal um chope? Vamos bater um papo.

— Não, agradeço pela gentileza.

Aproximando-se, a mulher olhou mais detidamente para o homem. Moreno, ligeiramente calvo, aparentava uns 45 anos. A marca nítida da aliança denunciava que ele a tirara do dedo, a fim de buscar um affair passageiro. Parecia um marido típico, afundado na rotina de um casamento saturado.

— Eu preciso bater um papo com você, amor! — ele insistiu.

— Ah, eu gostaria mesmo de falar com o senhor — disse a mulher, assumindo uma postura mais ativa.

O homem se animou. Então ela estava a fim de papo! Se conseguisse ganhá-la por um instante, seria a glória do dia. A mulher, com um olhar agora incisivo, continuou o diálogo:

— Em primeiro lugar, esse cigarro está lhe fazendo mal.

Ele, no susto, imediatamente esfregou o cigarro no cinzeiro do carro e atirou o toco longe, para demonstrar claramente a sua renúncia.

— Só fumo de vez em quando — explicou, na defensiva.

— Não devia fumar nunca. Isso mata a pessoa aos pouquinhos.

O homem, com o olhar intimidado, prestava atenção à conversa, entre curioso e espantado. A mulher prosseguiu a inspeção:

— Precisa ir à academia cuidar desses pneuzinhos aí…

— Ah, eu vou… semana que vem eu volto a malhar.

— E essa barriguinha de chope? Vai deixar de beber ou não vai?

— Sim, parei a partir de agora — prometeu, cruzando dois dedos sobre os lábios.

— Está acima do peso. Deixe o carro em casa e vá caminhar.

— Sim, sim: meu médico sempre me cobra isso — informou, assombrado.

— Por falar nisso, há quanto tempo não faz seus exames?

— Pois é… — murmurou, já encolhido, como que se agarrando ao volante.

— E tem um exame que precisa fazer logo.

— E qual é? — perguntou, curioso e humilde.

— Está apertando muito os olhos… Faça um exame de vista urgente.

— É, tem razão — concordou, visivelmente vexado.

— E sua mulher? Cuide mais dela, leve-a para passear, viajem juntos.

— Pode deixar, pode deixar… — disse ele, já acionando o motor do carro.

— Se cuide, hein!

— A senhora por acaso é médica? — indagou, num tom respeitoso.

— Sou advogada, casada, e tenho 48 anos.

—  Nossa! Eu lhe dava uns 30… — espantou-se, encabulado.

— Obrigada! É que eu não bebo, não fumo, como pouco, faço caminhada, durmo bem, pratico esporte, viajo muito… e sou fiel.

— Ah, bom… eu já vou indo… — ele engatou a marcha, queria fugir dali e enfiar a cabeça no chão.

A mulher sorriu; estava satisfeita com o resultado de seu contra-ataque. Percebeu que o homem, sem graça e desfeito, talvez pensasse consigo mesmo: “Bem que eu podia passar sem essa”. Literalmente. Ele acionou o acelerador e já ia se afastando, quando a mulher fez a última recomendação:

— Tem um exame que deve fazer amanhã mesmo!

— E… qual é? — gemeu ele, quase em sofrimento psicológico.

A mulher sorriu divertida e arrematou o colóquio, enquanto o galanteador esperava o sinal abrir para sumir dali correndo:

— Seu primeiro exame de próstata!

Aleilton Fonseca

É escritor, ensaísta, ficcionista e poeta, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (BA). Pertence à Academia de Letras da Bahia, à Academia de Letras de Itabuna, à União Brasileiro de Escritores-SP e ao PEN Clube do Brasil. Tem cerca de 20 livros (poesia, contos, ensaios, romance) publicados no Brasil e alguns no exterior.

Rascunho