Poemas de Cida Pedrosa

Leia o poema "Solo para Vialejo" de Cida Pedrosa
Divulgação
30/10/2019

Solo para Vialejo

(excerto)

o violão de seu dim
cordas quase elétricas rosto ancestral

andaluz
andaluz
andaluz

voz ligeira indigenando a melodia
tarde e tristeza em uma cidade
que parece cochilar enquanto ferve o mundo
várzea do meio você era tão perto e eu não sabia

a destreza de raimundo e zé pereira irmãos de
sangue e de música guiados por violões ciganos
de cordas inquebrantáveis recuerdos de boleros
e passos de fox dance em infinitas noites sem lua
e lobisomem onde pixinguinha pinicava nossas
almas e jackson espetava nossos corpos e todos
beberam dessa água incandescente onde a musa
vermelha fez morada e anunciou que da pequena
várzea vilarejo mameluco o som se expandiria
serra acima

andaluz andaluz andaluz

um dia minha mãe me disse
a várzea do meio é terra de índios

o sax de seu miguel
o sax de otacílio rodrigues
o clarinete de raimundo maciel

os negros tocavam banjo os negros tocavam banjo
os negros tocavam os negros sem nome tocavam
banjo

jazz band
jazz band
jazz band

jazz band união bodocoense o símbolo delicado
escrito
no bombo indicava que a borboleta azul pousou
ali

jazz band
jazz band
jazz band

quem são estes cavaleiros do
apocalipse new andarilhos de rostos
apagados silenciados nas lembranças
de uma cidade sem presente
irmanados em uma velha foto de
trincheira onde identifico apenas três
três acordes do blues

o sax de seu miguel
o sax de otacílio rodrigues
o clarinete de raimundo Maciel

a santíssima trindade da música sertã
a tríade balsâmica do araripe
o terceto identificado

entre os

nove cavaleiros emplumados
nove cavaleiros emplumados
nove cavaleiros emplumados

a tríade branca em uma jazz band onde ninguém
sabe dos negros que tocavam banjo

a linhagem
a linhagem
a linhagem

cadê a linhagem dos negros que tocavam banjo?

os negros
os negros
os negros

tocavamtocavamtocavamtocavamtocavam

Cida Pedrosa

Nasceu em Bodocó (PE), em 1963. Estreou na poesia em 1982. Coordenou o Movimento dos Escritores Independentes Pernambucanos. Cidadã recifense (título recebido no ano passado), tem oito livros de poesia publicados, entre eles As filhas de Lilith (2009), Miúdos, (2011), Claranã (2015) e a coletânea Gris (2018). O excerto inédito faz parte de seu poema-livro Solo para Vialejo, no prelo.

Rascunho