Poemas de Savita Singh

Leia os poemas traduzidos "Fim", "Quando Montreal era a minha cidade", "Pensamentos descalços", "Eu sou a morada das estrelas" e "Mulher é verdade"
A poeta indiana Savita Singh
01/11/2013

Tradução: Mário Araújo

Fim
Num vilarejo sombrio em Karnataka
uma família camponesa se prepara
para pôr fim ao jogo da vida
Uma esteira estendida sobre o chão
Veneno misturado numa xícara
A mãe olha para seus filhos
sentada de um lado
Vê seu mundo pela última vez
Amarra novamente seu sári, endireita a bainha
Sentado do outro lado, o camponês — tempestade aquietada
Entreolham-se com olhos vazios
Então um lamento explode na garganta dele
e é de imediato sepultado
O vazio os encara
Eles o vêem também
Não há medo
E então, paz por toda parte
Apenas os corpos estremecem por um instante 

End
In a dark village in Karnataka
a peasant family is preparing
to put an end to life’s game
A mat spread on the ground
Poison mixed in a cup
The mother looks at her children
sitting on one side
Sees her world one last time
Ties her sari anew, straightens its edge
Sitting across, the peasant — a stilled storm
They look at each other empty-eyed
Then a wail erupts from his throat
and is buried there instantly
Emptiness stares at them
They see it too
There is no fear
Then peace all around
Only the bodies writhe for a while

Quando Montreal era a minha cidade
Indo pela Rua Rosemond
Enquanto um dia inteiro se vai
Chorando, lamentando sua inutilidade
Aqui nem mesmo a noite cai naturalmente
Depois que as árvores desaparecem na floresta
Perdidas estão as memórias dos dias idos
Mesmo as flores talvez não sejam flores agora
A neve também não seja neve
Que tipo de museu é esta cidade
De pessoas perdidas e coisas transformadas?
Não era fácil passar
Nem mesmo pela Rua Elmer
Cruzar o rio estreito da recompensa
Carregando a sede;
Não era fácil dizer
Que esta cidade está afundando
E então numa manhã fria chegar à casa de alguém
E pedir para dormir
A única coisa fácil era
Assistir ao contínuo cair da neve
Pensando no amor e na morte

When Montreal was my city
Passing over Rosemond Street
Just as a whole day passes
Crying, regretting over its worthlessness
Not even the night falls naturally here
Just as the trees have vanished in the forest
Lost are the memories of the bygone days
Even the flowers are perhaps not flowers now
The snow too is not snow
What kind of a museum is this city
Of lost people and transformed things
It was not easy to pass
Even through Elmer Street
To cross over the narrow river of gratification
Carrying thirst;
It wasn’t easy to say
That this city is sinking
And then on some cold morning reach someone’s house
Asking for sleep
Easy it was only
To watch the continuous falling of the snow
Thinking of love and death

Pensamentos descalços
Venham descalços, meus pensamentos
Venham com a leveza de uma noite bonita
Venham, um a um
Como as bênçãos dos deuses
Venham como nenhuma coisa vem
fiquem comigo até que arda a lâmpada da civilização
Com dor e desassossego
Fiquem como minha única testemunha
Enquanto eu velo por este mundo adormecido 

Barefoot thoughts
Come barefoot my thoughts
Come with the lightness of a beautiful night
Come, one by one
Like the blessings of gods
Come as nothing comes
stay with me till the lamp of civilization burns
In pain and in restlessness
Stay as my only witness
While I watch this world asleep

Eu sou a morada das estrelas
Quem sabe quantas estrelas
Caem dentro dos meus olhos e sucumbem
Sua luz ofuscante,
seu calor ardente
se extinguem em meus olhos
Estrelas
nascem para morrer, como pessoas,
na morada vasta e radiante em que eu me transformei
Todas as noites
uma estrela desce dentro de mim
Sua luz brilhante morre
Seu imenso calor desaparece
Todas as noites

I am the house of stars
Who knows how many stars
fall into my eyes and perish
Their dazzling light,
their scorching heat
extinguished in my eyes
Stars
come to die, like people,
in the vast radiant house I’ve become
Each and every night
a star descends in me
Its bright light dies
Its great heat disappears
Each and every night 

Mulher é verdade
Há sono por todos os lados
Sede em todo lugar
Inclusive na vigília
Até mesmo onde os sonhos estão despertos
Onde o oceano se agita
É possível ver ao longe
As terras planas e concretas
Um pedaço do mundo meio antigo
E uma mulher transgredindo a sede 

Woman is truth
There’s sleep all around
Thirst everywhere
In wakefulness too
Even where dreams are awake
Where the ocean sways
One can see afar
The plain concrete lands
A piece of the world somewhat ancient
And there is a woman transgressing thirst

Savita Singh
Nasceu em 1948, em Nova Deli (Índia), onde vive. Poeta, ensaísta e ficcionista, tem trabalhos publicados em inglês, francês e hindi.
Mario Araújo

Nasceu em Curitiba (PR), em 1963. É autor dos livros de contos A hora extrema e Restos.

Rascunho