Contos de Rinaldo de Fernandes

Contos de Rinaldo de Fernandes
01/02/2012

O crime
Ela não o perdoou. O cachorro latiu na hora. E depois largou, entre as plantas do jardim, o pênis decepado do velho.

O fiel
Meto-te a mão. Entre as coxas. Ninguém vendo na igreja. Penumbra. Reclinas, acolho-te o busto. E finco o dedo:
– Ui, Pai!

No assalto
Tenho dez anos, tio. Sim. Já matei. Três. A mãe. Ela que mandou eu vir. É. Arrombei ali a… Aí me interrogando, pra quê?!

No asilo
Já tive tudo, moça. Saúde, casa boa, filhos perto. Até que fui jogado aqui. Para piorar, perdi uma perna. Hoje pulo por aí…

Bom-dia
Na ditadura, ele foi pego. Tomou pau-de-arara, socos. Hoje o torturador cruza com ele na caminhada. E desfere-lhe um bom-dia.

30%
Sra. Isa, a nova coleção… Precisava mesmo ouvir alguém… De inverno… Vou me matar… Com 30% de… Vou me matar… Alô… Tola!

O pai
A poltrona está vazia. Aí já se sentou meu pai. Meu pai… Posso mudar de assunto?

A mãe
Meus filhos cresceram, se foram. Há anos não me vêem. É. Fez dez dias. Que minha calcinha está ali, no banheiro, suja de cocô.

O filho
Enfim, o que temia. Dar banho em minha mãe doente de 93 anos. Ela pendendo, tirei-lhe a roupa. Ai, puta que pariu! Ô sorte!

A tia
Queria tanto a minha tia. Tanto. Ela dormindo no sofá, tudo lhe crescia: os seios, o sexo no short. Eu namorava com a almofada.

O gesto
O gesto o fez tremer, sofrer muito. Passados anos, ainda se lembra. Chora, pende no travesseiro. Olha para a porta. E só.

Ao repórter
A gente não rouba pra comprar droga, não, moço! Deixem disso! Eu roubo é pra comer! Comer! Merda de mentira, e todo dia!


Tudo pode piorar. No jardim, a lagarta, pensa no galho, padece para contornar o espinho. Que, neste momento, vazou-lhe as cores.

Bola
Os passos foram ouvidos pela vizinha. Ele fez questão de pisar forte. E de chutar a cabeça cortada da cunhada.

A lágrima
Cortava árvores. Tinha grande prazer em decepar-lhes os braços. Um dia, de um galho ferido, respingou a lágrima. Que o cegou.

No bar
Ah! Perdi minha noiva, amigo, e não vem com essa de que amor é isso, é aquilo. O amor é uma merda onde todo mundo se lambuza.

O jardineiro
Ganho meio salário e amo minha patroa. Eu choro quando ela passa no short verde. Choro escondido, com o nariz na flor.

Em casa
70 anos e com minha nora de 23. Ao cheirar a calcinha dela, o olho verde do meu filho me apanhou. Ontem ele soluçou no quarto.

Ceias
A terra do homem é onde ele faz amigos. Confiante nisso, Alan se afundou nos seios de uma mulher e nas ceias dos parentes dela.

O apito
A mendiga mijava ao pé do muro, sem se importar com ninguém. Na sombra do poste, próximo, o guarda apertando o apito.

Dois canudos
Levou a pé os filhos para o parque, longe. Chorou ao vê-los, quietos, os dois canudos, tomar o primeiro refrigerante.

O gato
Foi forte o último olhar do gato. Foi forte e pedia socorro ao louco urinando perto. O gato, no beco, sendo morto a perfuradas.

O casebre
Beirando a estrada, recuado, entre rochas bicudas, o casebre. Dizem que o velho a mantém acorrentada. A menina.

Como fazer?
Parou no acostamento, olhou para o morro azulado. Bateu o barro no pneu. Pensou na filha, em como ia fazer.

Zizi
7 meninas assaltam na estrada. A de 7 anos, na hora da ação, às vezes se distrai com as pedrinhas do acostamento:
— Anda, Zizi!

O cerco
Meu filho hoje, na hora do almoço, me deu um soco. Disse:
— Pare com isso, cretino!
Corno! Ela que vem me cercando.

A canoa
Ela via o pai, já velho, passar na canoa, todos os dias. Anos ele passando no rio. Anos ele calado, sem que mais a quisesse.

Suzi
A poeira cresceu na estrada. O carro parou, o senhor de bigode bem aparado, ouros, desceu. O pai, da porta:
— Suzi, te apronta!

Entre vizinhos
— Quem descobriu?
— O rapaz que foi lá colocar a lâmpada.
— Estúpido ela gostar de cachorro!

O amigo
Levei meu cachorro morto no porta-malas, fiz a cova à beira da rodovia. Pelo retrovisor, ainda vi a pedra que deixei sobre ele.

O pintor
Entrou por sua janela a cor. Ele não esperava, mas ela veio, espalhou-se pelas paredes. Domou-lhe a vida. Desceu-o da vaidade.

A pedra
A pedra da praça pintada de branco. Era bom, nas noites de sábado, sentar nela. Que fim levou? Onde andará Lúcia?

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho