Pensar à exaustão

Micheliny Verunschk: "Vou cuidar das plantas, brincar com os filhos, fazer outra coisa. Há tempo para tudo, diz o Eclesiastes"
Micheliny Verunschk, autora de “O peso do coração de um homem”
26/08/2017

Micheliny Verunschk é poeta e romancista. Acaba de lançar o romance O peso do coração de um homem, pela Patuá. Também publicou Aqui, no coração do inferno, que está entre os finalistas do Prêmio Rio de Janeiro de Literatura. Em 2015, Micheliny recebeu o Prêmio São Paulo com Nossa Teresa – vida e morte de uma santa suicida, na categoria autor estreante acima de 40 anos. Como poeta, é autora de Geografia íntima do deserto, O observador e o nada e A cartografia da noite. É doutoranda em Comunicação e Semiótica e mestre em Literatura e Crítica Literária.

• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Eu escrevo desde que tinha entre 8 e 10 anos. Nunca pensei efetivamente em ser outra coisa. No entanto, foi lá pelos 23, 24 anos que decidi levar mais a sério a questão e comecei a escrever o que viria a ser meu primeiro livro, Geografia íntima do deserto, publicado aos 31.

• Quais são suas manias e obsessões literárias?
A morte, o ritmo, a multiplicidade de vozes. Mas a maior obsessão, sem dúvida, é conseguir construir na narrativa uma simultaneidade de tempos, em temporalidades que colidem, que se desdobram.

• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Poesia. Sempre.

• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Michel Temer, qual seria?
A única coisa que recomendaria ao Temer é vergonha na cara.

• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Eu não acredito em circunstâncias ideais. Quem quer ou quem precisa escrever, senta e escreve, seja onde for. Há poucos anos morei num apartamento minúsculo e meu escritório era a mesa da cozinha. Nela nasceram minha tese de doutorado, meus dois últimos romances e os dois livros de poesia que publicarei ainda neste ano.

• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Meia hora sem interrupções, no mínimo. Mas também serve um trajeto de ônibus coletivo.

• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Escrever um parágrafo bem resolvido por dia. Uma vitória nem sempre possível.

• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Resolver alguma questão que parecia insolúvel, e isso serve para a poesia e para a prosa. Resolver um problema de ritmo, de forma, de conteúdo, e ficar satisfeita com o resultado, é o que me dá mais prazer. Imagino que seja o mesmo prazer que um matemático ou um cientista sentem ao resolver uma equação.

• Qual o maior inimigo de um escritor?
Sentir-se genial.

• O que mais lhe incomoda no meio literário?
Certa imposição de ver e ser visto não exatamente pelo que você escreve, mas pelo que você representa no mercado.

• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Ehre, poeta que circula mais no Tumblr.

• Um livro imprescindível e um descartável.
A educação pela pedra, de João Cabral de Melo Neto, é imprescindível. Citar Anônima intimidade, do golpista Michel Temer, aqui é quase um sacrilégio para com a memória de Cabral.

• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
O lugar-comum.

• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Nunca pensei nisso. Acho que é possível escrever sobre tudo.

• Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Não acredito em inspiração. Mas acredito em coisas que te movem: imagens, sons, palavras, lugares. A imagem de garrafas de cervejas quebradas no meio da rua, que por um momento me lembraram baratas, é certamente um desses lugares inusitados.

• Quando a inspiração não vem…
Vou cuidar das plantas, brincar com os filhos, fazer outra coisa. Há tempo para tudo, diz o Eclesiastes.

• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Elena Ferrante.

• O que é um bom leitor?
O leitor que está atento.

• O que te dá medo?
Não conseguir escrever.

• O que te faz feliz?
Tanta coisa! Dentre tantas, pegar o livro depois de pronto, recém-saído da gráfica.

• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
Parafraseando Belchior, “a certeza de que tenho coisas novas, coisas novas pra dizer”.

• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Que aquele que for ler tenha a certeza de que procurei construir um mundo, seja no poema, seja na narrativa. E que esse mundo foi pensado à exaustão.

• A literatura tem alguma obrigação?
Apenas de estar incontestavelmente ao lado do ser humano.

• Qual o limite da ficção?
A ficção não tem limites. É um perigo. Mas não tem.

• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Não levaria a ninguém, porque cairia mortinha, infartada. Quando eu morava no interior morria de medo de topar com algum leão fugido de circo, porque se topasse, ele nem teria trabalho de me pegar. Eu, ploft!, cairia, e ele nhac!, me devoraria. É o mesmo medo, de ET e de leão fugido de circo. Mas se ainda assim o ET me fizesse dizer alguma coisa (sei lá das tecnologias deles) eu diria: procure Maria Valéria Rezende.

• O que você espera da eternidade?
Hahahaha. A eternidade é muito longa.

O peso do coração de um homem
Micheliny Verunschk
Patuá
125 págs.
Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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