Poemas de Alejandro Schmidt

Leia os poemas traduzidos "24 de março de 1976", "Nestes dias", "Como um ramo sobre o rio", "Tua pomba", "Um sol", "Triunfo" e "Louvor"
Alejandro Schmidt, autor de “Silencio al fondo”
01/11/2010

Tradução: Ronaldo Cagiano

24 de março de 1976

Eu estava em uma pensão em Tablada 40
e dormia
e me levantei às 4 da manhã
e liguei o rádio
e escutei: comunicado número tal
e uma música maravilhosa
fiquei quieto
atento à ordem dos comunicados
a essa voz da pátria.

Às 6 foram levantando os companheiros
e cheguei à varanda
e um milico me olhou da esquina
viam-se os tanques na ponte
eu olhei para outro lado
para o Mercado, para os caminhões
e não tive medo
e não fiz nada
nem então, nem depois

eu não era ninguém
eu vivia colado ali
os rapazes trabalhavam no Mercado
eu lia Gurdjieff
eu vendia o guia de Córdoba
na Cañada
e andava nu e descalço

e tinha um sogro militar
eu tinha 21 anos
eu tinha uma maleta e uma escova

eu tinha todo o fracasso que chegou
eu tinha que ir para o nada
e então fui.

Nestes dias

Como um jasmim negro
roubado pela chuva
recebe sua dor
a pátria
de um lado do céu
permanecem
tua alma
e as antenas
retirou-se a beleza
ou não a reconhecemos

no fogo
é tanto o que quisemos fazer
o que sabemos
Valerá somente
amar essa planta que sobe rasgada pela escuridão?

Como um ramo sobre o rio

minha felicidade
feita de sonhos justos
de um golpe de ar
sozinha
como um ramo
sobre o rio

por acaso
se desprendeu
e flutua
agora
até você

envolta em anjos ou porvir
e
se assim fora
não a acorrentes
nem a alimentes…

vive de poucas coisas
é uma
grande, terrível
felicidade.

Tua pomba

então
quando me doía tanto a cabeça
trazias a pomba
e a apoiavas em minha frente

bebia a febre
como quem se surpreende

quando seus olhos
avermelhavam
a soltavas no pátio

ao céu se ia
toda de fogo
olhando este mundo vermelho
onde me levanto e caminho
altivo.

Um sol

esta noite não levará a casa
estarei dormindo
e estarei acordado

unido, sem mim,
a um rebanho de espelhos
à água da virgem

insistirá a noite
até romper sua alça
na última estrela

estarei vivo ou morto
em teus braços
na brincadeira do cometa
amor, meu único amor

e ninguém levará esta casa

Triunfo

como um desajeitado cobrador
o vento
chamou a manhã de domingo

havíamos fechado a casa

e já coberto o coração
o dia
o mundo
ficaram esperando

ontem à noite
fomos felizes
e o vinho pagou todas as contas

às vezes
a sorte sozinha
pode reter
anjos
e fogo tenebroso

depois
no quarto
sua escondida fé
rasgou
a máscara do medo.

Louvor

tudo passará disse o diabo
e assim foi
voltaram as areias às montanhas
e esta cidade
um fantasma junto ao rio

não permitas que essas nuvens
te olhem
pela última vez

nem demores tua mão
sobre um coração

às tuas costas
o tempo
é neve
e é presságio

sempre estás cegando
senhora de mim

para ficar

Alejandro Schmidt
Nasceu em 1955 en Villa María, Província de Córdoba (Argentina). É autor de Clave menor (1983), Serie americana (1988), Dormida muerta o hechizada (1993), El diablo entre las rosas (1996), En un puño oscuro (1998), Como una palabra que pudiste decir (1998), El patronato (2000) e Silencio al fondo (2000).
Ronaldo Cagiano

Nasceu em Cataguases (MG). Formado em Direito, está atualmente radicado em Portugal. É autor de Eles não moram mais aqui (Contos, Prêmio Jabuti 2016), O mundo sem explicação (Poesia, Lisboa, 2018), Todos os desertos: e depois? (Contos, 2018) e Cartografia do abismo (Poesia, 2020), entre outros.

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