Lunaris, novela de Carlos Ribeiro, trata do impasse de um intelectual diante da vida prática — problema recorrente em sujeitos que dedicam a existência à literatura. O protagonista Alberto não consegue se dividir entre as atividades de escritor e professor de literatura e a rotina em casa com a mulher e o filho. Está com quarenta e três anos e se vê diante de uma catástrofe. Para ele, nada parece fazer sentido. Tem a impressão de que quando nasceu, um anjo torto, desses que vivem na sombra, disse: Vai, Alberto!, ser gauche na vida. Alberto, linha após linha narrativa, apresenta dificuldade para habitar aquilo que seria o seu mundo real, uma possível Salvador baiana e, a todo instante, procura refúgio em outra possibilidade que, página seguida de página, capítulo após capítulo, se revelará o seu destino.
Alberto deseja fugir do seu mundo. Sonha ir embora pra Pasárgada. Mas acaba se refugiando em Lunaris. “Seu único espaço de liberdade, no qual ninguém, nem mesmo as pessoas mais íntimas das suas relações, poderia penetrar. (…) Esse lugar era uma forma especial de pensar. E de sentir. Só mais tarde descobriria que era, de fato, um lugar”. Em Lunaris, a realidade estava suspensa — num outro espaço-tempo — sem nenhum inconveniente. Lá, Alberto convivia consigo e com os amigos imaginários, os lunarianos. Lá, apenas os assuntos prediletos entravam em pauta. Lá, havia até uma inédita mulher bonita para Alberto namorar.
Carlos Ribeiro elaborou esse enredo, entre outras finalidades, para discutir o paradoxo insolúvel que é a condição humana, da qual ninguém escapa, nem mesmo fugindo pra Pasárgada ou Lunaris. O protagonista, em confronto com personagens reais e lunarianos, revê sua trajetória, questiona o presente e as possibilidades do porvir. A literatura, obsessão do personagem central e do autor, também tem espaço em meio aos diálogos do livro. O enredo que mostra Alberto em conflito apresenta reflexões sobre opções literárias, escritores que posam de marginais e até poesia concreta — “Não tinha tempo para perder jogando com palavras, que isto era coisa para aqueles imbecis dos concretistas, que ficam fazendo logogrifos e logomaquias”.
Lunaris, apesar do desleixo da edição e dos descuidos de revisão — que nada comprometem a proposta literária —, se faz um livro interessante: pela reflexão a respeito do homem diante de seu destino e pela discussão sobre literatura — e ainda por apresentar uma Salvador literária destituída da trilha sonora que propõe um estado de alegria permanente e pela desconstrução da cidade para turista — o gafanhoto pós-moderno — usufruir, flanar e destruir.