Poemas de Edson Costa Duarte

Leia os poemas de Edson Costa Duarte
01/06/2010

Lírica impura III

I
O poeta não pede.
Implora.
O poeta não vibra.
Cala.

Estranho vício
de ser hóspede
do silêncio.

Azul e branco
faço do meu ofício
essa sede de luto
essa espiral do tempo.

Sei que o poeta implora.
Sei que o poeta cala.
Atravessando a ponte
vejo uma sombra do tempo
todo navio, soçobra, um dia
eu penso.

Eco da solidão
e o poeta dorme
alucinado hóspede
do silêncio.

O poeta nada fala
apenas

FITA.

II
Fechado pra balanço.
Ando mais cinza que o cinza.
Meio nublado eu diria.
Meio aquela chuvinha
fina interminável
interminável tempo
eu não tenho sono
tenho frio somente
e amanhece.

Fechado dentro de mim
anoiteço lento
enquanto o sol se fortalece
numa audácia que me afronta.

Mais escuro que o cinza
alguma coisa negra
se impõe
escorre
dentro de mim
vermelho negro
uivo do infinito
eu tenho sono sim
mas me recuso
me recuso a acordar em mim

tomado pela luz que afronta

fisga súbita
fere fundo

CEGA.

III
O amor também pede trégua.
Anoitece.
Desidrata.
E quando alguma luz
quase acontece
de novo o ocaso
das coisas livres mas gastas
tão gastas
que até mesmo o tempo
nelas se refaz como se nunca
tivessem sido
outra coisa
que o derruído.

O amor também pede trégua.
Pede o afeto do amigo.
Mão alheia que seja.
Mas que seja
breve
insana
fogo que súbito se alastra.

PRELÚDIOS MÍNIMOS

Para meu espírito

Se nem no silêncio
somos cúmplices
de nós mesmos
o que nos restará?

Para meu corpo

Boca e olhos.
Todos os membros
e vísceras.

Depois
o sopro e o sangue.

E o sempre estar
grudado à matéria.

Para um deus

Os que te fizeram
preso a uma cruz
esqueceram
que a estória de um deus
é muito mais
que o sádico
espetáculo
do sofrimento.

Mar

Diante dele
Nosso olhar desaparece.
Depois de um tempo
Somos só água.
Ninguém
Nada.

Diante da morte

Tenho fome e sede
Quando chega a hora.
Vejo o azul mais além.

Aqui: absoluto escuro.

Dia seguinte

Ainda não é.
Mas terá sido
Sem que ao menos
se perceba.

Fotografia

Sem rosto
Ficaria menos
propenso
às lágrimas.

Da morte

Aprender
Que cada dia
É um dia a menos.
Ou a mais.

Resumo da ópera

Que o excesso
Seja o sumo
De tudo que vivi.

E a sentença.

Edson Costa Duarte

É pós-doutor em literatura pela Unicamp, com trabalho sobre Hilda Hilst. É autor de Lírica impura I (poesia), a ser lançado neste ano pela Editora da UFSC.

Rascunho