Poemas de Edmond Jabès

Leia os poemas traduzidos "sem titulo", "Areia", "Lenda" e "Judaísmo e escritura"
Ilustração: Felipe Rodrigues
01/10/2013

Tradução: Eclair Antonio Almeida Filho

Sábios e loucos de meus livros que me tendes familiarizado com a subversão, vosso lugar permanece sendo aqui. Nenhures. No meio das areias onde, deitado sem querer morrer ainda tenho, geralmente, deixado minhas mãos se abrirem ao vazio.
Profetas subversivos do árido reino aonde fui unir-me a vós, vós tendes preenchido meus anos com vossas sentenças, alvejado meu céu com vossas questões insistentes, sepultado minhas certezas sob vossos passos.
“O universo é um livro do qual cada dia é a folha. Nele tu lês uma página de luz — de despertar — e uma página de sombra — de sono —; uma palavra de aurora e uma palavra de olvido”, havia ele notado.
O deserto não tem nenhum livro.

Sages et fous de mes livres qui m’avez familiarisé avec la subversion, votre place reste ici. Nulle part. Au milieu des sables où, couché sans vouloir mourir encore j’ai, souvent, laissé mes mains s’ouvrir au vide.
Prophètes subversifs de l’aride royaume où je vous ai rejoints, vous avez rempli mes années avec vos sentences, criblé mon ciel de vos questions insistantes, enseveli mes certitudes sous vos pas.
« L’univers est un livre dont chaque jour est le feuillet. Tu y lis une page de lumière — d’éveil — et une page d’ombre — de sommeil ; un mot d’aurore et un mot d’oubli », avait-il noté.
Le désert n’a point de livre. 

(De O pequeno livro da subversão fora de suspeita.) 

Areia

“Sou o refém de uma palavra que, ela mesma, é o refém do silêncio”, dissera ele.

“A morte está, primeiro, na palavra.
“Por isso não busques a minha lá onde, febris, outras se pressionam, mas lá onde elas se recurvam sobre sua defunta eternidade”, dissera ele.

Não pensamos a morte, o vazio, a nulidade, o Nada; mas suas inumeráveis metáforas: uma maneira de contornar o impensado.

  

Sable 

« Je suis l’otage d’une parole qui, elle-même, est l’otage du silence », disait-il.

« La mort est, d’abord, dans la parole.
« Aussi ne cherche pas la mienne là où, fébriles, d’autres se pressent mais là où elles se replient sur leur défunte éternité », disait-il. 

On ne pense pas la mort, le vide, le néant, le Rien ; mais leurs innombrables métaphores : une façon de contourner l’impensé.

(De O pequeno livro da subversão fora de suspeita.)

Lenda

Ele leu, uma vez, que um sábio, no deserto, havia conseguido conversar com a areia.
Impressionado por essa proeza, ele decidiu, por sua vez, dialogar com a fonte.
Ele ignorava que, no silêncio, exclusiva é nossa voz; pois o que, em si, é lamento ou canto é, já, palavra distanciada.
A morte fala. A vida é falada.

(… porque tu estás ainda lá onde eu parecia não estar mais).

“Falarei sem me interromper para aquele que não diz mais nada, não para incitá-lo a me imitar, mas a fim de confortá-lo em seu mutismo. Tão eloqüente é seu silêncio”, havia ele notado.
E mais longe: “É sempre o silêncio que fala àquele que lhe sacrifica suas palavras”.

Légende 

Il lut, une fois, qu’un sage, dans le désert, avait réussi à converser avec le sable.
Impressionné par cet exploit, il décida, quant à lui, de dialoguer avec la source.
Il ignorait que, dans le silence, exclusive est notre voix; car ce qui, en soi, est plainte ou chant est, déjà, parole distanciée.
La mort parle. La vie est parlée. 

(… parce que tu es encore là où il me semblait n’être plus). 

« Je parlerai sans m’interrompre pour celui qui ne dit plus rien, non pour l’inciter à m’imiter, mais afin de le conforter dans son mutisme. Si éloquent est son silence”, avait-il noté.
Et plus loin: « C’est toujours le silence qui parle à celui qui lui sacrifie ses mots. »

(De O livro do diálogo)

Ilustração: Felipe Rodrigues

Judaísmo e escritura

Ouvir Deus em Sua escritura, tal me parece ser a lição do judaísmo.

