Poesia em Berkeley (1)

Leia os quatro poemas de Jessica Becker
Ilustração: Rafa Camargo
01/10/2012

Tradução: Sebastião Edson Macedo

you’d have to nail me to the bed
she says
skilful skin unwinding
flashing femurs
in the bright broad sun
hollow lids brimming blithely
sorrow stretched from brow to bones
the reticent dip
of a finger in tomorrow’s vat
it comes out blue and flattened
bellows
electric eyes splitting setting suns
thighs crumbling and cracking
grabs
the bottle and pours and icy sheets descend
wanted
bent and borrowed shuts the door
and folds the last of what she owns
she said:
(you’d better) nail me to the floor

você devia me cravar na cama
ela diz
perita pele desenrolando
refulgindo fêmures
no vasto sol cegante
pálpebras ocas enchidas de ar
pesares esticados dos ombros aos ossos
o lacônico deitar
de um dedo no tonel de amanhã
sai azul e chato
urra
olhos elétricos a cortar sóis poentes
coxas desmoronando e partindo
agarra
a garrafa e derrama e descem gélidas camadas
caçada
curva e emprestada fecha a porta
e dobra seus restos
ela disse:
(por que você não) me crava no chão

“in pockets”

keep my lovers in pockets like pebbles like
cheap souvenirs
fifty-one cents to make a penny

bees unstung and drums untightened
once upon a white-eyed dream
unbroken tongues
kidneys livers aligned

never almost offended in out oneside
slung around the globe
these lovers now just letters out of order
boarded up, listless and bare

stealthy hours effaced
my old words rearranged
these lovers like lint balls in pockets
all rolled into one

“nos bolsos”

manter meus amantes nos bolsos como pedras como
lembrancinhas baratas
cinqüenta centavos para gastar um

abelhas desaferroadas e tambores desapertados
uma vez um sonho com uma íris sem cor
língua desquebrada
baços rins alinhados

nunca quase ofendida aqui ali acolado
arremesso ao redor do globo
esses amantes só restos léxicos embaralhados
pregados despidos

horas baldadas esfregadas
minhas velhas palavras rearrumadas
estes amantes como farelos nos bolsos
embolados todos em um

“still life”

pancake-flat hills like ripples
height mapped out on paper scape

undulating river beds etched into the brown

square and squeaky reservoirs soak up
this climatelessness

cardio shaped construction pits emote in corners
scattered among suburbic plots dotted with symbolist azure
and then — a lapse

puffs of white
the canvas peeking out from behind swatches of green

the slithering shadow
casts gloomy moods on sailboats speckled
on a pruny-fingered bay

left unfinished serpentine slides
by a parnassian parking lot
dusted with confetti cars

all sits still as the landscape swells
frozen flatness springs to life in RealD

this solipsistic level reverie
awakened
with a thud

“natureza morta”

colinas empanquecadas tipo ondas
altura traçada em paisagem papel

ondulados leitos de rios gravados no marrom

esquadrados e estridentes reservatórios tragam
esta desclimatura

pelos cantos comovem-se canteiros cardíacos
dispersos entre subúrbicos trechos pontilhados de simbolista azul
e aí — um vão

baforadas de branco
a tela dando lance por detrás de amostras de verde

a deslizante sombra
deita um ar sombrio por sobre veleiros salpicados
numa baía qual engelhados dedos

inacabados escorregas em serpentina
num descampado parnasiano
pingado com carros confete

tudo repousa enquanto a paisagem incha
congelada planura nasce para a vida em 3D

esse nivelado devaneio solipsista
acorda
com um baque

Ilustração: Rafa Camargo

“to the sea”

cliff-perched dream-time dance
her doggy-rough tongue come to lap at my feet
she slips up the stairs
makes a wild and crashy scene
unhinging my seams

as i rush down to meet her we know
she has come to destroy what has grown
in her absence

i sit cradling my cherished clichés
stifled
soaking up the soon
the meet me there later
let’s stomp again on the phosphorescence of the sea!
let’s be charged by dolphins too far from shore!
let’s dodge the artful ghost crab scurries!

she pools
she reclines
condemns me to ebb and to flow

and stumbling over my iambs
tripping on broken beer bottle sea glass
and anagrams of rodanthe

i seethe

“ao mar”

onírica dança-risco precipício
sua língua rude canina vem lamber os meus pés
ela sorrateia escada acima
faz uma cena bestial espalhafata
escangalhando minhas costuras

ao me lançar ao seu encontro nós sabemos
ela veio a destruir o que cresceu
em sua ausência

eu me sento a embalar meus queridos clichês
abafada
tomando uma cor no já
no me encontre ali logo mais
vamos replantar nossos pés na fosforescência do mar!
vamos enfrentar golfinhos bem longe da costa!
vamos andar de lado saltando os caranguejos travessos!

ela se ajunta
ela se reclina
me condena ao fluxo e refluxo

e tropeçando por meus iambos
esbarrando nos cacos etílicos de vidro rolado no mar
e anagramas de rodanthe

eu marreio

Luiz Ruffato
No primeiro semestre deste ano estive na universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, como escritor-residente. Lá, conheci alguns jovens poetas, de nacionalidades várias, em início de carreira, cujo trabalho quis compartilhar com os leitores brasileiros. Escolhi cinco, entre os melhores, que serão publicados nesta e nas próximas edições do Rascunho. Diversos em suas opções estéticas e políticas, o que os une é apenas o fato de serem estudantes naquela universidade da Califórnia. JESSICA BECKER inicia a série. Professora e tradutora, nasceu em Luxemburgo, em 1982, e é doutoranda em Espanhol e Português. A tradução é do poeta SEBASTIÃO EDSON MACEDO (autor de para apascentar o tamanho do mundo, de 2006, e as medicinas, de 2010), atualmente doutorando em Literatura Brasileira em Berkeley.

Jessica Becker

Professora e tradutora, nasceu em Luxemburgo, em 1982, e é doutoranda em Espanhol e Português.

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