Poemas de Kátia Borges

Le3ia os poemas "Wasabi" e "Alforria"
Kátia Borges, autora de “Ticket Zen”
27/09/2018

Wasabi

Escuta: cada mês tem sua crueldade.
Alguns apenas roçam os dentes
em nossa pele, outros laceram a carne.
Este que vem anuncia suavidades,
modos de manter as suculentas vivas:
“em relação à rega, simplesmente não há regras”,
segreda a moça no rádio.
Temos desaprendido tantas coisas
desde março. Ah, se ela escutasse.
Talvez enfiasse as mãos no peito
e arrancasse de lá o coração:
“leva esta muda, estou cansada”.
E então, quem sabe, eu a trouxesse mesmo.

Sobre o cultivo de avencas, dizem os jardineiros:
“é menos complicado que wasabi”.

…..

Alforria

Para mim, bastava um cão eterno
que esperasse no adro
duma igreja da Bahia
minha alma retornar do purgatório.
Mas nada se dá ao ermo, nem a alforria,
e tudo que é eterno já é morto,
até o que se intui de alegria,
o riso breve antes mesmo do esboço.
Tenho me achado cada vez mais semelhante
às fotos antigas de minha mãe,
e é um consolo
ver em mim um pouco do seu rosto.

Kátia Borges

Nasceu na Bahia. É autora dos livros De volta à caixa de abelhas (2002), Uma balada para Janis (2009), Ticket Zen (2010), Escorpião amarelo (2012), São Selvagem (2014) e O exercício da distração (2017). Integra as coletâneas Traversée d’Océans – Voix poétiques de Bretagne et de Bahia (2012), Mini-Anthology of Brazilian Poetry (2013), entre outras.

Rascunho