Olhar para trás, para o judeu, é ver o futuro antes de vivê-lo.

Alinhar palavras para delas fazer frases, não é lhes mostrar o caminho que as levará direto à meta?
Mas a meta não existe.
E qual sutil compreensão é necessária ao escritor para convencer, chamando-os de novo à ordem, os retardatários, os sonhadores e os recalcitrantes.
A escritura, talvez, seja apenas matéria de persuasão.

— De onde vem esse poder de convicção que exerce, sobre as palavras, o escritor?
— Das palavras mesmas, provavelmente, mas também do antiquíssimo conhecimento que o escritor de raça tem das palavras.
— E esse poder de convicção que exercem, sobre o escritor, as palavras?]
— Do escritor, provavelmente; mas, também do conhecimento, ainda mais antigo, que as palavras têm do homem. 

 Judaïsme et écriture

Entendre Dieu dans Son écriture, telle me semble être la leçon du judaïsme.

Regarder en arrière, pour le juif, c’est voir le futur avant de le vivre.

Aligner des mots pour en faire des phrases, n’est-ce pas leur montrer le chemin qui les mènera droit au but?
Mais le but n’existe pas.
Et quelle subtile compréhension faut-il à l’écrivain pour convaincre, en les rappelant à l’ordre, les retardataires, les rêveurs et les récalcitrants.
L’écriture n’est, peut-être, qu’une affaire de persuasion. 

— D’où vient ce pouvoir de conviction qu’exerce, sur les mots, l’écrivain?
— Des mots mêmes, sans doute, mais aussi de la très ancienne connaissance que l’écrivain de race a des mots.
— Et ce pouvoir de conviction qu’exercent, sur l’écrivain, les mots?
— De l’écrivain, sans doute; mais aussi de la connaissance, encore plus ancienne, que les mots ont des hommes. 

(De O livro da partilha.) 

Muito cedo, encontrei-me face ao incompreensível, ao impensável, à morte.
Desde esse instante, eu soube que nada, aqui em baixo, era partilhável porque nada nos pertence…

Há, em nós, uma palavra mais forte que todas as outras — mais pessoal também.
Palavra de solidão e de certeza, tão enterrada em sua noite, que mal ela é audível para si mesma.
Palavra da recusa mas, igualmente, do empenho absoluto, forjando seus laços de silêncios no abissal silêncio do laço.
Essa palavra não se partilha. Ela se imola.

Très tôt, je me suis trouvé face à l’incompréhensible, à l’impensable, à la mort.
Dès cet instant, j’ai su que rien, ici-bas, n’était partageable parce que rien ne nous appartient… 

Il y a, en nous, une parole plus forte que toutes les autres — plus personnel aussi.
Parole de solitude e de certitude, si enfouie dans sa nuit, qu’elle est à peine audible à soi-même.
Parole de refus mais, également, de l’engagement absolu, forgeant ses liens de silence dans l’abyssal silence du lien.
Cette parole ne se partage pas. Elle s’immole.

Edmond Jabès
Nasceu no Cairo, em 16 de abril de 1912 (ou no dia 14, conforme a memória de seu pai). Em 1957, muda-se para Paris por causa da crise no Canal de Suez, que provocou a expulsão de judeus do Egito. Sua obra, que conta com vinte e cinco livros, segue uma poética do desvio, do inimaginado, do incriado, da voz, gravada pelo fogo negro da tinta sobre o fogo branco da página. Estes poemas e fragmentos integram O livro dos limites (composto por O pequeno livro da subversão fora de suspeita; O livro do diálogo; O percurso; O livro da partilha), que será lançado em 2014 pela Lumme Editor.
Eclair Antonio Almeida Filho

Nasceu em 1974, em Muqui (ES). É tradutor e professor do Curso de Tradução Francês-Português da UNB (Universidade de Brasília). Traduziu, entre outras, a Poesia reunida de Radovan Ivsic (Lumme Editor, 2013) e o primeiro volume das obras completas de Edmond Jabès (Lumme Editor, 2013), este último em parceria com Amanda Mendes Casal.

Rascunho