Poemas de W. S. Merwin

Leia os poemas traduzidos "A manhã", "Abril", "Na porta da frente", "Luz do orvalho", "A flauta nômade", "Vislumbre tardio", "Para Paula"
W. S. Merwin, poeta norte-americano
30/07/2017

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

Rain at daybreak

One at a time the drops find their own leaves
then others follow as the story spreads
they arrive unseen among the waking doves
who answer from the sleep of the valley
there is no other voice no other time

Chuva ao nascer do dia

Uma a uma as gotas vão achando suas folhas
outras as seguem conforme a história avança
elas chegam sem ser vistas entre os pombos
despertando em resposta ao vale que dorme
não há outra voz nem há outro tempo

…..

The morning

Would I love it this way if it could last
would I love it this way if it
were the whole sky the one heaven
or if I could believe that it belonged to me
a possession that was mine alone
or if I imagined that it noticed me
recognized me and may have come to see me
out of all the mornings that I never knew
and all those that I have forgotten
would I love it this way if I were someone else
or if I were younger for the first time
or if these very birds were not singing
or I could not hear them or see their trees
would I love it this way if I were in pain
red torment of body or gray void of grief
would I love this way if I knew
that I would remember anything that is
here now anything anything

A manhã

Eu amaria isso assim se isso pudesse durar
eu amaria isso assim se
fosse todo o céu o paraíso
ou se pudesse acreditar que ele fosse meu
uma posse que fosse só minha
ou se imaginasse que o céu reparou em mim
me reconheceu e veio até aqui para me ver
para além de todas as manhãs que eu não vi
e todas das quais me esqueci
eu amaria isso assim se fosse outra pessoa
ou se fosse jovem pela primeira vez
ou se estes passarinhos não estivessem cantando
ou se eu não pudesse ouvi-los ou ver as árvores deles
eu amaria isso assim se sentisse dor
o tormento vermelho do corpo ou o oco cinza da tristeza
eu amaria isso assim se soubesse
que me lembrarei de alguma coisa do que está
aqui agora alguma coisa alguma coisa

…..

April

When we have gone the stone will stop singing

April April
Sinks through the sand of names

Days to come
With no stars hidden in them

You that can wait being there

You that lose nothing
Know nothing

Abril

Quando formos embora a rocha não mais cantará

Abril abril
Afunda na areia de nomes

Dias por vir
Sem que neles haja estrelas ocultas

Você que está aí pode esperar

Você que nada perde
Nada sabe

…..

By the front door

Rain through the morning
and in the long pool a toad singing
happiness old as water

Na porta da frente

Chuva atravessando a manhã
e na comprida lagoa um sapo canta
felicidade tão antiga quanto a água

…..

Dew light

Now in the blessed days of more and less
when the news about time is that each day
there is less of it I know none of that
as I walk out through the early garden
only the day and I are here with no
before or after and the dew looks up
without a number or a present age

Luz do orvalho

E agora nos dias abençoados do mais e do menos
quando a novidade sobre o tempo conta que a cada dia
há menos dele eu nada mais sei sobre isso
enquanto caminho pelo jardim bem cedo
somente o dia e eu estamos aqui sem
antes ou depois e o orvalho olha para o céu
sem registro ou idade

…..

The nomad flute

You that sang to me once sing to me now
let me hear your long lifted note
survive with me
the star is fading
I can think farther than that but I forget
do you hear me

do you still hear me
does your air
remember you
o breath of morning
night song morning song
I have with me
all that I do not know
I have lost none of it

but I know better now
than to ask you
where you learned that music
where any of it came from
once there were lions in China

I will listen until the flute stops
and the light is old again

A flauta nômade

Você que um dia já cantou para mim canta agora
deixe-me ouvir a sua longa e alta nota
sobreviva comigo
a estrela se desfaz
posso pensar para além daquilo mas me esqueço
você me ouve?

você ainda me ouve?
seu ar se
lembra de você?
oh suspiro da manhã
canção noturna canção matutina
eu tenho comigo
tudo o que não sei
nada disso eu perdi

mas sei mais agora
para lhe perguntar
onde você aprendeu aquela música
de onde um pedaço daquilo veio
antes havia leões na China

ouvirei até que a flauta pare
e de novo a luz envelheça

…..

Late glimpse

They were years younger than I am
centuries ago
when they spoke of themselves as old
looking at the empty sky

end of November as we call it now
winter light no age over the gray sea
a petrel flies in at evening
trailing its feet in the sunset

Vislumbre tardio

Eles eram anos mais novos do que sou hoje
séculos atrás
quando falavam de si como velhos
fitando o vazio do céu

fim de novembro conforme dizemos hoje
atemporal luz de inverno sobre o mar cinzento
uma ave marinha voa para a noite
deixando pegadas no poente

…..

To Paula

We keep asking where they have gone
those years we remember and we
reach for them like hands in the night
knowing they must be as close as
that those twenty years that were
just here we did not set them down
no not that first night talking at
Il Monello what did we say
and then the joy of that summer
that became the joy of the years
after it yes that is where they
are they turned into each other
love and all and have turned into
us now the way a journey turns
into the traveller even
as its sequence is forgotten
they turned into this later joy
one day on another island
near the end of another year
wondering what became of them

Para Paula

Seguimos perguntando onde foram parar
aqueles anos dos quais nos lembramos e
buscamos como mãos na noite
sabendo que devem estar tão perto quanto
aqueles vinte anos que estavam
bem aqui nós não os deixamos de lado
não não foi naquela primeira noite conversando no
Il Monello o que dissemos
e então a felicidade daquele verão
que se tornou a felicidade dos anos
seguintes sim e é onde eles
estão eles deram um ao outro
o amor e tudo o mais e se tornaram no que nós
somos agora do jeito que uma jornada se transforma
no viajante ainda
que sua ordem seja esquecida
eles se tornaram essa felicidade tardia
um dia numa outra ilha
perto do fim de mais um ano
pensando em quem eles se tornaram

…..

A likeness

Almost to your birthday and as I
am getting dressed alone in the house
a button comes off and once I find
a needle with an eye big enough
for me to try to thread it
and at last have sewed the button on
I open an old picture of you
who always did such things by magic
one photograph found after you died
of you at twenty
beautiful in a way
I would never see
for that was nine years
before I was born
but the picture has
faded suddenly
spots have marred it
maybe it is past repair
I have only what I remember

Uma semelhança

Quase no seu aniversário e enquanto
me visto sozinho em casa
um botão se desprega e quando encontro
uma agulha com um buraco grande o suficiente
para que eu possa tentar passar o fio
e por fim pregar de volta o botão
eu abro um antigo retrato seu
que sempre fez essas coisas como que por mágica
uma fotografia encontrada após sua morte
você aos vinte anos
bonita de um jeito
que eu jamais veria
já que isso foi nove anos
antes que eu nascesse
mas a imagem de
repente se desvaneceu
conspurcada por manchas
talvez sem conserto
só tenho aquilo de que me lembro

W. S. Merwin (1927)
Em plena atividade aos 89 anos, é um dos poetas norte-americanos mais admirados de sua geração. Nasceu em Nova York e há muitos anos vive no Havaí, onde, além de escrever, mantém um ambicioso projeto de recuperação das matas nativas. Uma das marcas registradas de Merwin é ausência de pontuação em seus poemas. Foi Poeta Laureado do Congresso e ganhou todos os prêmios mais importantes, entre os quais o Pulitzer e o National Book Award.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho